Percepção ambiental do uso de sistemas agroflorestais na recuperação de reservas legais em Cametá, Pará

Environmental perception of the use of agroforestry systems in recovering of forest reserves in Cametá, Pará, Brazil

Bruno José Ferreira da Silva Martinez1; José Gomes de Melo Júnior2

1Especialista em sistemas agroflorestais pela Universidade Federal do Pará, Campus de Cametá, engenheiro agrônomo, Prefeitura Municipal de Cametá, Pará; (91) 993750328, ddkbruno@hotmail.com; 2 Mestre em agriculturas familiares e desenvolvimento sustentável, engenheiro florestal da Universidade Federal do Pará, Faculdade de Agronomia, Cametá; (91) 3781-1182, josejunior@ufpa.br.

Recebido: 29/11/2018; Aprovado: 29/03/2019

Resumo: Objetivou-se analisar a percepção ambiental do uso de sistemas agroflorestais na recuperação de reserva legal em Cametá, Pará, propondo a discussão entre o perfil das propriedades, a percepção ambiental dos principais termos do Código Florestal, conhecimento protecionista dos sistemas agroflorestais e regularização ambiental. Foram aplicados questionários semiestruturados com auxílio de entrevista a 50 agricultores em 10 localidades do município, além disso, foi realizado o levantamento dos dados do Cadastro Ambiental Rural dos entrevistados e do total do município. Para conhecer a realidade ambiental foi realizada a análise do desmatamento entre 2006 e 2017. Os resultados apontam que a maioria dos agricultores de Cametá possuem pouco conhecimento a respeito da lei ambiental. Em relação ao Cadastro Ambiental Rural, apenas 32,72% das propriedades rurais encontram-se cadastradas até outubro de 2018 e 80% das propriedades cadastradas necessitam recompor suas reservas legais. Apesar do conhecimento incipiente sobre os sistemas agroflorestais, a falta de recursos financeiros, efetividade da assistência técnica, desconhecimento sobre responsabilidades e obrigações, podem gerar uma grande crise econômica e social com a aplicação de embargos e multas pelo não atendimento ao disposto no Programa de Regularização Ambiental.

Palavras-chave: Agricultura; Desmatamento; Regularização ambiental; Cadastro ambiental rural

Abstract: This paper analyzes the environmental perception of the use of agroforestry systems in the recovery of legal reserve in Cametá-PA, proposing the discussion between the profile of properties, environmental perception of the main terms of the Forest Code, protectionist knowledge of agroforestry systems and environmental regularization. Semi-structured questionnaires were administered with interview assistance to 50 farmers in 10 localities of the municipality, in addition, a survey of the data of the Rural Environmental Cadastre of the interviewees and the total of the municipality was carried out. To know the environmental reality, the analysis of deforestation was carried out between 2006 and 2017. The results point out that the majority of farmers in Cametá have little knowledge about environmental law. Regarding Rural Environmental Cadastre, only 32.72% of the rural properties are registered until October 2018 and 80% of the registered properties need to recover their legal reserves. Despite the incipient knowledge about agroforestry systems, the lack of financial resources, the effectiveness of technical assistance, lack of knowledge about responsibilities and obligations, can generate a great economic and social crisis with the application of embargoes and fines for failure to comply with the provisions of the Regularization Program Environmental.

Key words: Agriculture; Deforestation; Regularization Environmental; Rural environmental registry

INTRODUÇÃO

De acordo com a Food Agriculture Organization of the United Nations (FAO, 2015) 33% das terras destinadas à agricultura no mundo se encontram em estágio moderado ou avançado de degradação, afetando diretamente os solos, a biodiversidade e a disponibilidade do recurso hídrico. Para os agricultores a falta de renda é o principal agravante do problema em questão.

Os sistemas agroflorestais são considerados como importantes ferramentas inovadoras na recuperação de áreas degradadas de reserva legal, sobretudo restaurando o ecossistema e conciliando com a produção econômica (RODRIGUES et al., 2008). A agricultura praticada de forma inadequada, acelera a degradação dos solos, gerando vários tipos de erosões, perda da matéria orgânica do solo, compactação do solo, lixiviação de nutrientes, salinização e poluição dos solos pelos pesticidas (KLINK; MACHADO, 2005).

