ARTIGO CIENTÍFICO
Trabalho
Premiado no II Seminário Internacional de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Rural Sustentável, realizado em Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil
Indicadores de
desenvolvimento rural sustentável em propriedades rurais premiadas em Marechal
Cândido Rondon, Paraná
Sustainable
rural development indicators in awarded rural properties in Marechal Cândido
Rondon, Paraná, Brazil
Indicadores de desarrollo
rural sostenible en propiedades rurales adjudicadas en Marechal Cândido Rondon, Paraná, Brasil
André Fernando Hein1;
Nardel Luiz Soares da Silva2
1Doutor
em Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Marechal Cândido Rondon, Paraná. +55453284-7888. andre.hein@unioeste.br. 2Professor
do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná. Marechal Cândido Rondon, Paraná. +55453284-7878. nardel.silva@unioeste.br.
Recebido:
13/11/2019; Aprovado: 29/11/2019
Resumo: A agricultura familiar não é um bloco homogêneo de
produtores rurais, pois é composto por diferentes perfis de agricultores, em
função do tamanho da propriedade, acesso à tecnologia, rentabilidade,
capitalização, entre outros. Pode ser classificada em Agricultura Familiar de
Subsistência (AFS), de Transição (AFT), e Consolidada
(AFC). Diante disto, objetivou-se avaliar o Desenvolvimento Rural Sustentável
(DRS) na AFC, tendo como amostra produtores rurais premiados no município de
Marechal Cândido Rondon, Paraná. Identificou-se que tais produtores possuem
bons indicadores de DRS e que os indicadores: assistência técnica,
rentabilidade, sucessão familiar e dependência de recursos de outras atividades
mostraram-se discrepantes dos resultados de estudos com a AFS.
Palavras-chave: Agricultura Familiar Consolidada; Sustentabilidade; Indicadores.
Abstract:
Family farming is not a homogeneous
block of farmers, as it is composed of different profiles of farmers, depending
on the size of the property, access to technology, profitability,
capitalization, among others. It can be classified into Subsistence (AFS),
Transition (AFT), and Consolidated (AFC) Family Farming. Given other studies
that analyze sustainability in AFS, this study aims to evaluate the Sustainable
Rural Development (DRS) in AFC, having as a sample award-winning
farmers in the municipality of Marechal Cândido
Rondon, Parana. These producers were found to have
good DRS indicators and the indicators: technical assistance, profitability,
family succession and dependence on resources from other activities were
discrepant from the results of studies with AFS
Key
words: Consolidate Family Farming; Sustainability; Indicators.
Palabras Clave: Agricultura Familiar
Consolidada; Sostenibilidad; Indicadores.
INTRODUÇÃO
Superado o entendimento de que o desenvolvimento é
sinônimo de crescimento econômico, têm-se a compreensão de que o
desenvolvimento sustentável é multidimensional, envolvendo pelo menos as
dimensões social, econômica e ambiental. O desenvolvimento de fato só ocorre
quando for economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente sustentado
no tempo (SACHS, 2008).
No meio rural, a abordagem do desenvolvimento
sustentável é a mesma, no entanto, enfoca aspectos históricos de distanciamento,
afastamento ou isolamento do meio urbano. Quando o desenvolvimento alcança as
populações rurais, passa-se do isolamento à integração com o urbano e com os
demais setores da economia, e da especialização à diversificação econômica e
social (KAGEYAMA, 2008). No entanto, o desenvolvimento não é um fenômeno
uniforme, que atinge produtores rurais, ou mesmo localidades, municípios e
regiões com a mesma intensidade.
Um grupo que merece atenção especial neste meio são os
agricultores familiares. Para as Nações Unidas, por meio das Políticas para a
Agricultura Familiar na América Latina e o Caribe, pode-se classificar a
agricultura familiar em três tipos: a Agricultura Familiar de Subsistência
(AFS), caracterizada por estar em condição de insegurança alimentar, escassez
de terra, privação de crédito e receitas insuficientes; a Agricultura Familiar
de Transição (AFT), que emprega técnicas para conservar recursos naturais e
conta com maiores recursos agropecuários, tem maior potencial produtivo e para
vendas, possui recursos para reprodução social da unidade familiar, mas está
privada de gerar excedentes suficientes para desenvolver sua unidade produtiva,
por contar com limitações significativas de crédito e acesso aos mercados; e,
por fim, a Agricultura Familiar Consolidada (AFC), que dispõe de um maior
potencial de recursos agropecuários, capazes de gerar excedentes para a capitalização de sua vida
produtiva, está mais integrada ao setor comercial, às cadeias produtivas,
insumos e recursos naturais, podendo superar a pobreza rural (FAO/BID, 2007).
