NOTA CIENTÍFICA

Variabilidade na composição química de vermicompostos comerciais

Variability of the chemical composition of commercial vermicomposts

Beatriz Simões Valente1, Eduardo Gonçalves Xavier2, Heron da Silva Pereira3, Robson Andreazza4, Mário Conill Gomes5

1Doutora em Zootecnia, Universidade Federal de Pelotas, Capão do Leão; (53) 981421724, bsvalente@terra.com.br; 2Ph.D. em Animal Science, Universidade Federal de Pelotas, egxavier@yahoo.com; 3Engenheiro Sanitário e Ambiental, Universidade Federal de Pelotas, heron.pereira90@hotmail.com; 4Doutor em Agronomia, Universidade Federal de Pelotas, robsonandreazza@yahoo.com.br; 5Doutor em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Pelotas, mcconill@gmail.com.

Recebido para publicação em 30/10/2017; aprovado em 07/09/2018

Resumo: O aumento do consumo de alimentos mais saudáveis tem impulsionado o mercado de fertilizantes orgânicos. Aspectos relacionados á investigação sobre sua qualidade agronômica é importante a fim de garantir a saúde pública e também a preservação ambiental. Objetivou-se avaliar a variabilidade da composição química de vermicompostos comerciais. O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado, com cinco tratamentos, representados pelas amostras V1 (vermicomposto comercial S), V2 (vermicomposto comercial SS), V3 (vermicomposto comercial B), V4 (vermicomposto comercial V) e V5 (vermicomposto comercial A), cada um com três repetições. As análises de pH, matéria orgânica total, cinzas, carbono orgânico total, nitrogênio total, relação carbono/nitrogênio e do índice de mineralização do vermicomposto foram realizadas em triplicata. Os resultados demonstraram que os vermicompostos comercializados apresentam uma grande variabilidade na sua composição química e não atendem a legislação brasileira de fertilizantes orgânicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, quanto ao teor de matéria orgânica total e relação carbono/nitrogênio. A ausência de informações sobre a composição físico-química na embalagem é um fomentador da aplicação empírica de vermicompostos em cultivos e deve ser evitada.

Palavras-chave: Fertilizante orgânico; Húmus; Agricultura orgânica.

Abstract: The increase in consumption of healthier foods has improved the organic fertilizers market. Aspects related to research on its agronomic quality are important in order to ensure the public health as well as environmental preservation. The aim of this study was to evaluate the variability of the chemical composition of commercial vermicompounds. The experimental design used was completely randomized, with five treatments, represented by samples V1 (commercial vermicompost S), V2 (commercial vermicompost SS), V3 (commercial vermicompost B), V4 (commercial vermicompost V) and V5 (commercial vermicompost A), each one with three replicates. The analyses of pH, total organic matter, ash, total organic carbon, total nitrogen, carbon/nitrogen ratio and vermicompost mineralization index were performed in triplicate. The results showed that the commercialized vermicompost presents a great variability in their chemical composition and do not comply with the Brazilian organic fertilizer legislation of the Ministry of Agriculture, Livestock and Food Supply, regarding the total organic matter content and carbon/nitrogen ratio. The lack of information regarding the physical and chemical composition in the product packing is a promoter of the empirical application of vermicompost in farming and should be avoided.

Key words: Organic fertilizer; Humus; Organic agriculture.

INTRODUÇÃO

No Brasil, o interesse pelo consumo de produtos naturais tem impulsionado a produção de fertilizantes orgânicos. A adubação sob o paradigma orgânico pressupõe que a fertilidade do solo deve ser mantida ou melhorada da ciclagem de nutrientes por meio de compostos, vermicompostos e adubações verdes (LIMA et al., 2009). O uso de resíduos orgânicos na agricultura é uma opção atrativa do ponto de vista econômico e assegura a qualidade de vida para as gerações futuras.

