ARTIGO DE REVISÃO

Sombreamento de colmeias de abelhas africanizadas no Semiárido Brasileiro

Shading of Africanized honeybees hives in Brazilian Semiarid

Ricardo Gonçalves Santos1*, Hérica Girlane Tertulino Domingos2, Kátia Peres Gramacho3, Lionel Segui Gonçalves4

1Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Animal, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, Rio Grande do Norte; Contatos: (84) 98883-9032, ricardogoncalvessantos12@gmail.com; 2Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Animal da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, herica_tertulino@hotmail.com; 3Profa. Dra. Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, katia.gramacho@ufersa.edu.br; 4Prof. Dr. aposentado pela Universidade de São Paulo e Prof. Visitante Colaborador na Universidade Federal Rural do Semi-Árido, lsgoncal@ffclrp.usp.br

Recebido para publicação em 17/10/2017; aprovado em 20/11/2017

Resumo: No Nordeste do Brasil a apicultura tem um enorme potencial de crescimento, no entanto, na maior parte desta região, o clima é considerado semiárido com altos índices de radiação solar, temperaturas elevadas e pouca intensidade pluviométrica. Este tipo de ambiente tem causado muitas perdas na produção apícola e gerado enormes dificuldades de crescimento no setor. Anualmente os apicultores perdem grande parte de suas colônias de abelhas por causa do abandono das colmeias (enxameação migratória), provocando o desestímulo dos criadores e a desistência da atividade apícola. Este trabalho aborda através de informações da literatura que, apesar da influência negativa das condições ambientais adversas no Semiárido Brasileiro, o sombreamento das colmeias é potencialmente eficiente para amenizar as condições ambientais hostis dessa região. Enxames instalados em colmeias protegidas da radiação direta do sol realizam a termorregulação interna do ninho mais facilmente, o que refletiria num menor gasto energético das abelhas e, portanto, maior rendimento da colônia. Como consequência, torna mais produtivo e rentável o processo de criação racional de abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) em regiões áridas e semiáridas. O sombreamento das colmeias pode ser considerado uma técnica simples, eficiente e de baixo custo para os apicultores, representando assim uma alternativa economicamente viável e com ótima relação custo-benefício.

Palavras-chave: Apis mellifera L.; Termorregulação; Bem estar animal; Produtividade da colônia; Apicultura.

Abstract: In Northeast Brazil, beekeeping has an enormous growth potential, however, in most of this region, the climate is considered semi-arid with high levels of solar radiation, high temperatures and low rainfall intensity. This type of environment has caused many losses in honey production and generated enormous growth difficulties in the sector. Every year beekeepers lose many of their bee colonies because of the abandonment of hives (absconding behaviors), causing discouragement for beekeepers and thus the withdrawal of the practice of beekeeping. This study attempts to show through literature information that despite the negative influence of adverse environmental conditions in the Brazilian semiarid region, the shading of the hives is potentially effective to soften the harsh environmental conditions of the region. Swarms installed in beehives protected from direct sunlight perform the internal thermoregulation of the nest more easily, which would reflect a lower energetic cost of the bees and, therefore, higher yield of the colony. As result, it becomes the more productive and profitable process of rational creation of Africanized honeybees (Apis mellifera L.) in arid and semiarid regions. Shading can be considered a simple, efficient, and low cost technique for beekeepers, representing an economically viable alternative and cost-effective.

Key words: Apis mellifera L.; Thermoregulation; Animal welfare; Colony Productivity; Beekeeping.

INTRODUÇÃO

As abelhas utilizadas na apicultura brasileira são conhecidas como abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) e são caracterizadas pela rusticidade, alta capacidade de produção, rápida adaptação e desenvolvimento, elevada resistência a doenças e prolificidade (WINSTON, 1992; GONÇALVES, 2006; KAPLAN, 2007). Essa abelha é um poli-híbrido formado em decorrência de cruzamentos ocorridos entre a abelha africana (Apis mellifera scutellata), originária de clima tropical e introduzida no Brasil em 1956, com as abelhas europeias (A. m. mellifera, A. m. ligustica, A. m. caucasica e A. m. carnica), originárias de clima temperado e introduzidas antes da abelha africana (PEREIRA; CHAUD-NETTO, 2005; PINTO et al., 2005). A abelha africanizada tem sido considerada um excelente material para ser trabalhado visando à seleção e o melhoramento de características como mel, própolis, pólen, geleia real, entre outras (KERR; VENCOVSKY, 1982; GRAMACHO, 2004; GONÇALVES, 2006).

