ARTIGO CIENTÍFICO
Trabalho
Premiado no II Seminário Internacional de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Rural Sustentável, realizado em Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil
A reforma
agrária como ferramenta para o desenvolvimento rural sustentável no
assentamento Valmir Mota em Cascavel, Paraná
Agrarian
reform as tool for sustainable rural development in Valmir
Mota settlement in Cascavel, Paraná, Brazil
La
reforma agraria como herramienta para el desarrollo rural sostenible en el asentamiento Valmir
Mota en Cascavel, Paraná, Brasil
Marlowa Zachow1, Alan
Denizzar Limeira Coutinho2, Jaqueline
Gomes Demarchi Grisa3, Márcia Andréia
Barboza4, Patricia Ines
Costa5, Paulo Alexandre Laskosk6
1Doutoranda
em Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Marechal Cândido Rondon, +554598403-5323, marlowaz@hotmail.com,
2Doutorando em Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, cndenizzard@yahoo.com.br; 3Mestranda
em Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Marechal Cândido Rondon, jaquelinegdemarchi@hotmail.com;
4Mestranda em Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, marciaandreiabarbozasilva@gmail.com;
5Doutoranda em Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, patriciainescosta@hotmail.com; 6Mestrando
em Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Marechal Cândido Rondon, alexandre_laskoski@hotmail.com
Recebido:
04/11/2019; Aprovado: 19/11/2019
Resumo: O Movimento sem terra (MST)
surgiu como forma de lutar pela terra e pela reforma agrária, bem como promover
o desenvolvimento sustentável. A Organização das Nações Unidas (ONU), por sua
vez, tem trabalhado em 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável. Através
de um estudo de caso, buscou-se entender como a reforma agrária pode promover o
desenvolvimento rural sustentável no Assentamento Valmir Mota de Oliveira, na
cidade de Cascavel no Oeste do Paraná. Foi verificado que o Assentamento
desenvolve várias práticas de sustentabilidade, atendendo 8 dos 17 objetivos do
desenvolvimento sustentável propostos pela ONU.
Palavras-chave: Objetivos de desenvolvimento sustentável; Sustentabilidade;
Movimento sem terra.
Abstract: The Landless Movement (MST)
emerged as a way to fight for land and land reform, as
well as to promote sustainable development. The United Nations (UN), for its
part, has been working on 17 goals for sustainable development. Through a case
study, we sought to understand how land reform can promote sustainable rural
development in the Valmir Mota
de Oliveira Settlement, in the city of Cascavel in
western Paraná. It was found that the Settlement studied develops various
sustainability practices, meeting 8 of the 17 goals of sustainable development
proposed by the UN.
Resumen: El Movimiento Sin
Tierra (MST) surgió como una forma de luchar por la tierra y la reforma
agraria, así como para promover el desarrollo sostenible. Las Naciones Unidas,
por su parte, han estado trabajando en 17 objetivos para el desarrollo
sostenible. Mediante un estudio de caso, buscamos comprender cómo la reforma
agraria puede promover el desarrollo rural sostenible en el asentamiento Valmir
Mota de Oliveira, en la ciudad de Cascavel, en el
oeste de Paraná. Se descubrió que el Assentamiento
estudiado desarrolla diversas prácticas de sostenibilidad, cumpliendo 8 de los
17 objetivos de desarrollo sostenible propuestos por la ONU.
Palabras claves: Objetivos de
desarrollo sostenible; Sostenibilidad; Movimiento sin tierra
INTRODUÇÃO
A reforma agrária reflete a
esperança pela distribuição de terras, o sonho do direito ao seu meio de
produção. A política de reforma agrária trata de uma re-territorialização,
em que o principal responsável seria o Estado, aliado com a luta do povo (SANTOS, 2017). No Brasil, a reforma
agrária está marcada pela maneira de produção do sistema colonial português,
baseado em exploração de recursos ambientais em grandes áreas rurais. Na época
da colonização quem tinha acesso as terras era quem tinha melhores condições
financeiras (SILVA et al., 2016).
A reforma agrária surge
como reinvindicação dos camponeses no Brasil a partir da década de 1950 em
vários pontos do país, através de grupos organizados conhecidos como Ligas
Camponesas, influenciados por outros grupos que também demonstravam interesse
nessa pauta, incluindo a Igreja, os sindicatos e partidos políticos, em
especial o Partido Comunista Brasileiro (PCB) (MARTINS, 1981). Segundo o
Estatuto da Terra, documento criado em 30 de novembro de 1964 pelo Governo Militar,
para viabilizar um desenvolvimento agrário para o país, em seu art. 1, “§ 1°
[...] O conjunto de medidas que visem promover a melhor distribuição da terra,
mediante modificações no regime de sua posse e uso, para atender aos princípios
de justiça social e ao aumento de produtividade” (BRASIL, 1964).