Com o avanço recente das leis ambientais, surge à necessidade de controlar a conversão de remanescentes de vegetação nativa em áreas de cultivo. Para isso, foi criada uma ferramenta constitucional importante nesse aspecto, denominada de Cadastro Ambiental Rural – CAR, que foi instituído pela Lei Federal 12.651/2012 (O Novo Código Florestal) e possui dentre outros objetivos, o de monitoramento do desmatamento (BRASIL, 2012). O novo código florestal traz o mecanismo inovador de permitir o uso de Sistemas Agroflorestais (SAFs) já existentes para computo de Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP).

O Programa de Regularização Ambiental (PRA) legitima os SAFs como sistemas de uso da terra de forma sustentável, onde podem ser incorporados aos projetos de recuperação de áreas degradadas e/ou alteradas para fins de reposição da RL e APPs, para áreas ocupadas com atividades agrossilvipastoris até 22 de julho de 2008 (BRASIL, 2012).

De acordo com Yared et al. (1998), os sistemas agroflorestais, são denominados de sistemas agrossiviculturais, ou seja, sistemas de uso da terra que integram espécies perenes lenhosas com cultivos agrícolas e pecuária, extraindo dessa integração a racionalização e o melhor aproveitamento dos recursos naturais envolvidos no sistema de produção.

Os SAFs apresentam benefícios socioeconômicos, otimização do uso da terra e de processos biológicos, sendo assim, um promissor sistema de uso da terra que poderia compor as reservas legais em semelhança com os sistemas naturais (ALTIERI; NICHOLLS, 2011; NAIR, 2011; JOSE, 2012; MARTINS; RANIERI, 2014). Com a efetivação das leis ambientais, é notável que exista o desconhecimento de aspectos legais básicos por parte dos produtores, que também desconhecem os benefícios básicos de atender a legislação (SEIDEL; FOLETO, 2008).

Os SAFs são amplamente difundidos pela variabilidade econômica de seus cultivos e seus usos múltiplos para geração de renda, porém, pouco se fala sobre os dispositivos legais presentes no Novo Código Florestal que denotam importância não só econômica como também ambiental.

Nesse contexto, com este trabalho objetivou-se analisar a percepção ambiental do uso de sistemas agroflorestais na reposição de reserva legal em Cametá, Pará.

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada no município de Cametá, no estado do Pará, o qual é cortado de forma transversal pelo rio Tocantins, e possui uma extensão territorial de 3.081,367 km2 e 120.896 habitantes (IBGE, 2010). De acordo com o IBGE (2010), 56% da população reside na zona rural, 87% das propriedades rurais são destinadas para a agricultura familiar.

Foram escolhidos 10 distritos que compõem o município de Cametá para a aplicação dos questionários, tais distritos são pertencentes à margem direita do rio Tocantins: Curuçambaba, Carapajó, Porto Grande, Vila do Carmo, Areião, Moiraba, e pertencentes à margem esquerda: Juaba, Torres, Joana Coeli e sede. A Figura 1 demonstra a distribuição espacial das localidades.

Foram aplicados 50 formulários semiestruturados (5 em cada distrito) nos meses de agosto, setembro e outubro de 2018. O formulário é constituído de perguntas abertas, fechadas e semiabertas, sendo divido nos seguintes itens: 1 - caracterização familiar, 2 - caracterização do sistema produtivo, 3 - relação com atores externos, 4 - conhecimento sobre legislação ambiental e 5 - CAR e programa de regularização ambiental.

Para a coleta de dados complementares sobre a opinião do agricultor sobre requisitos do questionário, foram utilizadas as ferramentas de entrevista estruturada e observação direta com registro fotográfico. A comunicação foi feita de forma direta com o proprietário do imóvel e na ausência deste, com outro membro da família maior de idade, com conhecimento sobre o histórico da propriedade e se considerasse capaz de responder as perguntas.

Os dados dos questionários foram organizados em planilhas do Microsoft Excel (2016) para análise, e posteriormente foram analisados por meio de estatística descritiva, com auxílio do software BioEstat 5.0. Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das respostas dos agricultores.