Vermicomposto é o produto resultante da interação entre minhocas e micro-organismos na degradação de diferentes resíduos orgânicos, que realizam a mineralização de elementos químicos como nitrogênio, potássio, fósforo, cálcio e magnésio (YADAV; GARG, 2011). Valente et al. (2013) ressaltam que são muitos os resíduos orgânicos de origem urbana, industrial e agrícola que podem ser transformados pelas minhocas, o que pode determinar a ausência de um padrão de qualidade. Portanto, a sua utilização agrícola como adubo orgânico deve ser realizada segundo alguns critérios técnicos.

Lacerda e Silva (2014) salientam que a análise físico-química e também a microbiológica são importantes porque é possível determinar se o resíduo, bem como o vermicomposto resultante, pode ou não ser utilizado como fonte de nutrientes para as culturas alimentícias ou apenas para gramados e espécies florestais. Os autores explicam ainda que os órgãos responsáveis pelas recomendações de corretivos e fertilizantes orientam utilizar os valores médios obtidos pela pesquisa regional como referência da composição química. Entretanto, as extrapolações assumem os riscos dos possíveis problemas advindos da utilização dos resíduos orgânicos e dos vermicompostos sem a prévia caracterização como, a disseminação de patógenos, salinização, toxidez por excesso de micronutrientes e contaminação do lençol freático. Luz et al. (2017) avaliaram a contaminação de vertentes com brotamento de água subterrânea no perímetro de Ivoti/RS e verificaram presença de E.coli, adenovírus e rotavírus.

Os padrões de qualidade para os fertilizantes orgânicos são preconizados pela Instrução Normativa Nº 25, de 25 de julho de 2009, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA (BRASIL, 2009). O Ministério estabelece as definições e normas concernentes às especificações, garantias, tolerâncias, ao registro, à embalagem e rotulagem dos fertilizantes orgânicos simples, mistos, compostos, organominerais e biofertilizantes destinados à agricultura. Dentre as várias especificações contidas nesta Instrução Normativa (IN), cabe ressaltar que os vermicompostos, para serem expostos à venda em todo o território nacional, devem exibir rótulos em suas embalagens. O rótulo deverá conter a indicação fertilizante orgânico simples e respectivas classes A, B, C e D, que correspondem às matérias primas utilizadas como substrato para as minhocas. Da mesma forma, devem conter sua composição físico-química e satisfazer as seguintes especificações: umidade máxima 50%, nitrogênio total mínimo 0,5%, carbono orgânico total mínimo 10%, relação C/N máxima 14 e pH mínimo 6,0. Tais exigências visam estabelecer um padrão de qualidade de vermicompostos tendo em vista a preservação ambiental e a eficiência agronômica desses materiais.

Com base no exposto, objetivou-se avaliar a variabilidade da composição química de vermicompostos comerciais.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado no Laboratório de Nutrição Animal do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Foram utilizadas cinco amostras comerciais de vermicompostos produzidos por diferentes empresas do Brasil. Para que as cinco empresas e respectivas marcas fossem preservadas, fez-se uso de códigos de identificação. O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado, com cinco tratamentos, representados pelas amostras V1 (vermicomposto comercial S), V2 (vermicomposto comercial SS), V3 (vermicomposto comercial B), V4 (vermicomposto comercial V) e V5 (vermicomposto comercial A), cada um com três repetições.

As análises do potencial hidrogeniônico (pH), umidade (Umid), matéria orgânica total (MO), cinzas (CZ), carbono orgânico total (COT), nitrogênio total (NT), relação carbono/nitrogênio (C/N) e do índice de mineralização do vermicomposto (IMV) foram realizadas em triplicata. O pH foi determinado pela transferência de 10 g da amostra em um béquer, diluídos em 100 mL de água destilada. O teor de CZ foi determinado pela incineração em um forno mufla à temperatura de 550 ºC por três horas.

O teor de MO foi obtido através da Eq. 1, conforme metodologia descrita por Kiehl (1985).