As lutas pela terra feitas
pelas Ligas Camponesas, nas décadas de 1950 e 1960, assim como pela Comissão
pastoral da Terra na década de 1970, viabilizaram a estruturação dos movimentos
sociais rurais, inclusive o Movimento Sem Terra (MST) (SILVA et al., 2012). Em 1984 surge então o MST, fruto da articulação dos trabalhadores, o
qual possui os seguintes princípios: lutar pela terra, pela Reforma Agrária e
por uma sociedade mais justa, sem exploradores e explorados.
As discussões sobre a necessidade de um
desenvolvimento sustentável para o campo estão presentes em diferentes áreas da
produção científica, que discutem a situação agrária do país. A ideia de que o
campo precisa ser pensado de forma a diminuir as injustiças sociais,
priorizando a produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos, é pauta também
dos objetivos elencados pela Organização das Nações Unidas (ONU), que propôs em
2015, a implantação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com o
intuito de ampliar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que na
época eram compostos por 8 tópicos, e atualmente são compostos por 17 objetivos.
Os 17 objetivos propostos pela ONU buscam reduzir a
pobreza, para proporcionar a todas as famílias prosperidade e bem-estar, além
disso, tem como intuito conservar e preservar o meio ambiente, onde se faz
necessário manter a igualdade para a sociedade e o desenvolvimento sustentável.
Além dos 17 objetivos, existem 169 metas que auxiliam a alcançar tais medidas
sem se desviar do objetivo principal, visando os três pilares do
desenvolvimento sustentável, o ambiental, o social e o econômico. Esses objetivos
devem ser atingidos até 2030 (agenda 2030), onde se busca viver em um mundo
livre da pobreza, fome, doença e penúria, buscando levar uma alimentação
nutritiva segura e saudável a população mundial. As medidas buscam também
proporcionar a sociedade uma vida livre do medo da violência no campo,
responsável por gerar sérios problemas à sociedade, buscando também assegurar
uma educação de qualidade de forma igualitária, água potável e saneamento
básico para que todos possam ter uma vida digna, buscando também, levar a toda
população energia acessível, confiável e sustentável (ONU, 2018).
O surgimento do MST foi considerado um movimento de
inclusão social da classe camponesa, que teria como objetivos: eliminar a
pobreza; combater a desigualdade social; garantir trabalho, educação e renda no
campo; garantir a soberania alimentar nos mercados locais; garantir a
participação igualitária das mulheres nas decisões de uso da terra; manter e
preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural de cada região; garantir
a permanência dos jovens no campo através da promoção de renda, educação,
moradia e lazer (SILVA et al., 2016). Todos esses objetivos podem ser considerados como
metas para o desenvolvimento sustentável, que estão transcritos em alguns dos
objetivos determinados pela ONU.
Corroborando o cuidado com a natureza, a forma de
produção agroecológica é um dos principais pilares e objetivos do MST, aliado a
isso, a procura por alimentos saudáveis está cada vez mais presente na
mentalidade popular. Para Valadão e Moreira (2009, p. 2844) “a agroecologia
assume para o MST a perspectiva de uma outra forma de relação das pessoas com o
mundo natural, não mercantil, mas sim, construir uma sociedade que atenda às
necessidades dos seres humanos sem degradar os recursos naturais.”.
A produção agroecológica foi muito incentivada pelos
movimentos sociais, sendo que no ano de 2000, o MST adotou a agroecologia como
linha política de ação, e a partir desse momento tornou-se um dos principais
promotores do modelo (NIEDERLE et al., 2019).
Proporcionar melhores condições de vida à comunidade e
comercializar produtos saudáveis não é tarefa fácil, pois o modelo de
agricultura baseada em monocultivos para a exportação é predominante no
território brasileiro. Esse modelo agrícola é contrário à produção
agroecológica, bem como à implantação da reforma agrária. Em contrapartida, a
reforma agrária no Brasil visa a produção de alimentos saudáveis, sem a
utilização de agrotóxicos ou alimentos geneticamente modificados (REFORMA,
2018).