Para os dados de percepção e conhecimento de legislação ambiental foi utilizada uma escala do tipo Likert, na qual os números indicam a posição e/ou o quanto às respostas diferem entre si por determinadas características ou elementos (BARRETO; JAGER, 2015). Neste aspecto os agricultores foram questionados se conheciam os termos: Código Florestal, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal, Cadastro Ambiental Rural, Programação de Regularização Ambiental, Uso dos SAFs na Composição e Reposição de Reserva Legal e se indicaria ou faria uso dos SAFs em Reposição Florestal e as respostas foram agrupadas em classes conforme o disposto na Tabela 1.

Tabela 1. Escala tipo Likert. Fonte: Araújo et al. (2016).

Não

Moderadamente

Sim

1

2

3

Figura 1. Mapa de localização do município de Cametá. Fonte: Adaptado de CAMETÁ (2007).

Para a análise espacial da percepção da legislação ambiental foi atribuído para cada questionário um par de coordenadas a partir do Sistema Global de Posicionamento (GPS) para identificação da propriedade e outro par de coordenadas para sistemas agroflorestais identificados de acordo com Yared et al. (1998). Foi feito o levantamento dos dados de Cadastro Ambiental Rural dos entrevistados que foram identificados pelo par de coordenadas na base de dados do Sistema de Cadastro Ambiental Rural – SICAR.

Conforme o Novo Código florestal foram analisados os shapefile (.shp) de cada propriedade obtidos no SICAR em outubro de 2018, utilizando o software QGIS 2.18.7, em seguida os arquivos foram espacializados para cálculo dos percentuais de reserva legal, área consolidada e adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Foi feita a análise do percentual de computo dos sistemas agroflorestais nas reservas legais dos entrevistados e/ou utilização em projetos de recuperação de áreas degradadas com o software QGIS 2.18.7.

Para comparar a realidade ambiental antes e após a regulamentação da lei 12.651/12 (Novo Código Florestal), foram utilizados dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia (Prodes), referentes aos anos de 2006 a 2017. Os dados foram adquiridos no mês de outubro de 2017.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfil das propriedades e atividades desenvolvidas

Dos produtores rurais 92% afirmaram que compraram suas propriedades antes de 22 de julho de 2008, caracterizadas como áreas consolidadas, a grande maioria (74%) afirmou que já encontrou a área com algum desflorestamento. Segundo a classificação de Landau et al. (2012), as propriedades são caracterizadas como pequenas propriedades e minifúndios e a variedade de tamanho das propriedades evidenciam o padrão de ocupação desordenado conforme a Figura 2.

Figura 2. Distribuição das propriedades rurais por classe de tamanho (hectares) no município de Cametá no estado do Pará.

Com os dados apresentados na Figura 3, constata-se que 28% das propriedades possuem apenas relação de posse precária, quanto a titularidade da terra e possui apenas declaração de sindicatos rurais, 36% foram alvos de programas de assentamento estadual pelo Instituto de terras do Pará (ITERPA), no final da década de 1980, outros 4% possuem apenas termo de doação, e se autodeclaram donos.

Figura 3. Documentos encontrados nas propriedades rurais município de Cametá, Pará.

Em relação a mudanças nas atividades desenvolvidas nas propriedades ao longo da ocupação, 92% disseram que não, e não atribuíram qualquer mudança devido às leis ambientais, não se consideram incomodados por leis ambientais.

Quanto ao uso do solo e suas atividades produtivas, as culturas da mandioca (Manihot esculenta Crantz), pimenta-do-reino (Piper nigrum L.) e açaí (Euterpe spp. Mart.), são frequentes em todas as propriedades e possuem pelo menos umas das três culturas anteriores em combinação com outras frutíferas e culturas anuais, 20% se dedicam as mais diversas atividades como criação de pequenos animais, pesca e pecuária e 6% afirmaram possuir sistemas agroflorestais. Dos produtores rurais 94% desconhecem o termo sistemas agroflorestais, após averiguação das propriedades, se constatou que 50% possuem quintais agroflorestais e 8% possuem sistemas agroflorestais multiestratificados.

Os quintais agroflorestais são agroecossistemas com função ambiental protetora e sociocultural, pois fornece ambiente favorável ao desenvolvimento de diversas espécies, sombreamento amenizando a temperatura, espaço para lazer e agregação familiar, são geralmente estabelecidos ao redor da moradia do agricultor (VIEIRA et al., 2012).Os sistemas multiestratificados utilizam a lógica da sucessão ecológica, no processo, os agricultores participam do desenho do arranjo e quais culturas vão ocupar os estratos, se beneficiando da ciclagem de nutrientes e biodiversidade do sistema (SCHUTTER, 2012).

