Resíduos da mandioca em agroindústrias familiares no nordeste do Pará
Waste of the cassava in family agroindustries in the northeast Pará, Brazil
Fernanda Vanessa de Aragão Souza1, Suezilde da Conceição do Amaral Ribeiro2, Felix Lelis da Silva3, Albert Einstein Mathias de Medeiros Teodósio4
1Mestranda em Desenvolvimento em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Castanhal; Fone: (91)98098-8284, E-mail: fernandav.aragao@gmail.com; 2Doutora em Engenharia de Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, E-mail: suziar@yahoo.com.br; 3Doutor em Ciências Agrarias, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, E-mail: lixlellis@yahoo.com.br; 4Doutorando em Agronomia, Universidade Federal da Paraíba, E-mail: albertemmt@gmail.com.
Recebido: 01/10/2018 ; Aprovado: 12/12/2018
Resumo: O cultivo da mandioca (Manihot esculenta Crantz) representa uma das culturas de maior importância socioeconômica no Brasil, pois desempenha um papel social na geração de emprego e renda de agricultores familiares e comunidades, que tem nessa atividade sua principal fonte de renda. Esse beneficiamento gera resíduos que, se não coletados e tratados adequadamente, podem causar danos ao meio ambiente. Na região do nordeste do Pará há vários empreendimentos agroalimentares, que beneficiam a mandioca. Assim, objetivou-se realizar um estudo sobre o processamento da mandioca nos empreendimentos agroalimentares do nordeste do Pará e de percepção em torno das iniciativas do processo de aproveitamento de seus resíduos. A pesquisa foi realizada por meio de visitas de campo, entrevistas com os agricultores, e alguns registros fotográficos. Foi aplicado um questionário constituído de perguntas abertas e fechadas, e a escolha dos entrevistados aconteceu por meio da técnica denominada snowball sampling (bola de neve). Após a coleta de dados, foi realizada uma avaliação quantitativa, possibilitando detectar que os empreendimentos beneficiadores de mandioca estudados da região nordeste do Pará não tratam adequadamente seus resíduos e o mais preocupante é o descarte da manipueira (efluente), por ser considerada uma solução tóxica, pela presença da linamarina, glicosídeo, característicos da planta da mandioca, potencialmente hidrolisável a ácido cianídrico. Mesmo sendo um material orgânico, devido ao acondicionamento inadequado, podem causar danos ao meio ambiente e a saúde pública.
Palavras-chave: Manihot esculenta Crantz ; Agricultura familiar; Meio ambiente
Abstract: Manihot esculenta Crantz represents one of the most important socioeconomic cultures in Brazil, since it plays a social role in the generation of employment and income of family farmers and communities, whose main source of income is in this activity. This process generates waste which, if not collected and treated properly, can cause damage to the environment. In the northeastern region of Pará there are several agri-food enterprises that benefit cassava. Thus, a study was carried out on the processing of cassava in agri-food enterprises in the northeast of Pará and the perception about the initiatives of the process of utilization of its residues. The research was conducted through field visits, interviews with farmers, and some photographic records. A questionnaire consisting of open and closed questions was applied, and the interviewees were chosen by means of the technique called snowball sampling. After the data collection, a quantitative evaluation was carried out, making it possible to detect that cassava beneficiation enterprises studied in the northeastern region of Pará do not adequately treat their residues and the most worrisome is the disposal of the manipueira (effluent), since it is considered a toxic solution, due to the presence of linamarin, glycoside, characteristic of the cassava plant, potentially hydrolyzed to hydrocyanic acid. Even being an organic material, due to improper packaging, can cause damage to the environment and public health.
Key words: Manihot esculenta Crantz; Family agriculture; Environment
INTRODUÇÃO
No Brasil, o cultivo da mandioca (Manihot esculenta Crantz) representa uma das culturas de maior importância socioeconômica, explorada principalmente por agricultores familiares, que geralmente possuem através dessa atividade sua principal fonte de renda (FERREIRA FILHO, et al., 2013; PIGATTO; QUEIROZ; LOURENZANI, 2015; SILVA et al., 2017).
Nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil, a mandioca e seus derivados são muito apreciados (SÁNCHEZ et al., 2017). Além disso, se concentra grande parte da produção nacional.