MO = (100 - % CZ) (1)

O C foi obtido através do fator de Bemmelen, descrito por Kiehl (1985), segundo Eq. 2.

COT = (MO * 1,8-1) (2)

O teor de umidade foi determinado conforme descrito por Silva e Queiroz (2004). O N foi determinado pela digestão da amostra em ácido sulfúrico e posterior destilação em aparelho Kjedahl, conforme descrito por Silva e Queiroz (2004).

A relação C/N foi obtida pela Eq. 3, conforme descrito por Tedesco et al. (1995).

C/N = (% C * % N-1) (3)

O cálculo do IMV do vermicomposto segue conforme Eq. 4 (DROZD et al., 1997).

IMV = (% CZ / % C) (4)

Os dados referentes às variáveis estudadas foram submetidos à análise de variância pelo procedimento GLM (“General Linear Models”) do programa “Statistical Analysis System” versão 9.1 (SAS Institute Inc. 2002-2003), sendo as médias comparadas pelo teste de Tukey a um nível de significância de 5%. Os resultados obtidos foram comparados com os padrões de qualidade para os fertilizantes orgânicos preconizados pela Instrução Normativa nº25, de 25 de julho de 2009 do MAPA.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1, pode ser observado uma grande variabilidade na composição físico-química das amostras dos vermicompostos comerciais, sendo mais evidente ao consultarmos os rótulos dos vermicompostos analisados. Pode-se verificar que a matéria-prima vermicompostada no V1 foi o lodo da estação de tratamento de efluentes de indústria de celulose do beneficiamento da casca de eucalipto enquanto o V3 apresentou argila e composto orgânico como substrato inicial. Os demais tratamentos V2, V4 e V5 não apresentaram informações sobre os substratos nos seus rótulos. A vermicompostagem é uma tecnologia que pode ser empregada na reciclagem de diversos resíduos orgânicos, como papel (GUPTA; GARG, 2009), lodos de estações de tratamento de efluentes (MALAFAIA et al., 2015) e produção animal (YADAV; GARG, 2011; VALENTE; XAVIER, 2016; VALENTE et al., 2016), o que acaba resultando em vermicompostos com características físico-químicas distintas. Zibetti et al. (2015) também verificaram que a mistura de diferentes proporções de esterco bovino, casca de amendoim e borra de café afetaram de forma distinta as propriedades químicas e biológicas do húmus. Bassaco et al. (2015) verificaram que o vermicomposto produzido a partir de esterco de coelhos apresenta maiores teores de nutrientes químicos e de metais pesados em relação ao de esterco de bovinos, ovinos e conteúdo do rúmen de bovinos.

Tabela 1. Composição química de vermicompostos comerciais.

Composição

Tratamentos

IN-25

 

V1

V2

V3

V4

V5


pH

7,3 ± 0,14 B

6,4 ± 0,02 C

6,4 ± 0,20 C

7,7 ± 0,06 A

6,1 ± 0,22 C

6,0

Umid. (%)

35,4 ± 2,19 B

49,3 ± 1,15 A

40,3 ± 3,50 AB

38,6 ± 0,57 B

37,9 ± 3,81 B

50%

MO (%)

37,2 ± 0,85 A

38,9 ± 0,38 A

18,1 ± 1,69 C

29,7 ± 0,39 B

17,7 ± 3,01 C

40%

CZ (%)

63,4 ± 0,32 C

61,1 ± 0,37 C

81,9 ± 1,69 A

70,3 ± 0,39 B

82,3 ± 3,01 A

-

COT (%)

20,7 ± 0,47 A

21,6 ± 0,21 A

10,0 ± 0,94 C

16,5 ± 0,22 B

9,8 ± 1,68 C

15%

NT (%)