Se tratando de cobertura vegetal, 66% declaram possuir em sua propriedade o remanescente de vegetação nativa ou Reserva Legal, os demais declararam não possuir mais remanescente de vegetação nativa. O tamanho da Reserva legal variou entre 0 a 83,20%, em relação ao tamanho total da propriedade, sendo que 40% dos entrevistados expressão insatisfação com o quantitativo de sua cobertura vegetal. Além disso, foi perguntado ainda se houve redução da cobertura vegetal desde a ocupação da área, e se ocorreu mudanças nesta cobertura ao logo do tempo, 72% declararam nesse questionamento, que houve redução significativa da cobertura vegetal para consolidação de suas lavouras, 16% pouco mudou e 12% disseram que não houve mudança, pois já encontraram a propriedade com as modificações atuais.

Apenas 54% dos produtores rurais afirmaram já ter recebido alguma assistência técnica ou extensão rural, onde a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e a Agência de Defesa Agropecuária do Pará (ADEPARÁ), são citadas como as prestadoras do serviço. Os produtores rurais declararam não receber qualquer tipo de assistência dentro da temática ambiental. A pesquisa evidenciou que o sistema de preparo de área para cultivo mais praticado é o de corte e queima da vegetação, presente em 94% dos imóveis. Outros 20% declararam usar mecanização em alternância com capinas mecanizadas, uso de insumos químicos e orgânicos em conjunto com o processo de corte e queima. O uso de corte e queima foi relacionado à falta de alternativa técnica, ausência de maquinários ou quantitativo suficiente para atender a demanda das propriedades, para os que usam a mecanização, contratam terceiros e pagam pelo serviço.

Cadastro Ambiental Rural e passivo ambiental no município de Cametá

O ano de 2008 é considerado o marco legal para o desmatamento, promovendo a separação de áreas consolidadas (desmatadas nos limites de RL e APP até 22 de julho de 2008) e as áreas irregulares (com desmatamentos nos limites de APP e RL a partir de 22 de julho deste ano) (BRASIL, 2012). O CAR, é considerado o primeiro passo para a regularização ambiental, depois de detectados os passivos e as regras de reposição ou compensação ficam por conta do Programa de Regularização Ambiental – PRA (BRASIL, 2012).

De acordo com a Figura 4, houve um acumulado de desmatamento no município de Cametá de 28,5 km2 entre os anos de 2006 a 2017, percebe-se que até 2008, foi desmatada uma área consolidada acumulada de 3,3 km2 e após 2008 até 2017, o acumulado é de 25,2 km2.

Figura 4. Desmatamento acumulado no município de Cametá, referente aos anos de 2006 a 2017.

Fonte: Adaptado de INPE (2017).

A área acumulada desflorestada até 2008 é de 3,3 km2, os agricultores podem constituir sistemas agroflorestais para recompor a reserva legal, seja para atingir os índices mínimos ou para constituir cotas de reserva ambiental, onde 80% das propriedades, estão abaixo dos índices mínimos de reserva legal de 50% em relação ao tamanho total da propriedade, essas propriedades podem utilizar os SAFs para recompor suas reservas legais, obedecendo à regra de utilizar 50% de espécies nativas do bioma Amazônia e 50% de espécies exóticas.

Para os dados acumulados de desflorestamento de 2008 a 2017 é de 25,2 km2, essas áreas desflorestadas são consideradas irregulares e precisam de regularização imediata, onde os agricultores podem acessar os benefícios que os sistemas agroflorestais proporcionam e converter o passivo em reserva legal.

Em Cametá os responsáveis por fazer o CAR são a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e a Emater, que devem regularizar áreas de até quatro módulos fiscais. Em Cametá um módulo fiscal corresponde a 70 hectares segundo (LANDAU et al., 2012). Nas áreas maiores que os padrões anteriores, quem atua são as empresas de assistência técnica e profissionais liberais.

Após consulta a base de dados do SICAR e espacialização dos dados, notou-se que todos os cadastros foram feitos por empresas de assistência técnica e profissionais liberais, os produtores abdicaram ao direito da gratuidade e fizeram seus cadastros com recursos próprios, para atender o prazo previsto em lei até 31 de dezembro de 2018.