De acordo com Gonçalves et al. (2010), a apicultura com abelhas africanizadas encontra-se em amplo processo de desenvolvimento no Brasil, principalmente no Nordeste brasileiro, que vem se tornando uma importante região produtora de mel e participando com significância das exportações brasileiras, especialmente quando se refere ao mel orgânico. Ainda segundo os mesmos autores, este crescimento da apicultura brasileira é consequência das boas características das abelhas africanizadas, como também do avanço das pesquisas e de conhecimentos técnicos que colaboraram consideravelmente no domínio do manejo dessas abelhas.

Embora tenha havido avanços e uma crescente difusão das técnicas de manejo apícola no Brasil, muitos apicultores ainda vêm se frustrando com a baixa produtividade de suas colônias, principalmente na região Nordeste do país, onde a maior parte do território é semiárido e a apicultura profissional começou a ser explorada mais recentemente.

O desenvolvimento da colônia, bem como o desempenho de seus indivíduos são diretamente influenciados por fatores ambientais, pois dependendo das condições edafoclimáticas de um determinado local, os organismos podem sofrer alterações fisiológicas ou comportamentais (SAKAGAMI; FUKUDA, 1968; BRANDEBURGO; GONÇALVES, 1989; SEVERSON; ERICKSON-JÚNIOR, 1989; SCHMICKL; CRAILSHEIM, 2002; GARCIA; NOGUEIRA-COUTO, 2005; ALMEIDA, 2008; TOLEDO et al., 2010, 2012; KOVAC et al., 2014). Segundo Gramacho (2004) os fatores externos sempre devem ser considerados, pois, o desempenho da colônia é consideravelmente afetado pelas condições ambientais, inclusive as condições do ambiente no interior da colmeia.

Devido às condições climáticas adversas (períodos longos de seca, altas temperaturas e intensa insolação) da região Nordeste do Brasil, em especial do Semiárido da Caatinga (mata nativa do bioma local), o comportamento e fisiologia das colônias são claramente influenciados, provocando um desvio energético dos organismos e afetando a produção (LOPES et al., 2011; SOMBRA, 2013; SANTOS, 2015). Porém, supõe-se que o uso de métodos adequados de manejo, como o sombreamento, pode interferir positivamente no processo de termorregulação e na manutenção da homeostase térmica das colônias, refletindo num melhor desempenho das abelhas e, consequentemente, proporcionando maior rendimento da apicultura em regiões de clima quente e seco.

Com isso objetivou-se investigar na literatura que, apesar da influência negativa das condições ambientais adversas no Semiárido Brasileiro, o sombreamento das colmeias é potencialmente eficiente para amenizar as condições ambientais hostis dessa região.

REVISÃO DE LITERATURA

Termorregulação em Apis mellifera

As abelhas A. mellifera são animais pecilotérmicos, ou seja, possuem um mecanismo que acomoda sua temperatura corporal de acordo com a temperatura ambiental. Estes insetos exercem termorregulação em função das oscilações de temperatura do meio ambiente, sendo que temperaturas baixas normalmente inibem suas atividades, enquanto as altas geralmente estimulam o animal (KEFUSS; NYE, 1970).

Entre os insetos sociais, A. mellifera é o mais intensamente investigado a respeito da homeostase térmica da colônia. Sua área de cria no ninho tem a temperatura regulada com precisão, dentro de um intervalo de 32-36ºC, com média de 34,5°C (FAHRENHOLZ et al., 1992; BUJOK et al., 2002; KLEINHENZ et al., 2003).