De acordo com o IBGE (2018), os principais estados produtores de mandioca no ano de 2018 foram: o Pará com 3.760.148 toneladas, seguindo do Paraná com 3.480.812 toneladas, da Bahia com 1.527.575 toneladas, Maranhão com 1.254.916 toneladas e São Paulo com 1.075.953 toneladas. A região Norte no ano de 2017 contribuiu com 7.434.781 toneladas para o total da produção brasileira. No ano de 2018 houve uma redução de 13,99% na produção de mandioca na região, porém, mesmo com essa redução a região Norte continuo sendo uma das maiores produtoras de mandioca com 6.394.239 de toneladas.
A cultura da mandioca não apresenta restrições, quanto às condições de solo e clima, podendo ser cultivada em todas as regiões do País (VEIGA et al., 2016). Além disso, essa cultura promove benefício econômico para os municípios produtores e para o Estado onde está inserida, por meio da comercialização da farinha, goma, tucupi e outros (CHISTÉ, et al., 2010).
Segundo Santos (2017) e Lima Júnior et al. (2017), o processamento da raiz acontece nas chamadas casas de farinha, estabelecimentos artesanais, com pouca tecnologia e de estrutura rudimentar que, na maioria dos casos, não apresentam os requisitos higiênico-sanitários necessários para a produção de alimentos conforme é recomendado pela legislação vigente.
O beneficiamento da mandioca gera, além de produtos para a alimentação humana e para os animais, resíduos que acabam causando problemas ambientais, dentre eles, podemos citar os sólidos, como as cascas e a massa fibrosa ou bagaço e o efluente, a manipueira. Esses resíduos são descartados no ambiente ou destinados a complementação animal, entretanto são escassos dados referentes aos níveis de contaminantes, nutrientes e outras informações essenciais para a inserção desses resíduos no ambiente, evitando assim a contaminação ambiental (SOUZA et al., 2015).
Embora o processamento de farinha de mandioca use tecnologia simples e gere resíduos que podem ser aproveitados, são necessárias precauções quanto ao descarte e utilização dos mesmos, uma vez que podem ser prejudiciais ao meio ambiente (KUCZMAN et al., 2017).
Os resíduos da mandioca são ricos em açúcares, amidos, proteínas, linamarina, sais, cianeto e outras substâncias (DUARTE et al., 2012).
Segundo Camacho e Cabello (2012), existem alternativas para a transformação dos resíduos da mandioca em fonte de energia, e podem ajudar no enfrentamento do problema da crise energética mundial.
De acordo com Madeira et al., (2017) a produção de bioenergia utilizando bioidrógeno da planta de tratamento de água de mandioca pode ser justificada pela determinação de parâmetros ambientais, permitindo a inovação na produção de energia a partir de uma estação de tratamento de águas residuais de mandioca e adicionando achados importantes para a indústria de energia. Dessa forma os mesmos resíduos que causariam danos ao meio ambiente, gerenciados adequadamente se tornariam uma fonte energética.
Pela falta de investimento no campo, os agricultores familiares muitas vezes desconhecem alternativas de gerenciamento desses resíduos depositando em local inapropriado. Diante do exposto, percebe-se que a destinação adequada dos resíduos, se torna um desafio para essas famílias, já que a geração excessiva de resíduos sólidos e líquidos com uma disposição final inadequada e insegura podem causar problemas à saúde, além da degradação ambiental.
O presente trabalho teve como objetivo realizar um estudo sobre a geração e destinação dos resíduos provenientes das atividades de processamento da mandioca dos agricultores das comunidades de Santa Terezinha e Ramal do Pacuquara, localizados na região nordeste do Pará.
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa classifica-se como exploratória, cujo objetivo é proporcionar maior familiaridade com o problema. Podendo envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas experientes com o problema pesquisado e visa oferecer informações sobre o objeto desta e orientar a formulação de hipóteses (GIL, 2009).
A pesquisa foi realizada no município de Castanhal, localizado no estado do Pará, região norte do Brasil, esse município é composto por aproximadamente 198.294 pessoas, das quais 11,4% são de áreas rurais (IBGE, 2010). A pesquisa foi conduzida nas agrovilas de Santa Terezinha e Pacuquara, localizada no distrito do Apeú, zona rural de Castanhal, região nordeste paraense sob as coordenadas geográficas (1°13’30’’S e 48°0’30’’W) (Figura 1).