O município de Cametá possui apenas 32,72%% de seu território cadastrado, tornando até o fim do prazo, impossível contemplar todas as pequenas propriedades que dependem da gratuidade. A grande maioria das propriedades (67,28%), podem sofrer embargos e punição por não realizar o seu cadastro dentro do prazo estipulado.

A parcela de propriedades cadastradas representada nesta pesquisa, não soube responder com convicção se possui remanescente de vegetação nativa, mesmo possuindo o documento em mãos durante as entrevistas. Os cadastros ambientais rurais foram realizados por força de lei e não cumprem o seu objetivo proposto.

Segundo os dados do IBGE (2017), o município de Cametá possui 12.889 propriedades rurais, onde 8.671,72 (67,28%) ficarão sem CAR, perderão o beneficio de declarar sua situação ambiental e acessar os benefícios do PRA como suspensão de multas, as propriedades rurais sofrerão uma aparente criminalização ambiental, perda do beneficio de declarar suas áreas consolidadas, possível imposição de prazos menores para regularização ambiental e imediata execução de medidas de reparo do dano ambiental como suspensão de atividades rurais.

A falta de empenho dos órgãos públicos para a campanha de cadastros, evidencia um retrocesso ambiental perigoso, o município de Cametá está na contramão de outros entes federativos, como por exemplo, o município de Pacajá dos estudos de Araújo et al. (2016), que já possui 86,37% de seu território cadastrado, segundo a base de dados da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará. O estudo de Araújo et al. (2016), evidencia que o CAR possui relação direta com o desmatamento, quanto maior a taxa de desflorestamento, maior é o empenho governamental pelo CAR, atualmente as baixas taxas de desflorestamento do município de Cametá podem conotar subtilidade as políticas públicas de desmatamento, os reflexos negativos surtiram efeitos a longo prazo. A desorganização ambiental de qualquer município em relação ao CAR poderá trazer prejuízos irreparáveis, colocando o município em uma posição desfavorável em relação ao controle de desmatamento.

Sistemas agroflorestais e a percepção ambiental dos produtores rurais de Cametá

Para melhor compreender a percepção ambiental das leis ambientais e seus termos básicos, bem como o nível de percepção que os afetam, foram oferecidos de forma direta os termos: Código Florestal, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal, Cadastro Ambiental Rural, Programação de Regularização Ambiental, Uso dos SAFs na Composição e Reposição de Reserva Legal e se indicaria ou faria uso dos SAFs em Reposição Florestal.

A maioria dos produtores rurais (84%), não sabe do que se trata a principal lei ambiental (Novo Código Florestal) de forma similar aos estudos de Araújo et al. (2016), 4% associam essa lei à proibição de queimada, 10% associam o Código Florestal a “leis de proteção da vegetação, floresta e da natureza” e apenas o produtor rural número 27 (2%) usou expressões como “ano da lei é de 2012” e “proteção da vegetação nativa”, tais níveis de compreensão ainda não satisfazem condições mínimas de arcar conscientemente com as obrigações previstas.

Sobre Área de Preservação Permanente, 90% responderam que não sabem do que se trata o termo, 8% conhecem de forma moderada e geralmente associando ao termo “mata de várzea”, apenas 2% disseram saber do que se trata de fato. O conceito de APP foi normalmente confundido com o de Reserva Legal, causando confusão quando o entrevistado foi posteriormente inquirido de fato sobre a Reserva Legal.

Quando perguntados sobre Reserva Legal, a maioria (90%) não souberam responder e afirmaram que já haviam respondido no termo APP anterior, o restante dos entrevistados (10%) de forma moderada disse que conhece pouco o significado do termo, relacionando geralmente com “área de preservação”. Nenhum dos entrevistados relacionou o termo corretamente.

Em relação ao Cadastro Ambiental Rural, todos os produtores rurais possuem cadastros e correspondem a 32,72% dos cadastros totais provisórios válidos, dos quais 26% não conhecem o termo mesmo possuindo o documento e 24% de forma moderada entendem o termo CAR, somados chegam a 50% dos produtores rurais que se quer sabem o significado do termo.