A cria em si tem uma baixa taxa metabólica (KRONENBERG; HELLER, 1982; PETZ et al., 2004; COOK et al., 2016a) e, visto que não possui a capacidade reguladora e não fornece calor suficiente por si só, não seria capaz de alcançar constância térmica em um ambiente variável. O aquecimento da cria tem, portanto, que ser realizado pelas abelhas operárias. Este comportamento de aquecimento é induzido por estímulos químicos e propriedades físicas da cria e, segundo Kronenberg e Heller (1982), as células operculadas são mais atrativas para as operárias do que as células abertas.

Como as crias são extremamente dependentes do controle da temperatura, a regulação exata pelas abelhas, torna-se indispensável para o bom desenvolvimento dos indivíduos (DOMINGOS; GONÇALVES, 2014; WANG et al., 2016). Temperaturas acima de 36°C por muito tempo são prejudiciais à cria, e podem causar anomalias no desenvolvimento e morte (WINSTON, 1987; SEELEY, 2006; COOK et al., 2016b), do mesmo modo, se pupas permanecerem por muito tempo abaixo de 32ºC, podem apresentar mortalidade elevada (WANG et al., 2016), além de alta incidência de asas e pernas encolhidas e malformações do abdômen (STABENTHEINER et al., 2010). Quando adultos, podem sofrer de insuficiência neural e comportamental (TAUTZ et al., 2003; GROH et al., 2004; JONES et al., 2005; BECHER et al., 2009), bem como, apresentarem longevidade reduzida (WANG et al., 2016). Devido a estas consequências, a precisão da termorregulação é elevada na presença de crias (BUJOK et al., 2002; KLEINHENZ et al., 2003), por outro lado, em colônias com menor quantidade de cria, a precisão da termorregulação é mais variável, sendo geralmente mais baixa (STABENTHEINER et al., 2010; COOK et al., 2016a).

As abelhas executam este rigoroso controle termorregulatório com diversas atividades que podem variar dependendo da temperatura ambiental. No frio, as operárias conseguem aquecer o ninho graças a capacidade de produção de calor endotérmico, gerado por meio de micro vibrações musculares e à habilidade do isolamento da área de cria, possibilitando a sobrevivência nos invernos rigorosos das regiões temperadas (SOUTHWICK, 1985; STABENTHEINER et al., 2003a; JONES; OLDROYD, 2006). Já se a colmeia está em perigo de superaquecimento, as abelhas adultas se dispersam no ninho (BONOAN et al., 2014) e, se a temperatura continuar a subir, as abelhas resfriam utilizando um sistema de ventilação, gerando uma corrente de ar com o bater das asas, assim como, coletam água e espalham sobre os quadros, de modo a usar o recurso da evaporação (KRONENBERG; HELLER, 1982; SOUTHWICK; MORITZ, 1987; COOK et al., 2016b; OSTWALD et al., 2016). Quando todos os esforços realizados pelas abelhas, não são suficientes para manter o controle da temperatura interna, o enxame abandona a colmeia (ALMEIDA, 2008).

Muitas pesquisas sobre a termorregulação de abelhas A. mellifera têm sido relatadas, tanto em nível de colônia como um todo (considerada um superorganismo), como a nível individual. A respeito da colônia, estes trabalhos descrevem sobre os aspectos do microclima da mesma, usando medidas como a temperatura da área de cria e dos quadros, a temperatura e a humidade do ar, para entender os ritmos diurnos de temperaturas da colmeia, taxas metabólicas, entre outros (KRONENBERG; HELLER, 1982; FAHRENHOLZ et al., 1992; JONES et al., 2004; BONOAN et al., 2014; COOK et al., 2016b; LI et al., 2016). Levando em consideração um nível individual, vários estudos foram realizados sobre a respiração e produção de calor dos ovos (MACKASMIEL; FELL, 2000), das larvas (PETZ et al., 2004; COOK et al., 2016a), e de abelhas em repouso ou ativas em diferentes idades (SCHMOLZ et al., 2002; STABENTHEINER et al., 2003b; KOVAC et al., 2007).