A coleta de dados foi realizada in loco, através de visitas de campo em 18 empreendimentos processadores de mandioca. Realizou-se entrevistas com um total de 35 produtores que foram convidados a participar da pesquisa no período de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018. A todos os entrevistados ficou ressalvado o direito de desistir da pesquisa a qualquer momento.
O processo de escolha das agroindústrias aconteceu através da técnica denominada snowball sampling (bola de neve), através dessa metodologia os primeiros participantes da pesquisa indicam novos participantes que possuem o mesmo perfil pesquisado. Logo, à medida que os participantes vão indicando outros, a amostra vai tomando forma até ser suficiente para concluir a pesquisa (VINUTO, 2014). Pode-se observar a sequência das indicações conforme a Figura 1.
As entrevistas com cada agricultor ocorreram nas residências ou nos empreendimentos dos mesmos, através de um questionário constituído de perguntas abertas e fechadas, relacionadas ao beneficiamento da mandioca, reaproveitamento e geração de resíduos, além de fatores ambientais, somadas a alguns registros fotográficos.
Após a coleta de dados foi realizado uma avaliação quantitativa por meio de planilha eletrônica simples, disponível software Microsoft Office Excel, versão 2013. De forma complementar, buscou-se experiências e informações secundárias para subsidiar a construção de uma análise crítica sobre a gestão de resíduos realizada pelos agricultores familiares e a gestão de resíduos nos empreendimentos visitados.
Figura 1. Localização geográfica das comunidades no município de Castanhal no Estado do Pará de acordo com o roteiro de indicações
Fonte: Autoria própria (2018).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal são de predominância do sexo masculino (86%) (Figura 2).
Figura 2. Sexo dos agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
Na agricultura familiar, as atividades do campo vêm sendo prioritariamente desenvolvida por homens, e as mulheres geralmente desenvolvem as atividades domésticas (SPANEVELLO et al., 2016).
No entanto, nos últimos anos a realidade das mulheres tem se diferenciado, visto que as mesmas vêm ocupando diferentes profissões, o que tem possibilitado aumento na renda familiar (LOBO et al., 2018).
A faixa etária dos agricultores variou entre 15 a 68 anos, sendo que 31% dos agricultores apresentavam idade entre 31 a 40 anos, conforme Figura 3. Essa realidade é muito comum no meio rural e pode refletir diretamente no desinteresse dos jovens em atividades relacionadas ao campo, o que preocupa em função da sucessão familiar no prosseguimento dos negócios.
Figura 3. Faixa etária dos agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
Modesto Júnior et al. (2010) realizando um diagnóstico socioeconômico de agricultores familiares no baixo Tocantins, observaram que mais de 50% dos produtores possuíam uma média de mais de 30 anos.
Ayache (2015) enquanto realizava um diagnóstico das condições socioeconômicas dos produtores de farinha de mandioca da colônia pulador, Anastácio- MS, os produtores apresentaram idade entre 38 anos a 79 anos. Essa realidade pode impactar diretamente na cadeia produtiva da mandioca.
Segundo o relato de uma jovem da comunidade de Santa Terezinha, o motivo pelo qual não se tem o interesse nas atividades exercidas pela família está relacionado pela vontade de buscar uma fonte de renda que seja mais valorizada. De acordo com Macedo (2015) existe uma ansiedade pela independência financeira através do trabalho remunerado, o que na maioria dos casos, não acontece com o jovem agricultor quando se trabalha na propriedade da família.
O processamento da mandioca é uma atividade que promove uma grande geração de resíduos. Segundo Vilhalva et al., (2011) os resíduos agroindustriais gerados através do processamento da mandioca precisam ser tratados para que não se tornem contaminantes ambientais.
No entanto, a falta de investimento (educação, assistência técnica, e outros) no campo, contribui para que os agricultores familiares desconheçam alternativas de gerenciamento desses resíduos depositando-os em locais inapropriados. Conforme observa-se na Figura 4 e 5 respectivamente, 74% dos agricultores não concluíram o ensino fundamental e 94% dos agricultores nunca participou de palestra sobre questões ambientais.
Os agricultores relataram sobre a falta de oportunidade e dificuldade de acesso à escola, falta de transporte para locomoção e a necessidade de ajudar a família nas casas de farinha. Para ter acesso à escola e aos postos de saúde eles necessitam ir até as agrovilas ou até a cidade mais próxima, que é a cidade de Castanhal, dificultando assim, o avanço da educação dos agricultores.