Essa produção de alimentos sem a utilização de agrotóxicos,
chamadas de agricultura sustentável, além de contribuir para uma produção de
alimentos saudáveis, também pode reduzir os impactos ambientais, e ainda trazer
retorno financeiro necessário para atender as necessidades sociais dos
produtores (ALTIERI, 2004).
Diante do exposto, objetivou-se analisar como a
reforma agrária pode promover o desenvolvimento rural sustentável no
assentamento Valmir Mota de Oliveira, situado na cidade de Cascavel, no Oeste
do Paraná.
MATERIAL E
MÉTODOS
Essa investigação constitui-se de um estudo de caso, realizada
no assentamento Valmir Mota, em Cascavel no Oeste do Paraná, que de acordo com
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017) possui uma
população estimada de aproximadamente 319.608 pessoas, Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH, 2010) de 0,782, Produto Interno Bruto (PIB) em
2015 estimado em R$ 32.372,08 e o principal setor econômico é o agronegócio com
mais de 4.000 estabelecimentos agropecuários, onde também predominam a
indústria e o comércio.
As informações foram coletadas através de entrevistas
semiestruturadas com seis líderes do assentamento, em abril de 2018, durante visita
técnica realizada no assentamento. O questionário contava com 15 perguntas
abertas, que propiciaram a livre discussão entre os participantes, porém
focadas nos objetivos de desenvolvimento sustentável propostos pela ONU. Participaram
da reunião líderes do assentamento, da cooperativa, responsáveis pelas áreas de
produção e comercialização além do diretor do colégio existente. As entrevistas
foram gravadas com autorização dos participantes, para posterior análise mais
detalhada dos diálogos e informações.
A análise dos dados foi feita de forma qualitativa,
comparando as falas dos assentados e a observação realizada in loco com os objetivos de
desenvolvimento sustentável.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
No acampamento residem 83 famílias, provenientes de vários
acampamentos das diferentes regiões do estado do Paraná e do Paraguai. As Unidades
de Produção Camponesa (Lotes Rurais do Assentamento) possuem em média 3
alqueires (7,26 hectares), entre as famílias assentadas, aproximadamente 59
casas de 43 m2 cada, que foram construídas através de financiamentos
bancários específico para a modalidade rural. A construção das moradias da
comunidade segue um modelo padronizado pelo projeto de assentamento do Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA), para se adequar ao financiamento. Além dos 83
lotes, o Assentamento possui uma área comunitária para auto sustentação, onde
está a sede da Cooperativa e projeta-se futuramente instalar uma unidade de
produção de leite.
Dentro do assentamento estão instaladas duas escolas:
uma municipal (matutino) e outra estadual (vespertino), atendendo os estudantes
do assentamento e das áreas rurais próximas. Inicialmente a escola foi
construída pelos próprios moradores, com materiais precários, sem paredes
laterais e com chão batido, sendo posteriormente melhorada a estrutura.
A proposta pedagógica das escolas segue as diretrizes
do projeto educacional do MST, que propõe atender os anseios e as necessidades
das famílias camponesas de educar as pessoas que trabalham no campo, para se
articularem, se organizarem e assumir a condição de protagonista da direção de
seu destino. As escolas atendem cerca de 220 educandos.
No planejamento inicial do assentamento, baseado no
estudo do próprio MST, percebeu-se a necessidade de inovação, assim, com lotes
menores do que outros assentamentos, poderiam desincentivar a monocultura. No
formato reduzido dos lotes, seria priorizada a plantação agroecológica, com
foco na diversidade de culturas. Essa escolha pela agroecologia foi
fundamentada no Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA). A produção não
se mantém 100% agroecológica, pois entendeu-se que exigiria um tempo até que o
mercado fosse conquistado e nesse tempo as famílias precisavam remunerar seu
trabalho para sobreviverem. Conforme um assentado:
“Abrimos a proposta para não romper o diálogo. Uma das coisas
interessantes do movimento é que nós sempre zelamos pela comunidade”
(Entrevistado Assentado, 6 de abril de 2018).
Nesse mesmo objetivo de garantir a estadia das
famílias, permitiu-se que alguns dos membros da família trabalhassem fora do
lote, para trazer renda enquanto a produção não estava alavancada.
A aquisição de crédito é um fator limitante para o
assentamento e as famílias não têm nenhum tipo de acesso a recursos para
financiar suas produções. Apenas 10% das famílias conseguiram que o INCRA liberasse
a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que é documento essencial para ter acesso
ao crédito. O financiamento é importante para construção de vários itens
faltantes no assentamento, como estradas, poços artesianos e as moradias
restantes. A água utilizada é extraída de mini poços
construídos pelos próprios moradores.