Entretanto, independentemente dessa classificação, o
processo de desenvolvimento rural é complexo, e envolve muitas relações de
causa e efeito, portanto, merece uma atenção especial da academia, visando sua
compreensão. Vários estudos têm sido realizados acerca deste tema, com a
utilização de indicadores para avaliar o desenvolvimento rural (RAMBO
et al., 2015; FORTINI et al., 2016; PERAFÁN; WALTER, 2016; SCHEUER et al., 2018).
Aquino et al. (2016) estudando os produtores rurais em situação de pobreza
do Rio Grande do Sul classificados na AFS, identificaram que eles possuem algumas
limitações, tais como, pouco capital natural, não conseguindo gerar excedentes
econômicos das atividades agropecuárias suficientes à sua reprodução social de
forma digna, dependiam de outras receitas, especialmente aposentadorias e
pensões e atividades não agrícolas dentro e fora do espaço rural. Também
identificaram que esses produtores utilizavam pouco, ou quase não utilizavam técnicas e equipamentos capazes de incrementar
sua produção agrícola. Já o capital humano também era deficiente, especialmente
a idade avançada, os baixos níveis educacionais e a falta de apoio técnico aos
gestores. Os autores concluíram que os agricultores entrevistados se encontravam
em situação de vulnerabilidade social.
Outro estudo, que abordou a insustentabilidade na
agricultura familiar e o êxodo rural contemporâneo, realizado por Hein e Silva (2019), identificou os principais fatores apontados por
ex-agricultores por terem deixado o campo, quais sejam: a falta de sucessão
familiar, redução da força de trabalho familiar, a piora das condições de saúde
e consequente redução da capacidade para o trabalho.
Por outro lado, os AFC se destacam por obter melhores
resultados socioeconômicos. Esse grupo foi analisado no estudo de Aquino et al.
(2018) ao apresentarem o dualismo no campo e as
desigualdades internas na agricultura familiar. Os autores identificaram que os
denominados consolidados são detentores de maiores rendas, mas representam
somente uma pequena parcela da categoria e se concentram nas regiões sul e
sudeste.
Diante desse cenário, onde há agricultores familiares consolidados,
e outros em situação de pobreza, emerge o anseio de identificar os fatores determinantes
de cada situação. Para tanto, se faz necessário conhecer melhor as características
dos agricultores familiares consolidados, sobre os quais há poucos estudos publicados.
No município de Marechal Cândido Rondon – PR,
anualmente são condecorados pela sociedade civil organizada, alguns produtores
rurais por terem se destacado em julgamento realizado por uma equipe de
avaliadores. Trata-se do Prêmio Produtor Destaque, promovido pelo Conselho
Municipal de Desenvolvimento Agropecuário juntamente com a Secretaria Municipal
de Agricultura e Política Ambiental e a Associação Comercial e Industrial de
Marechal Cândido Rondon (ACIMACAR).
Diante do exposto e considerando que muitos dos
critérios adotados para o concurso estão relacionados conceitualmente à
sustentabilidade multidimensional, e pressupondo que os produtores rurais
premiados possam ser considerados integrantes da AFC, o objetivo com este
estudo foi verificar o nível de desenvolvimento rural sustentável das propriedades
premiadas nos últimos anos, por meio de um conjunto de indicadores. Partiu-se
da hipótese que os produtores rurais premiados têm bons indicadores de
desenvolvimento rural sustentável.
MATERIAL E
MÉTODOS
Para fazer frente ao objetivo do estudo, de avaliar o
desenvolvimento rural sustentável de propriedades rurais que se destacaram, e
foram premiadas pela sociedade civil organizada, tomou-se como objeto de estudo
os agricultores do município de Marechal Cândido Rondon – PR, especificamente,
os produtores rurais premiados com o “Prêmio Produtor Destaque” entre os anos
de 2010 e 2017. A Figura 1
permite verificar a localização das propriedades premiadas. O município está localizado
no extremo oeste paranaense (24°33′21″S, 54°3′25″W), com população estimada em 2019
de 52 mil habitantes, sendo aproximadamente 16% residentes em áreas rurais. De acordo
com o Censo Agropecuário 2017, dos 1.934 estabelecimentos rurais do município, 79,62%
estão enquadradas na agricultura familiar.