1,0 ± 0,10 AB

1,3 ± 0,19 A

0,6 ± 0,05 B

0,8 ± 0,13 B

0,6 ± 0,06 B

0,5%

C/N

21,7 ± 1,78 A

17,4 ± 2,72 A

16,3 ± 0,41 A

21,5 ± 4,08 A

17,5 ± 1,92 A

20

IMV

3,1 ± 0,07 B

2,8 ± 0,04 B

8,2 ± 0,92 A

4,3 ± 0,08 B

8,7 ± 1,87 A

-

Médias seguidas de letras diferentes na mesma linha diferem entre si pelo teste de Tukey a 5%. V1: vermicomposto comercial S; V2: vermicomposto comercial SS; V3: vermicomposto comercial B; V4: vermicomposto comercial V; V5: vermicomposto comercial A. Umid: umidade; MO: matéria orgânica total; CZ: cinzas; COT: carbono orgânico total; NT: nitrogênio total; C/N: relação carbono/nitrogênio; IMV: índice de mineralização do vermicomposto. *Instrução Normativa Nº25/2009 (Brasil, 2009).

Soobhany et al. (2015) salientam também que o nível de nutrientes do vermicomposto depende do tipo e também da quantidade de resíduo que foi usado como substrato, afetando diretamente a densidade populacional das minhocas, o que reflete na mineralização dos componentes orgânicos dos substratos. Malafaia et al. (2015) estudando a vermicompostagem de lodo de curtume verificaram que a densidade de minhocas sofreu um decréscimo linear com o aumento das doses de lodo enquanto que a biomassa aumentou até a dose de 25%, decrescendo com o aumento das demais proporções 50, 75 e 100.

Outro aspecto a ser considerado quando se avalia a variabilidade da composição físico-química é a qualidade e a forma de armazenamento dos substratos iniciais (VALENTE; XAVIER, 2016). Resíduos orgânicos com teores mais elevados de C e N e, com menores valores das relações C/N, lignina/N e polifenois/N são decompostos mais rapidamente (GANESH et al., 2009). Em se tratando de resíduos pecuários, a qualidade dos estercos varia com o regime alimentar e com o manejo do rebanho, o que dificulta comparações com outros resultados. Entretanto, Rodrigues et al. (2003) verificaram influência da origem do esterco em relação às minhocas da espécie Eisenia fetida, ou seja, o húmus proveniente do esterco bovino apresenta teores mais elevados de nutrientes químicos do que o de búfalos, mesmo os animais recebendo a mesma dieta. Porém, quando foram utilizadas minhocas Africanas, não houve diferença estatística para a origem do esterco.

Além disso, a composição físico-química também pode ser influenciada pelo tempo de duração do processo de vermicompostagem, que está diretamente relacionado á espécie de minhoca utilizada. Pramanik e Chung (2011) verificaram que a Eisenia fetida proporcionou uma maior taxa de mineralização dos resíduos do que a Eudrilus eugeniae por um período de 60 dias.

No que diz respeito ao pH das amostras comerciais, pode-se observar que o V4 (7,7 ± 0,14) foi significativamente superior aos demais vermicompostos V1 (7,3 ± 0,14), V2 (6,4 ± 0,02), V3 (6,4 ± 0,20) e V5 (6,1 ± 0,22), assumindo um caráter alcalino. O substrato inicial determina o tipo de ácido orgânico intermediário que será produzido, porque a decomposição da matéria orgânica origina a formação de NH4+ e ácidos húmicos (GUPTA; GARG, 2009). Yadav e Garg (2011) salientam que o efeito antagônico e combinado desses dois grupos pode regular o pH do vermicomposto conduzindo a mudanças em direção à neutralidade ou a acidez. Da mesma forma, a liberação de CO2, pelo metabolismo microbiano, também pode acarretar a redução do pH do vermicomposto. O mecanismo envolve as glândulas calcíferas, que secretam a enzima anidrase carbônica, responsável pela catalização da fixação do CO2 em CaCO3, prevenindo assim naturalmente a queda do pH (PADMAVATHIAMMA et al., 2008). Valente et al. (2016) em estudo sobre a vermicompostagem da mistura de cama aviária e dejetos líquidos de bovinos leiteiros sugeriram que a manutenção do pH alcalino pode ter sido consequência da atividade das glândulas calcíferas, que absorveram o excesso de cálcio.