A homeostase térmica de uma colônia de abelhas é o resultado da cooperação de milhares de indivíduos em um sistema que é regulado por múltiplos fatores (STABENTHEINER et al., 2010; SIMONE-FINSTROM et al., 2014; COOK et al., 2016b). Embora haja um vasto número de trabalhos publicados sobre o comportamento termorregulatório de A. mellifera, mais pesquisas ainda são necessárias para entender o comportamento e fisiologia das abelhas africanizadas sob influência de altas temperaturas em ambiente naturalmente quente e seco, uma vez que a maioria dos estudos sobre termorregulação dessa espécie foram realizados em regiões de clima temperado e, portanto, não condizem com a realidade de clima Semiárido da Caatinga brasileira.

Perdas de enxames no Semiárido

No Nordeste Brasileiro, as altas temperaturas resultantes da forte radiação da região são frequentemente o fator limitante para o equilíbrio térmico das colônias (ALMEIDA, 2008; DOMINGOS; GONÇALVES, 2014), chegando muitas vezes, a causar o aquecimento interno da colmeia a ponto de acarretar o derretimento dos favos de cera, provocando as abelhas a realizarem o abandono da colmeia (ou enxameação migratória), como é frequentemente observado em apiários na Caatinga.

Apesar do potencial apícola que a Região Nordeste do Brasil representa, o clima local tem causado muitas perdas na produção e gerado enormes dificuldades de crescimento no setor. Anualmente os apicultores perdem em média, 50% de suas colônias por causa da enxameação por abandono (GONÇALVES, 2004), chegando a perdas de até 90% quando a estiagem é muito prolongada, como ocorreu no ano de 2012 (GONÇALVES et al., 2013). Devido aos prejuízos causados pelas secas recorrentes nos últimos anos, muitos produtores nordestinos se desestimularam e até desistiram da atividade (CASTILHOS et al., 2016).

A enxameação por abandono ou migratória, é a saída em massa de todos os indivíduos da colônia, demonstrando algum nível de estresse generalizado, podendo ser causado por diversos fatores como altas temperaturas, falta de alimento e predação. Esse comportamento foi fundamental para o sucesso propagativo e a sobrevivência das abelhas africanizadas no Semiárido nordestino, em contraste com as raças europeias, que devido à baixa tendência enxameatória, nunca conseguiram estabelecer populações silvestres na região (FREITAS et al., 2007). Por outro lado, a enxameação representa grandes perdas para o apicultor, e, por este motivo, ela deve ser controlada em apiários comerciais, uma vez que este comportamento das colônias reduz a população de abelhas dos apiários, gerando como consequência, diminuição da produção.

Alternativa para diminuir perdas e incrementar a produtividade

Tendo em vista a forte influência que as condições ambientais exercem sobre o desempenho do enxame e alterações fisiológicas e comportamentais dos indivíduos, o manejo de sombreamento das colmeias no Semiárido deve ser adotado para obtenção de maior sucesso produtivo na apicultura. Vários trabalhos têm apontado o uso do sombreamento como sendo um método de manejo eficiente para melhorar a produtividade das colônias no Semiárido da Caatinga (BRANDEBURGO; GONÇALVES, 1989; ALENCAR, 2005; SOUZA et al., 2006; LOPES et al., 2011; PAIVA, 2011; TAVARES et al., 2012; SOMBRA, 2013, BRITO et al., 2014; PEREIRA et al., 2014; SANTOS, 2015, SANTOS et al., 2016), entretanto, embora essa técnica seja básica, simples e de baixo custo, ainda não é praticada pela maioria dos apicultores nordestinos, talvez pela falta de conhecimento ou de assistencialismo técnico, uma realidade que dificulta um maior crescimento da produção apícola no Nordeste Brasileiro.

As coberturas sobre as colônias podem ser naturais ou artificiais, de modo que impeçam a passagem da maior parte da intensa radiação da região, considerada como o principal fator responsável pela elevação da temperatura das colônias e um dos aspectos limitantes para a permanência dos enxames nas colmeias (ALMEIDA, 2008; DOMINGOS; GONÇALVES, 2014).