Figura 1. Localização das
propriedades rurais premiadas pelo Prêmio Produtor Destaque entre os anos de
2010 e 2017 no município de Marechal Cândido
Rondon, Paraná
Fonte: Elaborado pelos autores
(2019).
O Prêmio Produtor Destaque foi instituído em 1990,
pelo Conselho de Desenvolvimento Agropecuário, junto com a Secretaria Municipal
de Agricultura e a ACIMACAR. É uma forma de reconhecimento das autoridades
locais, dos empresários e de toda a sociedade rondonense, para com a família
rural, responsável pela base da economia local. O objetivo do prêmio é promover
a modernização na agricultura e a introdução de inovações tecnológicas para o
aumento da produtividade, bem como incentivar a organização do trabalho e a
manutenção de novas gerações de agricultores nas propriedades (CMDA, 2018).
A sistemática de apuração da condecoração já está
consolidada e possui regulamento que apresenta todos os critérios e formulários
que são utilizados pelos avaliadores, quando visitam as propriedades rurais.
Apesar da premiação ter obtido legitimidade perante a sociedade, não há
garantia de que os produtores premiados sejam de fato os melhores do município,
tendo em vista que para concorrer é necessário a realização de uma inscrição e
é possível que outros produtores que podem estar se destacando tanto quanto os
premiados não tenham se inscrito. No entanto, para os objetivos do estudo,
avaliou-se que é uma considerável amostra de produtores rurais que se destacaram
em diversas áreas.
Outro ponto que foi considerado para a escolha destes
produtores para o levantamento de dados, é que grande parte das variáveis
analisadas no prêmio estão relacionadas, direta ou indiretamente, com o
conceito de sustentabilidade, nas dimensões: econômica, social e ambiental,
como pode-se verificar na wordcloud da Figura 2.
No período analisado (2010 a 2017) foram premiados
anualmente produtores em 11 categorias: bovinocultura de leite, produção de
grãos, avicultura de corte, suinocultura iniciador e terminador, piscicultura,
horticultura, mandiocultura, diversificação de
atividades agropecuárias, inovação tecnológica na propriedade, e conservação do
meio ambiente. Alguns produtores receberam o prêmio em mais de um ano e/ou em
mais de uma categoria, com isso o número de produtores rurais premiados neste
período foi de 69 (CMDA, 2018). Não foram entrevistados os premiados na categoria
“personalidade destaque”; categoria bovinocultura de leite patronal entre os
anos de 2010 e 2012; e ainda dois premiados em inovação tecnológica por não se
enquadrarem como agricultores (Condomínio de Agroenergia
Cooperbiogás, e um abatedouro de peixe).
Figura 2. Variáveis do Prêmio Produtor Destaque que possuem relação com a
sustentabilidade. Quesitos avaliados no prêmio, separados
por cores: os quesitos na cor verde correspondem à dimensão ambiental, cor azul
dimensão econômica e cor marrom à dimensão social.
Fonte:(CMDA, 2018).
O endereço e contato dos premiados foram obtidos junto
a Secretaria da Agricultura e Política Ambiental do município, e foram
realizadas as visitas nas propriedades rurais onde foi aplicado um questionário
ao gestor. Buscou-se coletar dados de todas os
69 premiados no período, no entanto alguns produtores optaram por não
participar do levantamento e alguns não foram encontrados após diversas
tentativas. No total foram entrevistados 59 produtores premiados. Para a
pesquisa foram adotados padrões éticos que garantiram a integridade física,
emocional, e dignidade e os interesses das pessoas envolvidas.
A partir das informações obtidas nos questionários, os
dados foram tabulados em planilha eletrônica, sendo que foram avaliados 32
indicadores, que são apresentados na Tabela 1, e na sequência são descritos os
parâmetros adotados para cada um.