Contudo, o pH dos vermicompostos analisados está de acordo com o valor mínimo (pH=6,0) recomendado pela IN Nº25/2009 (BRASIL, 2009). Porém, é importante ressaltar que o V1 e o V4, por serem vermicompostos alcalinos, podem afetar a dinâmica do N, que se transforma rapidamente em N amoniacal (NH3), quando incorporado em ambiente alcalino (KIEHL, 1985). De outra forma, valores de pH próximos à neutralidade sugerem que o vermicomposto, quando adicionado ao solo, pode apresentar ação corretiva de acidez devido a sua propriedade de tamponamento.

Os teores de umidade dos vermicompostos V2 (49,3 ± 1,15%) e V3 (40,3 ± 3,50%) foram significativamente superiores aos dos demais tratamentos V1 (35,4± 2,19%), V4 (38,6 ± 0,57%) e V5 (37,9 ± 3,81%). Todos os valores encontram-se dentro do recomendado pela IN Nº25/2009 (BRASIL, 2009), que é de ≤ 50%. Valente et al. (2013) avaliando a composição físico-química dos vermicompostos comercializados na região do município de Pelotas verificaram uma variação de 5,6 a 10,3% nas amostras analisadas.

Foi também constatado que os teores de MO total dos tratamentos V1 (37,2 ± 0,85%) e V2 (38,9 ± 0,38%) foram significativamente superiores ao dos demais vermicompostos. Contudo, em todos os vermicompostos analisados o conteúdo de MO total está abaixo do recomendado pela IN Nº25/2009 (BRASIL, 2009), que é de ≥ 40%. A diminuição da MO total tem ação direta sobre a redução da capacidade de troca catiônica, sendo essa essencial para reter os cátions básicos e aumentar a fertilidade do solo. Marques et al. (2010) verificaram que para a produção total, comercial e massa média de raízes comercializáveis de beterraba, assim como altura da planta e acidez titulável, os melhores resultados foram obtidos com a dose de 80 t ha-1 de esterco, demonstrando que a aplicação de matéria orgânica é de suma importância para o sucesso da agricultura. Caetano et al. (2013) ressaltam que o uso sustentável do solo depende da manutenção ou até mesmo do aumento gradativo dos teores de MO total.

Conforme esperado, a concentração de C orgânico total no V1 (20,7 ± 0,47%) e V2 (21,6 ± 0,21%) também foi significativamente superior ao do V3 (10,0 ± 0,94%), V4 (16,5 ± 0,22%) e V5 (9,8 ± 1,68%). Por outro lado, pode-se verificar que os teores de cinzas e IMV foram significativamente inferiores, indicando menor mineralização da MO total e, consequentemente, a diminuição da liberação de CO2, que ocorre através da respiração das minhocas e dos micro-organismos. O substrato lodo da estação de tratamento de efluentes da indústria de celulose do beneficiamento da casca de eucalipto parece ter influenciado a velocidade e a intensidade das transformações da MO total no V1, possivelmente devido á presença de um maior teor de celulose, hemicelulose e lignina. Ganesh et al. (2009) salientam que resíduos com alto conteúdo de lignina e polifenois podem ocasionar variações nas taxas de crescimento de muitas espécies de minhocas e também uma inibição da atividade microbiana e consequentemente uma redução da velocidade da decomposição. Além disso, o aumento do teor de C orgânico total pode ocorrer devido á morte das minhocas.