Como forma de minimizar os custos ao providenciar condições de sombreamento, recomenda-se que os apicultores instalem suas colmeias em áreas de sombra natural, como a copa de árvores nativas, tendo cuidado para a escolha da espécie arbórea, pois devido ao processo natural de perda das folhas no período seco (vegetação caducifólia ou decídua), a copa da maioria das espécies da Caatinga só estará disponível em curto período do ano. Porém, algumas árvores possuem copa verde perene o ano todo, como a oiticica e o juazeiro, o que possibilita o uso da sua sombra em toda a estação de estiagem. Isso não sendo possível, o apicultor deve buscar outras alternativas, construindo sobre as colmeias uma estrutura de proteção física contra a radiação direta, que pode ser feita a partir de troncos de árvores ou outros materiais, coberta com folhas vegetais (exemplos: folhas de coqueiro e de carnaubeira), formando uma área sombreada. No Nordeste Brasileiro, estruturas desta forma são comumente conhecidas como latada (Figura 1).

O modelo construído com troncos de árvores e folhas de carnaúba é eficiente e de baixo custo, porém, só pode ser usado em apicultura fixa. Caso o produtor trabalhe com apicultura migratória, é recomendado que pelo menos coloque uma proteção física sobre a colmeia, como uma telha de fibrocimento, pedaço de plástico ou madeira que cubra sua superfície e parte das laterais. Entretanto, esta barreira física torna-se menos eficiente se ficar encostada diretamente sobre a colmeia, pois os raios solares incidentes a aquece e parte do calor gerado passa para a colmeia por condução. Não é recomendado colocar a cobertura das latadas ou colmeias com telhas de amianto, uma vez que esse material é cancerígeno.

Figura 1. Colmeias de abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) instaladas em área sombreada (cobertura feita a partir de troncos e folhas de arvores secas, conhecida popularmente como “latada”) na Caatinga (mata nativa do bioma local) da região semiárida do Nordeste Brasileiro.

Fonte: Autores (2017)


As vantagens do manejo de sombreamento podem ser refletidas através de um melhor aproveitamento das abelhas para tarefas essenciais como forrageamento, ao invés de investirem na busca constante por água e ventilação para manter a homeostase térmica da colônia. Tal fato pode gerar uma economia energética favorável à obtenção de uma maior população do enxame, além de melhorar o comportamento e fisiologia das colônias, que, por conseguinte, repercutiria no aumento do desempenho de produção (LOPES et al., 2011; SOMBRA, 2013; SANTOS, 2015).

O simples manejo de manter as colmeias em condições de sombreamento pode diminuir expressivamente o estresse causado por altas temperaturas no ambiente, o que possivelmente proporcionaria às abelhas, menos trabalho na termorregulação das colônias e mais tempo para forragear. Em outras palavras, o uso de área sombreada sobre as colmeias representa economia de energia e tempo das abelhas no processo de resfriamento do ninho, disponibilizando mais “mão de obra” para outras tarefas, aumentando assim a sua capacidade produtiva da colônia.

Santos (2015) avaliou o desenvolvimento de colônias expostas ao sol e sob latada (sombreamento de cobertura vegetal) e encontrou maior área cria em colônias sob área sombreada. Esse autor concluiu que possivelmente o microclima das colmeias em sombreamento tenha sido favorecido com maior conforto térmico, em relação ao microclima das colmeias sob exposição ao sol.

A maior área de cria de colônias em área sombreada é um resultado que pode refletir diretamente na expansão do enxame, proporcionando uma população com mais força de trabalho. Dependendo da quantidade de indivíduos e da demanda de atividades na colônia, as operárias podem ser induzidas a exercer outras funções ou prolongar uma fase temporal para determinada tarefa, em um mecanismo de feedback que depende de uma complexa rede de estímulos (JOHNSON, 2010). Assim, é possível sugerir que a maior viabilidade da cria observada por Santos (2015) foi uma consequência da homeostase social de colônias em sombreamento, que possivelmente apresentaram melhor direcionamento das abelhas para tarefas de alimentação das crias e da rainha. Por sua vez, a rainha bem cuidada e alimentada pelas nutrizes, coloca mais ovos e, consequentemente, suas colônias terão maior área de cria, população forte e, portanto, maior produtividade.