Modesto Júnior et al. (2010) verificaram em todas as comunidades estudadas em sua pesquisa a presença do ensino fundamental, no entanto, a ausência do ensino médio obriga o deslocamento de estudantes para a cidade. Em sua pesquisa em média 66,45% dos agricultores possuem o ensino fundamental incompleto. O segundo grau foi concluído por 5,16%, sendo que 14,84% possuem o 2° grau incompleto e nenhum agricultor possui nível superior.
Figura 4. Grau de escolaridade dos agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
Figura 5. Participação dos agricultores em palestras sobre questões ambientais relacionadas ao processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
Segundo Rodrigues et al. (2016) as escolas das comunidades geralmente são multisseriadas, com reduzido número de professores, enfrentam a crescente evasão escolar devido à distância das escolas e necessidade de os adolescentes auxiliarem no trabalho rural.
Além disso, os agricultores mencionaram a falta de auxilio técnico e relataram que a comunidade é esquecida, que não possuem nenhum tipo de incentivo do governo para o processo de beneficiamento da mandioca em seus empreendimentos.
Na maior parte da produção de mandioca, os pequenos produtores são os principais cultivadores. Existe uma produção considerável nas propriedades familiares, no entanto, os produtores apostam na diversificação de culturas em suas terras, devido ao fator de o agricultor possuir flexibilidade, assim como, capacidade gerencial de suas terras, diminuindo o processo de êxodo rural (SILVA et al., 2016).
Mesmo havendo o cultivo de várias culturas nas propriedades dos agricultores, a mandioca predomina, 87% possuíam mandiocultura como principal fonte de renda, 7% possuíam a horticultura e 6% possuía a fruticultura (Figura 6).
Figura 6. Principal fonte de renda dos agricultores do município de Castanhal, Pará
Os principais produtos gerados a partir da mandioca são o tucupi, a farinha de mandioca, a farinha de tapioca e a goma de tapioca. Durante muito tempo o consumo desses produtos se restringiu aos estados das regiões Norte e Nordeste do Brasil, como alimento popular e de baixo custo e hoje é comercializado em todas as regiões brasileiras (MARTINS et al., 2017).
O beneficiamento da mandioca é uma alternativa para os produtores rurais, que agrega valor à matéria prima e possibilita o alcance de novos mercados (FRANCK et al., 2011). Porém, a maioria dos agricultores rurais vendem seus produtos para atravessadores e acabam perdendo uma margem de lucro.
Observa-se que 84% dos agricultores comercializam suas produções para atravessadores, e 16% dos produtores comercializam suas produções nas feiras livres de Castanhal e de Belém, conforme Figura 7.
Figura 7. Meio de comercialização dos agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
Segundo os agricultores a falta de transporte é um dos entraves para a comercialização de seus produtos e acabam se tornando reféns dos atravessadores, vendendo seus produtos por valores inferiores.
Nas comunidades de Santa Terezinha e Pacuquara nenhum dos empreendimentos possuíam licenciamento ambiental, este também pode ser um fator limitante para a comercialização, pois os produtores só podem ter acesso às políticas públicas de fomento, tais como o crédito agrícola, incentivos, isenções, programas de aquisição de alimentos do governo etc. Se estiverem devidamente licenciados pelos órgãos de gestão ambiental.
A inscrição no CAR (Cadastro Ambiental Rural) é obrigatória desde 2009 pelo Ministério do meio ambiente. Além disso, existe o decreto n. 7.830, de 17 de outubro de 2012 dispõe sobre a necessidade do SICAR (Sistema de Cadastro Ambiental Rural) e o CAR (Cadastro Ambiental Rural), esse decreto estabelece as normas aos programas de regularização ambiental exigida aos produtores rurais (BRASIL, 2012).
A principal dificuldade que os produtores encontram para a regularização das áreas de produção, e para o recebimento de crédito agrícola está no desconhecimento por parte dos agricultores desses cadastros e a falta de orientação técnica dos órgãos competentes.
Os empreendimentos geram uma grande quantidade de resíduos sólidos e fluidos e os agricultores desconhecem a quantidade que geram, se tornando mais crítica essa situação, segundo relatos dos agricultores não há quantificação dos resíduos sólidos e nem dos fluidos. Além disso, nota-se na Figura 8, os resíduos que são gerados através do beneficiamento da mandioca e as formas de acondicionamento a qual os resíduos são submetidos pelos agricultores.