Tabela 1. Resumo dos indicadores utilizados para avaliação
do desenvolvimento rural sustentável |
||
|
Indicador |
Descrição |
1 |
Nível de
Escolaridade |
Nível de
Escolaridade das pessoas que não estão em idade escolar. |
2 |
Acesso à Educação |
Analisa o
acesso das crianças e adolescentes em idade escolar, se estão frequentando a
escola e se tem acesso a transporte escolar. |
3 |
Condições de
Saúde e Capacidade de Trabalho |
Relaciona as
condições de saúde dos integrantes da família à capacidade de trabalho nas
atividades rurais. |
Acesso à Saúde |
Analisa o acesso à
consultas e exames médicos, bem como a frequências em que são realizados. |
|
5 |
Produção de Alimentos |
Analisa a produção de alimentos para o
autoconsumo. |
6 |
Acesso a Bens e Serviços |
Verifica com base em uma lista
predefinida se a família tem acesso a alguns bens e serviços. |
7 |
Condição de Moradia |
Verifica a opinião do agricultor sobre
como avalia a sua casa, considerando as condições de moradia. |
8 |
Satisfação com o meio rural |
Verifica qual o nível de satisfação do
agricultor, em aspectos gerais, de qualidade de vida, renda... |
9 |
Continuidade e Sucessão |
Analisa a intenção do produtor na
continuidade das atividades e a permanência na agricultura, e também a existência e interesse de herdeiros em
continuar na condição de agricultor. |
10 |
Produtividade |
Analisa o volume de produção das
atividades, em função de sua capacidade instalada. |
11 |
Rentabilidade |
Analisa o resultado financeiro (Lucro ou
prejuízo) das atividades. |
12 |
Recursos Disponíveis |
Analisa os recursos disponíveis para as
atividades rurais, tais como: tamanho da propriedade,
instalações, maquinários, culturas permanentes, açudes. Busca retratar a
capitalização da propriedade em bens que contribuem diretamente com a
capacidade de gerar renda. |
13 |
Fluxo Financeiro |
Analisa a frequência em que há a entrada
de recursos financeiros. |
14 |
Endividamento |
Verifica o nível de endividamento
relacionado à produção, e pessoal, e se já houve necessidade de se desfazer
de bens para a quitação de dívidas. |
15 |
Contabilidade e Gestão rural |
Verificar o nível de controles contábeis
e financeiros adotados pelo agricultor e como os têm utilizado para a gestão. |
16 |
Acesso à terra |
Verifica a condição de acesso à terra e
instalações. Pode ser proprietário e/ou arrendatário, assentado, posseiro... |
17 |
Força de trabalho familiar |
Analisa se a mão de obra familiar está
sendo suficiente para manter as atividades instaladas. |
18 |
Recursos de outras atividades |
Verifica se há necessidade de injetar
recursos de outras atividades (ou aposentadorias) para a subsistência na
atividade rural. |
19 |
Qualificação Profissional |
Analisa a participação dos integrantes
da família em capacitações e treinamentos. |
20 |
Assistência Técnica |
Verifica se o agricultor recebe
assistência técnica para as atividades rurais e/ou ATER. |
21 |
Crédito Rural |
Verifica se o produtor tem acesso e se
utiliza crédito rural, que possui subsídios governamentais. |
22 |
Autonomia Gerencial |
Avalia a condição do agricultor familiar
em poder decidir o que produzir, como produzir, quais atividades realizar em
sua propriedade. |
23 |
Integração Cívica |
Verifica se os integrantes da família
possuem documentos pessoais. |
24 |
Adequação Jurídica |
Verifica se a propriedade possui a
documentação em situação regular. |
25 |
Adequação Trabalhista |
No caso de haver funcionários
contratados, verifica se os direitos trabalhistas estão assegurados. |
26 |
Adequação Ambiental |
Analisa o cumprimento da legislação
ambiental. |
27 |
Disponibilidade de Água |
Verifica a disponibilidade de água para
o consumo humano e consumo na produção. |
28 |
Qualidade da Água |
Verifica a opinião do agricultor sobre
como avalia a qualidade da água. |
29 |
Destinação dos Dejetos |
Verifica a produção e destinação de
dejetos. |
30 |
Uso de Agrotóxicos |
Verifica como têm sido utilizados agrotóxicos
na agricultura. |
31 |
Solo: Uso, ocupação e conservação |
Visa analisar se o uso do solo para as
diversas atividades está de acordo com a sua aptidão. |
32 |
Práticas Conservacionistas |
Verifica quais práticas
conservacionistas são adotadas na propriedade. |
Para o Nível de escolaridade, considerou-se a condição
de analfabeto com insustentável e o ensino médio completo ou nível acima deste,
como sustentável, e as formações intermediárias proporcionalmente. Foram
considerados os dados de todos os moradores das propriedades rurais e não
apenas do gestor, ou respondente. Quanto ao Acesso à educação, foi considerado o
acesso à educação das crianças, adolescentes e jovens em idade escolar, bem
como se estão frequentando a escola e se tem acesso a transporte escolar.