Outro desafio para os produtores é a forma de
comercialização da produção excedente. A produção é feita essencialmente para
auto sustento, e o excedente é revendido em feiras, na Unioeste e em frente à
Catedral de Cascavel. Conforme o depoimento de uma militante:
“Hoje o
assentamento tem muita proposta de feira tanto como na região né mas a gente não tem tanta estrutura e pernas para estar
participando de todas.” (Entrevistado, militante, 6 de abril de 2018).
Um dos objetivos é participar da feira do produtor,
porém, muitos já se inscreveram e não conseguiram vagas. Para os trabalhadores
que estão produzindo de forma convencional, soja e milho não agroecológicos, o
entendimento das lideranças é de que o mercado do agronegócio já está melhor organizado, ou seja, aquilo que o produtor planta e
colhe ele consegue vender. Já verduras e legumes, não há a garantia de venda,
não tem escala e precisa ter uma organização maior. Para facilitar a negociação
dos produtos, recentemente foi aberta a Cooperativa de Produção e
Comercialização da Agricultura Familiar e Reforma Agrária (COPCRAFT) com sede
no assentamento, através dela, está sendo feita a venda institucional de alguns
produtos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Apesar das dificuldades enfrentadas, os assentados têm
consciência das vantagens obtidas pelo fato de a terra ser de boa qualidade e
estarem próximos a uma cidade grande como Cascavel. Além disso, em análises
sobre a rentabilidade de produtos advindos da monocultura, perceberam que o
excedente é muito pequeno, já que os lotes são pequenos, não permitindo a
produção em larga escala. Outro canal de revenda é o próprio local de produção,
quando os consumidores procuram diretamente o assentamento para compra, porém,
em alguns casos esses compradores são na verdade revendedores, que compram por
um preço baixo e revendem visando um lucro maior. Ainda existe a venda direta
na rua, quando o trabalhador coloca o produto no seu próprio carro e vai para
rua comercializar. Um dos planos para o futuro é a abertura de um mercado
municipal no centro de Cascavel, de produtos agroecológicos, projeto que já
conta com o apoio da prefeitura que cedeu recentemente um espaço para isso.
Grande parte da produção gira em torno da cultura
leiteira. A escolha foi devido ao planejamento feito pelo PDA, pela facilidade
e necessidade de pouco investimento, já que o crédito ainda não foi liberado
para as famílias. A maioria da produção é entregue em laticínios e uma parte é
comercializada através das feiras. Apesar do leite ser o carro chefe, a
produção hoje é extremamente diversificada, contendo os seguintes produtos:
leite, queijo, frango, ovos, tubérculos em geral (mandioca, cenoura, beterraba,
batata doce, nabo e outros), legumes
variados (chuchu, abóboras, berinjela, pepino, caxi, maxixe), hortaliças
(alface, rúcula, couve), carne (suíno, carneiro), plantas alimentícias não
convencionais (PANC’s), , como almeirão
roxo, caramoela), frutas (cítricos, figo, banana, pêssego, maracujá, morango e
outros), temperos (alho e temperos de folha, como cebolinha e salsa) entre
outros produtos. Algumas frutas estão
sendo produzidas em sistemas agroflorestais, iniciados há dois anos e que pouco
a pouco tem maior aceitação das famílias. A escolha do que será cultivado, é
feita pelo próprio produtor, porém, ocorre um planejamento com as famílias,
para que não falte produção para entrega ao PNAE e nas feiras. Existem também
demandas recolhidas pela equipe que trabalha nas feiras, quando algum
consumidor demanda certo produto, a equipe conversa com as famílias para ver
quem se habilita a produzi-lo.
Para capacitação, sempre que necessário o assentamento
busca por parcerias. Possuem assistência técnica por convênios como o Centro de
Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA/ITAIPU) com sede em Marechal Cândido
Rondon, vinculado à Igreja Luterana. O Grupo da Rede Ecovida de Agroecologia já
certificou 14 agricultores no assentamento Valmir Mota.