Os maiores teores de cinzas e IMV foram encontrados nos vermicompostos V3 (81,9 ± 1,69% e 8,2 ± 0,92) e V5 (82,3 ± 3,01% e 8,7 ± 1,87), sendo significativamente superiores aos valores encontrados em V1, V2 e V4. Drozd et al. (1997) afirmam que quanto maior o índice (>1,30), maior terá sido a mineralização da MO total. Porém, a mistura do substrato inicial argila e composto no V3 sugere que o IMV de 8,2 possa ter sido influenciado pela presença de minerais. Lima et al. (2009) afirmam que a adição de materiais com elevado teor de cinzas como, a casca de arroz e pó de rochas aumentam o IMV do produto final. Simões et al. (2007) salientam que a adição de argila descaracteriza a ação potencial do adubo orgânico, sendo considerada uma adulteração do produto.

Embora não tenha ocorrido diferença significativa entre a relação C/N dos vermicompostos analisados, vale ressaltar que a variável não está de acordo com o valor máximo de 14/1, recomendado pela IN Nº25/2009 (BRASIL, 2009). Mesmo as amostras terem apresentado teores de N total dentro do mínimo recomendado pela legislação, uma alta relação C/N poderia causar deficiência temporária de N às plantas, devido ao consumo de N do solo pelos micro-organismos. A relação C/N pode não expressar de forma satisfatória o potencial de mineralização do N de compostos e vermicompostos, devido á variabilidade nas formas em que o C se apresenta nos fertilizantes orgânicos, podendo ser em formas mais lábeis ou recalcitrantes. Valente et al. (2013) ressaltam que além da relação C/N, outros parâmetros de avaliação da qualidade do adubo orgânico devem ser levados em consideração pela Instrução Normativa Nº25/2009 (BRASIL, 2009), para que o produto seja considerado humificado e/ou maturado. Diversos estudos abordam outros métodos para avaliar o grau de maturidade do produto final, como o índice de germinação (KOMILIS; TZIOUVARAS, 2009), a respirometria (PONSÁ et al., 2009), o teor de substâncias húmicas (ANTUNES et al., 2015) e a atividade enzimática da desidrogenase (BARRENA et al., 2008) e da lipase (RUGGIERI et al., 2008).

No que diz respeito á embalagem, verificou-se que todos os vermicompostos estavam acondicionados em sacos plásticos. Entretanto, constatou-se que os rótulos desses fertilizantes orgânicos não continham as informações e dados obrigatórios relacionados á identificação do produto, preconizados pela IN Nº25/2009 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Informações como classe das matérias primas utilizadas, indicação “Fertilizante orgânico simples, misto, composto ou organomineral” e composição físico-química não foram mencionadas pelos fabricantes. Em contrapartida, as recomendações de uso do produto estavam presentes em quatro dos vermicompostos, ou seja, apenas no V2 essa informação foi suprimida.

Outro fato importante é que o V1, por ser tratar de vermicomposto oriundo de resíduos da classe B, ou seja, de atividade industrial ou da agroindústria, não poderia conter em seu rótulo a recomendação de uso em canteiros de hortaliças. Mantovani et al. (2003), ao estudarem a adubação com vermicomposto de lixo urbano, contendo 197 mg kg-1 de cobre e 455 mg kg-1 de zinco, verificaram que a aplicação acima de 50 t ha-1 limitou a produção de alface. Por outro lado, Teodoro et al. (2016) constataram que o uso de vermicomposto da mistura de palhadas vegetais e esterco bovino fresco como adubação de plantio pode ser considerado uma prática promissora na produção de alface em sistemas orgânicos.

CONCLUSÕES

Os vermicompostos comerciais apresentam uma grande variabilidade na sua composição química e não atendem a legislação brasileira de fertilizantes orgânicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, quanto ao teor de matéria orgânica total e relação C/N.

O mercado necessita de fertilizantes orgânicos simples que contenham rótulos com informações claras e precisas sobre a sua composição físico-química a fim de que se estabeleça um padrão de qualidade, tendo em vista a preservação ambiental e a sua eficiência agronômica.

A ausência de informações sobre a composição físico-química na embalagem é um fomentador da aplicação empírica de vermicompostos em cultivos e deve ser evitada.

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