A respeito do termo Programa de Regularização Ambiental, foi feita a pergunta direta se sabem o que significa e 96% dos produtores rurais não souberam responder. No entanto, 100% dos agricultores rurais optaram pela adesão ao PRA ao realizar o CAR, e de forma contraditória todos os entrevistados dizem não participarem de qualquer processo de regularização ambiental. De acordo com a Figura 5, é possível visualizar os resultados da percepção ambiental dos entrevistados a respeito dos termos técnicos agrupados.

Quando questionados sobre o objetivo do CAR, 28% relacionam com regularização fundiária, 20% relacionam com empréstimos financeiros em instituições bancárias, 4% com benefícios previdenciários como aposentadoria e 48% não souberam responder, como evidencia a Figura 6. De forma geral nenhum dos entrevistados soube informar corretamente o objetivo do CAR, mesmo possuindo o documento.

Figura 5. Percepção ambiental dos produtores rurais a respeito dos termos Código Florestal, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal, Cadastro Ambiental Rural e Programa de Regularização Ambiental.

Figura 6. Percepção ambiental dos produtores rurais sobre o objetivo do Cadastro Ambiental Rural no município de Cametá no estado do Pará.

O CAR, permite a manutenção de atividades agrossilvipastoris em áreas consolidada até 22 de julho de 2008 mediante adesão ao PRA. Todos os produtores rurais aderiram ao PRA, inconscientemente ao preencher o CAR e 80% possuem menos de 50% de reserva legal, em relação ao tamanho total da propriedade. Portanto sua adesão ao PRA é necessária, gerando obrigações, onde o agricultor pode optar por três alternativas, sendo: reposição florestal, regeneração natural e compensação ambiental (BRASIL, 2012).

Quando perguntados a respeito da necessidade de reflorestar suas áreas, 76% responderam de forma afirmativa, reconhecem o baixo percentual de remanescente de vegetação nativa. O fato de 24% dos produtores rurais não reconhecer a necessidade de reflorestar, não significa que exista excedentes de cobertura vegetal, pois se trata da percepção pessoal do agricultor.

Quando questionados de forma prioritária quais das três medidas no Código Florestal o produtor rural escolheria, 56% optaram pela reposição florestal, 44% pela regeneração natural e nenhum dos agricultores rurais optou pela compensação devido o custo de adquirir uma nova propriedade.

Dos 28 produtores rurais (56%) que optaram pela reposição florestal, responderam que a escolhem usando as expressões de maior frequência “escolher o que plantar”, “madeira” e “solo fraco para regenerar sozinhos”. Os que não optaram, usaram termos como falta de assistência técnica e recursos financeiros para a execução, esses fatores podem ser os principais entraves para essa modalidade de recomposição da reserva legal. Segundo Brasil (2012), a reposição florestal deve ser realizada com culturas nativas do bioma Amazônia, com percentual mínimo de 50% e permitido ainda o complemento com culturas exóticas consorciadas em forma de sistemas agroflorestais.

Os produtores rurais, mencionaram termos característicos dos sistemas agroflorestais, como diversidade, uso múltiplo e recuperação de áreas degradadas, termos similares aos encontrados nos estudos de Altieri (2012). Além de recompor a reserva legal, os agricultores podem aderir a práticas agroecológicas que baseiam os sistemas agroflorestais e reduzir as taxas de desmatamento. Dos entrevistados, 96% não conhecem os benefícios dos sistemas agroflorestais, e 14% mesmo não conhecendo, afirmaram positivamente que desejam usar ou indicar o SAFs para recuperação de áreas degradadas. Os números refletem a desinformação provocada pela falta de assistência técnica voltada para práticas sustentáveis.

O produtor rural número 6 deixa claro que “não usaria os sistemas agroflorestais por que não conhece e não indicaria a outra pessoa o que não conhece”. O produtor número 10, por exemplo, expressa: “não conheço as vantagens em lei, eu uso os SAFs e indicaria por que o pessoal da UFPA já me disse que é bom, inclusive fiz um na minha propriedade”. A falta de amparo técnico explícito em relação aos produtores 6 e 10, exemplifica que é possível dispor dos benefícios econômicos e ainda fazer usufruto de vantagens ambientais dos SAFs.