Em relação à formação da renda das famílias, estas
provem em parte da produção de alimentos, alguns assentados trabalham na
escola, sendo concursados em nível de graduação, outros trabalham em empregos
temporários próximos à área do assentamento, em funções como saqueiro, serviços
gerais, pedreiro entre outras. Algumas famílias recebem bolsa família, não há
levantamento ao certo de quantas são, mas conforme depoimento de um assentado,
no passado o número já foi maior, o que pode significar relativo aumento das
condições econômicas de algumas famílias. Várias famílias já conseguiram abrir
mão do benefício, pois, conseguem garantir seu sustento através do seu
trabalho, seja na propriedade ou em outra função complementar. Percebe-se
também que muitos assentados resolveram complementar seus conhecimentos e
auxiliar no desenvolvimento do assentamento cursando cursos de graduação e
nível técnico disponíveis nos centros urbanos.
Em relação às atividades de lazer e esporte, os
militantes entendem que é necessário investir em infraestrutura, para que isso
motive as famílias a permanecerem no campo. Existe um campo de futebol, porém, o mesmo não está gramado ainda e não há uma quadra
poliesportiva. O lazer se dá através de reuniões de família, festividades
religiosas e eventuais bailes.
A coleta de lixo
é efetuada, através de um convênio com a prefeitura, onde os moradores levam o
lixo até um depósito que fica próxima à estrada e a prefeitura recolhe. As
estradas estão em boas condições de tráfego, mas foi necessária a intervenção
da prefeitura para que os ônibus escolares pudessem circular. O atendimento de
saúde é feito através do posto de saúde, que fica em São João d’Oeste, distando
cerca de 18 km do assentamento.
O Assentamento Valmir Mota segue as diretrizes do PDA,
que tem algumas premissas inerentes ao Movimento sem Terra. Outros estudos
foram encontrados sobre o estudo do desenvolvimento sustentável em
assentamentos de reforma agrária, porém nenhum sob a ótica dos 17 ODS’s
propostos pela ONU.
Em estudo realizado em assentamentos da região
amazônica, foram analisados fatores que podem demonstrar o desenvolvimento
sustentável, tais como: modificações no solo, sistemas de produção,
características socioeconômicas e qualidade de vida. O resultado
final demonstrou que houve o desenvolvimento, mas mais focado na
qualidade de vida da população, porém com impacto negativo para o meio ambiente
(SARTRE et al., 2016).
Outro estudo realizado em assentamentos no estado do
Pará analisou o desenvolvimento sustentável, utilizando o “barômetro da
sustentabilidade”, que equilibra indicadores de aspecto humano e ecossistêmico.
Na dimensão social foram considerados indicadores relativos à educação, saúde,
moradia e população. Na dimensão econômica foi tratada da renda e comércio. Na
dimensão organizacional foi verificada a questão das parcerias institucionais e
na dimensão ambiental foram analisados os temas água e terra. A conclusão dos
autores foi que os assentamentos promovem o desenvolvimento, variando conforme
o modelo de assentamento. Em alguns casos falta investimento em água potável e
energia elétrica, afetando a qualidade de vida. O meio ambiente continua sendo
degradado, necessitando também de instrução para os assentados (SILVA; VIEIRA,
2016).
Após análise do assentamento foi verificado que o mesmo atende 8 objetivos de desenvolvimento sustentável.
Erradicação da pobreza
O ODS 1 tem como objetivo acabar com a pobreza em
todas as suas formas, em todos os lugares. A reforma agrária pode promover
melhor remuneração ao trabalhador rural, diminuindo os índices de migrações. No
assentamento Valmir Mota ocorreu o incremento da renda dos moradores, inclusive
com alguns parando de depender de programas de auxílio governamental.
Fome zero e agricultura sustentável
O ODS 2 tem como objetivo acabar com a fome, alcançar
a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura
sustentável. O assentamento Valmir Mota faz isso de várias formas, produzindo
alimentos para seu próprio consumo, comercializando o excedente por um preço
acessível ao restante da população, produzindo de forma sustentável, através da
agroecologia.
Saúde e bem-estar
O ODS 3 tem como objetivo assegurar uma vida saudável
e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades. Através da
produção agroecológica adotada no assentamento estudado é possível viver sem a
interferência de agrotóxicos, o que se reflete na alteração de humor que os
produtores têm em saber que estão em contato com suas origens, produzindo algo
saudável para suas famílias e para a população.
Educação de qualidade
O ODS 4 tem como objetivo assegurar a educação
inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem
ao longo da vida para todas e todos. O assentamento Valmir Mota possui dentro
de sua estrutura duas escolas com projeto pedagógico específico alunos que
vivem no meio rural. Além disso, existe um incentivo ao estudo continuado,
universitário ou técnico.