Figura 8. Resíduos gerados pelos empreendimentos de mandioca no nordeste do Pará. A e B: Manipueira; C: Cascas e entrecascas; D: Bagaço
Fonte: Autoria própria, 2018.
A partir da entrevista, 86% dos agricultores relataram que destinam seus resíduos em buracos e sem nenhum tipo de trata mento, conforme Figura 9.
A mandioca pode ajudar no enfrentamento do problema da crise energética mundial. Segundo Camacho e Cabello (2012), o bioetanol pode ser produzido a partir dos resíduos gerados no processamento da mandioca. Kuczman (2011) relata que o biogás também pode ser produzido a partir da manipueira em reator de fase única para o tratamento em laboratório da fecularia.
Figura 9. Destinação dada aos resíduos provenientes do beneficiamento da mandioca no município de Castanhal, Pará
No entanto, pela ausência de suporte técnico o pequeno agricultor não consegue usufruir dos benefícios que esses resíduos podem trazer para os próprios empreendimentos. Nenhum dos agricultores entrevistados reaproveitava o resíduo efluente (manipueira), principalmente os produtores de goma, que alegaram que a manipueira proveniente da produção da goma de tapioca é muito diluída e esbranquiçada, tornando inviável a comercialização como subproduto tucupi.
Alguns pesquisadores consideram que a manipueira pode ser reaproveitada de diversas formas: como pesticida (MAGALHÃES et al., 2000), nematicida (NASU et al. 2010), adsorção de metais pesados (HORSFALL JÚNIOR; ABIA, 2003) e como fertilizante (FIORETTO, 1997).
Pela falta de destinação adequada, os produtores descartam essa manipueira , a céu aberto, diretamente no solo das próprias propriedades que por sua vez inibe o crescimento de vegetação por onde escoa, e os resíduos de goma presente na manipueira se acumulam na superfície do solo, essa prática pode causar danos ambientais, como por exemplo a contaminação do solo, lençóis hídricos e degradação vegetal, conforme a Figura 10.
Figura 10. Degradação das áreas dos produtores pela falta de gestão de resíduos (manipueira) no nordeste do Pará
Fonte: Autoria própria, 2018
Para os resíduos sólidos, como cascas e bagaços, 29% dos agricultores utilizavam esses resíduos como adubo para frutas e hortaliças, 57% usavam como fonte de renda comercializando para alimentação animal, principalmente para suínos, 6% não reaproveitavam de forma alguma descartando esses resíduos no meio ambiente, e 8% para alimentação de suas próprias criações (suínos e aves) conforme Figuras 11 e 12.
Figura 11. Criações de suíno de alguns produtores no nordeste do Pará
Fonte: Autoria própria, 2018
Figura 12. Forma de aproveitamento dos resíduos sólidos pelos agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
Além da dificuldade de gerenciamento dos resíduos provenientes do processamento da mandioca, os agricultores possuem dificuldades com a gestão do lixo doméstico. De acordo com os agricultores a coleta de lixo é deficiente, gerando assim mais um tipo de resíduo para a comunidade. 86% dos agricultores relataram que não há coleta de lixo na comunidade. Essa condição conduz o agricultor a destinar seu lixo de forma incorreta, conforme verifica-se na Figura 13 e 14.
Os produtores rurais necessitam da ajuda dos órgãos competentes para solucionar as dificuldades que enfrentam e que dificulta o processo de desenvolvimento das comunidades principalmente daquelas que tem bom potencial produtivo como as agrovilas de Santa Terezinha e Pacuquara, que apesar dessas barreiras, obtêm sua renda através da cultura da mandioca.
Figura 13. Coleta do lixo na comunidade pelos agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
Figura 14. Destinação dada ao lixo doméstico pelos agricultores que trabalham com o processamento de mandioca no município de Castanhal, Pará
O aproveitamento dos resíduos do processamento de mandioca é uma solução viável para às agroindústrias familiares, sendo utilizados para a nutrição animal, aplicação agrícola e produção de energia, reduzindo os impactos ambientais e assim, melhorando a limpeza ambiental nestes municípios, porém, necessitam de forte apoio das instituições públicas para o desenvolvimento de tecnologia e transferência para o setor produtivo.
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