As pesquisas apontam que os sistemas agroflorestais com maior potencial de compor uma reserva legal são os mais diversificados, próximo a remanescentes de vegetação nativa, semelhantes estruturalmente e funcionalmente aos ecossistemas naturais (BHAGWAT et al., 2008; UDAWATTA; GODSEY, 2010).

Após espacialização dos dados das propriedades que possuem sistemas agroflorestais e análise das suas reservas legais, constatou-se que das 29 propriedades analisadas, 62,1% não computaram seus SAFs como reserva legal, os equiparando a plantios convencionais e subestimando sua reserva legal. Os outros 37,9% consideram seus SAFs como reserva legal, utilizam o benefício sem conhecer conscientemente. O reconhecimento legal dos SAFs dentro do contexto econômico e ambiental é realidade, o Programa de Regularização Ambiental permitirá que agricultores façam suas adequações e simultaneamente criem práxis agroflorestais. Os órgãos competentes envolvidos na regularização ambiental, pesquisa, extensão rural e assistência técnica, devem criar programas informativos voltados à educação ambiental e capacitação técnica a respeito dos sistemas agroflorestais.

A regeneração natural, é vista como a segunda melhor alternativa a ser executada por 44% dos produtores rurais e justificaram sua escolha com afirmativas, “falta de recurso para plantar”, “falta de assistência técnica” e “boa capacidade de recuperação de seus solos”. A falta de assistência técnica é vista como motivo de desestimulo e adesão à reposição florestal, o entrevistado número 40, afirma o disposto se expressando “escolho a regeneração natural, por que não precisa de assistência técnica, basta deixar o mato crescer”. A condução do processo de restauração ecológica de áreas degradadas por regeneração natural pode ser comprometida, devido à elevada presença de gramíneas nativas e exóticas (SOUZA, 2015). Geralmente o processo de introdução dessas culturas exóticas ocorre para suprir as necessidades econômicas da pecuária brasileira. As gramíneas exóticas são agressivas e competitivas, com capacidade de invadir e se adaptar as mais diversas condições climáticas (MARTINS et al., 2011). Dentro do contexto do Programa de Regularização (PRA), ao fim do prazo de 20 anos o agricultor pode não ter sua área recuperada pelo processo de regeneração natural e o PRA, não cumprir seu objetivo em áreas de pastagens e com elevada presença de gramíneas.

No estudo de Paludo e Costabeber (2012), os sistemas agroflorestais apresentam experiências positivas nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, com base nos princípios da agroecologia e com atuação da sociedade civil organizada, os SAFs conseguiram superar os impactos negativos de anos de agricultura convencional.

O conhecimento das leis ambientais é incipiente, pois desconhecem as obrigações, objetivos práticos, bem como a recomendação do Novo Código Florestal de exploração sustentável por intermédio dos sistemas agroflorestais, beneficiando as áreas que possuem sistemas agroflorestais com o seu computo como reserva legal e privilegiando projetos de recuperação de áreas degradadas que utilizem sistemas agroflorestais. Os produtores desconhecem o potencial econômico e protecionista dos SAFs, consequentemente sua percepção sobre as leis ambientais é bem diminuta, podendo impossibilitar a inserção de novas técnicas de trabalho e uso sustentável da terra.

CONCLUSÕES

As propriedades rurais de Cametá, Pará, possuem quatro módulos ficais e dependem do poder público para a assistência técnica ambiental. E, em virtude das distintas percepções ambientais dos produtores rurais quanto às leis, há um conhecimento incipiente perante a legislação ambiental.

Os produtores rurais de Cametá desconhecem a importância dos sistemas agroflorestais. A falta de assistência técnica impossibilita a compreensão dos parâmetros econômicos e ambientais vantajosos dos sistemas agroflorestais, bem como impossibilita que o agricultor compreenda sua situação ambiental e conscientemente utilize mecanismos legais de regularização ambiental.

Pelo insucesso da efetivação do Cadastro Ambiental Rural, em Cametá, será comprometido o acesso as políticas públicas de recomposição de reserva legal. Elemento que junto ao desconhecimento significativo dos produtores rurais sobre responsabilidades e obrigatoriedades, somada a falta de efetividade da assistência técnica, podem ocasionar problemas de ordem ambiental incalculáveis, ficando aqui explicito a necessidade de o poder público assegurar condições para o cumprimento da lei.

REFERÊNCIAS

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