Sombra (2013) também avaliou o desenvolvimento de colônias em condições de sol e sombra no Semiárido nordestino e mostrou que em colmeias submetidas às condições de sombra, os parâmetros de desenvolvimento e produção avaliados nas colônias foram significativamente melhores, quando comparados com colmeias expostas diretamente ao sol. Além disso, esse autor relatou que durante a estiagem, os enxames permaneceram mais tempo em colmeias instaladas na sombra do que quando submetidas à exposição direta do sol. Resultados de melhor desempenho produtivo das colônias sob área sombreada já haviam sido encontrados por Alencar (2005) e posteriormente por Lopes et al. (2011).

O sombreamento também influencia positivamente no sucesso do método Doolittle (1989) de produção artificial de rainhas, melhorando a taxa de aceitação de larvas pelas colônias. Paiva (2011) e Santos et al. (2016) encontraram uma taxa de aceitação de larvas em colmeias mantidas sob condições de sombreamento, superior à taxa de aceitação de larvas em colmeias sob ação direta do sol. Isso ocorre porque o sombreamento proporciona uma condição ambiental interna mais amena, permitindo que as abelhas consigam manter a homeostase da colônia com mais facilidade e precisão (ALMEIDA, 2008; LOPES et al., 2011), proporcionando uma regulação adequada para o desenvolvimento das rainhas. O fato da população manter o conforto térmico mais facilmente, significa que uma menor quantidade de abelhas estará empenhada na função termorregulatória, permitindo assim que a colônia tenha maior disponibilidade de operárias para desempenhar outras tarefas, como o cuidado com as crias.

Rainhas que se desenvolvem em colônias sob condições de sombreamento ganham mais peso do que rainhas em colônias expostas diretamente ao sol, acarretando em rainhas maiores e mais pesadas na emergência (SANTOS, 2015). Para a apicultura, esta diferença pode ter implicações econômicas de bastante interesse para os produtores, uma vez que rainhas de maior peso corporal ao emergir, apresentam características fenotípicas de qualidade que melhoram o potencial de desenvolvimento das colônias de A. mellifera (BOCH; JAMIELSON, 1960; WOYKE, 1971).

O apicultor deve estar atento ao peso das rainhas produzidas, o qual poderá determinar o desempenho durante a vida útil destes insetos, uma vez que vários outros autores encontraram uma correlação significativa entre o peso após a emergência e o potencial reprodutivo da rainha, e afirmaram que o maior peso da rainha na emergência está correlacionado com maior frequência de acasalamento (DELANEY et al., 2011; TARPY et al., 2011), maior peso dos ovários (DEDEJ et al., 1998; HATCH et al., 1999; GILLEY et al., 2003), maior número de ovaríolos (HOOPINGARNER; FARRAR, 1959; JACKSON et al., 2011), maior volume da espermateca e, portanto, maior capacidade de armazenamento de esperma (BOCH; JAMIELSON, 1960; WOYKE, 1971; KAHYA et al., 2008; TARPY et al., 2011) e longevidade superior (DE SOUZA et al., 2013). Assim, tendo em vista a enorme interferência que o clima pode causar no desenvolvimento fisiológico das rainhas, as condições ambientais devem ser consideradas tanto em estudos do comportamento das abelhas como em trabalhos de seleção para o aumento da produtividade (BRANDEBURGO; GONÇALVES, 1989).

Baseado nas informações da literatura sobre a distribuição das tarefas realizadas pelas abelhas na colônia (WINSTON, 1987; SEELEY; KOLMES, 1991; PAGE; ROBINSON, 1991; ROBINSON, 1992; JOHNSON, 2002, 2010; SMITH et al., 2008) e os relatos sobre os efeitos do aumento da temperatura nas colmeias em região semiárida (ALENCAR, 2005; ALMEIDA, 2008; CARVALHO, 2009; PAIVA, 2011; LOPES et al., 2011; TAVARES et al., 2012; SOMBRA, 2013; SANTOS, 2015), criou-se um esquema ilustrativo a fim de mostrar de forma resumida, as implicações gerais, positivas e negativas em colônias expostas sob condições de sol e sombreamento (Figura 2).