Trabalho decente e crescimento econômico
O ODS 8 tem como objetivo promover o crescimento
econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e
trabalho decente para todas e todos. Além de proporcionar emprego e renda para
as famílias assentadas, a comunidade do Valmir Mota atinge esse objetivo ao
produzir com diversificação e inovação, proporcionando trabalho decente e digno
para jovens, homens e mulheres.
Redução das desigualdades
O ODS 10 tem como objetivo reduzir a desigualdade
dentro dos países e entre eles. A reforma agrária é uma forma de reduzir a
desigualdade através da distribuição justa de terras. Além disso, outra forma
de redução das desigualdades é através do trabalho, já que com isso é possível
aumentar a renda das famílias e também proporcionar
maior autonomia aos produtores, promovendo a inclusão social, econômica e
política. Nesse sentido o assentamento também consegue ter um resultado positivo.
Cidades e comunidades sustentáveis
O ODS 11 tem como objetivo tornar as cidades e os
assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. O
assentamento Valmir Mota faz isso ao salvaguardar patrimônios naturais,
auxiliando na redução de impacto ambiental. Além disso, apoia as relações
econômicas, sociais e ambientais entre áreas urbanas e rurais.
Consumo e produção responsáveis
O ODS 12 tem como objetivo assegurar padrões de
produção e de consumo sustentáveis. O assentamento faz isso realizar a gestão
sustentável e uso eficiente dos recursos naturais. Atinge esse objetivo também
ao produzir sem agrotóxico, garantindo um manejo ambientalmente saudável.
Conforme observado e analisado, o assentamento Valmir
Mota está em conformidade com 8 dos 17 objetivos sustentáveis. Pode-se dizer
que atinge uma grande parte desses objetivos, através do formato como o
assentamento é constituído, bem como pela própria escolha da agroecologia como
forma de produção.
A organização social e produção agrícola observada no
assentamento comprova que o acesso à terra por estes camponeses promoveu o
desenvolvimento social dos assentados e o desenvolvimento regional da área, que
agora abriga, gera renda e trabalho para cerca de 83 famílias. Apesar de todas as
dificuldades da produção agroecológica de pequena escala e do acesso aos
mercados da agricultura familiar, do pouco volume de crédito dos camponeses, as
famílias conseguem produzir alimentos de qualidade e vender o excedente em
feiras da cidade e no próprio assentamento. O desenvolvimento de uma
cooperativa no assentamento contribuiu muito para a organização dos
agricultores e para a descoberta de canais de comercialização. De fato, a
cooperativa promoveu a geração de renda através de vendas em cadeias curtas,
também permitindo o importante acesso ao mercado institucional, através da
entrega de alimentos para a merenda escolar, via PNAE.
A escolha pela produção de forma agroecológica ainda
não atingiu a abrangência planejada no início da ocupação da área. Atualmente,
com a adequação das áreas, o aprimoramento técnico dos agricultores nas
técnicas agroecológicas, os assentados esperam fortalecer suas bases produtivas
e construir mercados, com o objetivo de, no futuro, atingir 100% de produção
agroecológica no assentamento.
Considerando os fortes laços de associação e
cooperação entre os membros do movimento que habitam no local, a geração de
renda através de uma produção agrícola de qualidade, com um comércio embasado
em uma econômica solidária e a preservação ambiental, demonstra que a
participação social dos camponeses e a dedicação por uma agricultura ecológica,
contribui para a promoção de um desenvolvimento rural sustentável, que
contemple o desenvolvimento das dimensões econômica, social e ambiental.
É possível afirmar através da observação de um
assentamento que outros também tem a possibilidade de promover o
desenvolvimento sustentável, como visto em outros estudos (SARTRE et al., 2016;
SILVA; VIEIRA, 2016). Porém tanto no presente estudo como nos outros
analisados, existe um longo caminho a ser percorrido. Em todos os casos
estudados é necessário maior esforço para que os assentamentos consigam atingir
o pleno desenvolvimento, contando com políticas públicas focadas e maiores
investimentos.
CONCLUSÕES
O assentamento Valmir Motta consegue corroborar com 8
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU através das
suas ações voltadas para uma agricultura sustentável e bem estar
dos seus moradores. Percebe-se, portanto, que é possível que os assentamentos
da reforma agrária promovam o desenvolvimento sustentável, e formem o suporte
para a mudança proposta pela a agenda 2030 .
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