Figura 2. Esquema ilustrativo que simplifica as consequências da exposição de colmeias de abelhas Apis mellifera L. à radiação direta do sol e sob área sombreada em região de clima árido e semiárido.

Fonte: Autores (2017)


Além de reduzir nas colônias, o estresse induzido por altas temperaturas, o uso de coberturas também pode melhorar a quantidade e qualidade dos produtos apícolas. Manrique e Soares (2002), Santana (2003), Lima (2006) e Souza et al. (2006) relataram que colmeias mantidas à sombra produzem maior quantidade de própolis. Alencar (2005) observou que o sombreamento no Semiárido proporcionou incremento na área de cria e melhor índice de produtividade das colmeias sob este tratamento. Do mesmo modo, Sombra (2013) encontrou 45% de rendimento superior na produção de mel em colônias instaladas em área sombreada, comparado com as colônias instaladas sob o sol. As características físico-químicas do mel, como o teor de umidade, índice de hidroximetilfurfural (HMF) e reações da invertase e diastase também podem ser afetadas quando produzidos em colmeias expostas às variáveis ambientais (RODRIGUES et al., 1996; ALENCAR, 2005; LOPES et al., 2011).

De acordo com Almeida (2008), quando ocorre a diminuição de fatores externos estressantes, as colônias alcançam o estado de homeostase com maior aptidão. Isso justifica a melhor performance de colônias submetidas à condição de sombreamento, visto que o uso de coberturas sobre as colmeias ameniza as condições desfavoráveis do ambiente, uma vez que reduz a carga térmica radiante que incide sobre as colmeias, evitando assim uma maior elevação da temperatura interna das colônias.

Diante do exposto, formas de amenizar estes efeitos negativos devem ser cada vez mais investigadas, principalmente em regiões onde as temperaturas são muito elevadas, como no Semiárido Brasileiro, em que a temperatura interna da colônia torna-se incontrolável pelas abelhas, a ponto de causar sérios prejuízos fisiológicos e comportamentais nos indivíduos e ainda de causar às abelhas, o abandono frequente das colmeias, comportamento das abelhas africanizadas que ocorre anualmente nos apiários da região semiárida do Nordeste Brasileiro (ALMEIDA, 2008; DOMINGOS; GONÇALVES, 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As colônias de abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) são sensíveis aos fatores climáticos da Caatinga, mas ao adotar práticas de manejo mais adequadas para a realidade regional, proporcionando condições mais favoráveis ao desenvolvimento das colônias, é possível conter ou amenizar os danos causados a apicultura pelas condições ambientais adversas do Semiárido Brasileiro. O sombreamento de colmeias é um método de manejo que proporciona melhores condições para as abelhas realizarem a termorregulação da colônia em regiões onde a radiação muito elevada e a temperatura ambiental são fatores limitantes para a homeostase térmica das colônias, o que refletiria em maior potencial produtivo pelas abelhas e consequentemente tornaria mais rentável a apicultura em regiões áridas e semiáridas.

Mais estudos comparativos em colônias sob condições de sombra e exposição ao sol se fazem necessários para reforçar os efeitos positivos do sombreamento das colmeias no Semiárido Brasileiro sobre a homeostase das colônias e sobre seu desempenho fisiológico e comportamental. No entanto, com base na literatura aqui apresentada, pode-se concluir que a técnica de sombreamento de colônias de abelhas africanizadas na região Semiárida Brasileira apresenta-se como sendo uma excelente ferramenta e de fácil aplicação a ser adotada pelos apicultores a fim de incrementar a produtividade apícola.


AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a FAPERN (Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte) pela concessão de bolsas de pós-graduação e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) pelo suporte estrutural concedido.

REFERÊNCIAS

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