Quanto às Condições de saúde e capacidade de trabalho buscou-se
relacionar as condições de saúde à capacidade de trabalho, analisando se
houveram problemas de saúde das pessoas da família em um histórico de três
anos, que as deixaram por mais de 15 dias sem poder trabalhar, e também se há
problemas de saúde que deixaram pessoas permanentemente sem poder trabalhar, e
se isso reduziu as atividades ou que fosse necessário contratar funcionários. Já
o Acesso à Saúde reflete o acesso dos agricultores e seus familiares à atenção
básica em saúde, especificamente, consultas e exames médicos, bem como a
frequência em que são realizados, se preventivamente, acompanhamento de doenças
já diagnosticas ou apenas em caso se emergências.
A Produção de Alimentos analisa a produção de
alimentos na propriedade, para o autoconsumo, com base em uma lista predefinida
dos alimentos mais comuns na região sul do Brasil (carne de frango, carne de
suíno, carne de gado bovino, hortaliças, frutas, ovos, mandioca). Também foi
levantado o Acesso a Bens e Serviços, que verifica, com base em uma lista predefinida,
se a família tem acesso a alguns bens de consumo duráveis e serviços, tais
como: telefonia fixa ou móvel, internet, ar condicionado, televisor, máquina de
lavar roupas, veículo de passeio ou motocicleta, geladeira, microcomputador.
Outro item analisado, no entanto, ouvindo a opinião do
agricultor foi a sua Condição de Moradia e como ele avalia a sua casa. A Satisfação
com o meio rural teve como objetivo verificar qual o nível de satisfação do
agricultor, por estar na condição de produtor rural, em aspectos gerais, de
qualidade de vida, renda, etc. Neste item ele pôde
identificar as alternativas em uma escala Likert de 5 itens, entre totalmente
satisfeito e totalmente insatisfeito.
A Continuidade e Sucessão, analisa a intenção do
produtor na continuidade das atividades e a permanência na agricultura, bem
como a existência e interesse de herdeiros em continuar sendo agricultor.
Produtividade e Rentabilidade são dois indicadores
interligados. Enquanto o primeiro analisa o volume de produção das atividades,
a sua capacidade instalada, a ponto de comparar a produtividade com médias
regionais quando há informações disponíveis (por exemplo, sacas de soja por
área, litros de leite por animal...), o segundo indicador analisa o resultado
financeiro (lucro ou prejuízo) das atividades, ou seja, busca verificar se as
receitas de vendas da produção estão sendo suficientes para pagar os custos
diretos (insumos), e indiretos (manutenção de máquinas e instalações) bem como
se está sendo suficiente para remunerar a mão de obra, seja contratada, ou da
própria família. Avalia-se ainda se num histórico de três anos a produtividade
e rentabilidade vêm melhorando ou piorando.
O indicador Recursos Disponíveis representa os recursos
disponíveis para as atividades rurais, tais como: tamanho da propriedade,
instalações (aviários, chiqueiros, estrebarias), maquinários, culturas
permanentes, açudes. Busca retratar a capitalização da propriedade em bens que
contribuem diretamente com a capacidade de gerar renda. Já no indicador Fluxo
Financeiro, analisa-se a frequência em que há a entrada de recursos financeiros
(mensal, trimestral, semestral), pois muitas vezes a instabilidade financeira
não se explica apenas pela baixa rentabilidade, mas também pela irregularidade
do fluxo financeiro, o que pode causar Endividamento. O intuito deste último indicador
é captar o nível de endividamento relacionado às atividades produtivas e
endividamento pessoal, bem como se já houve necessidade de o produtor se
desfazer de bens para a quitação de dívidas.
No que tange à Contabilidade e Gestão rural o objetivo
foi verificar os hábitos do gestor da propriedade rural em guardar notas e
comprovantes de gastos, se faz controles, mesmo que manuais, dos gastos
relacionados à produção, bem como dos gastos pessoais, se calcula o custo das
atividades, e se faz análises de investimentos.
O Acesso à terra é a condição de acesso à terra e
instalações, que pode ser como proprietário, arrendatário, assentado da reforma
agrária, ou posseiro. Já a Força de trabalho familiar analisa se a mão de obra familiar está sendo suficiente para
manter as atividades instaladas. Se seria possível ampliar as atividades ou se
está insuficiente, necessitando reduzir atividades ou contratar funcionários. E
a necessidade de obter recursos financeiros de outras atividades (ou
aposentadorias) para a subsistência da família é o que retrata o indicador Recursos de outras atividades.
A Qualificação Profissional analisa se os integrantes da família participam de capacitações e
treinamentos, além da frequência que isso ocorre e se em instituições privadas,
cooperativas, instituições públicas ou sem fins lucrativos, enquanto que a Assistência
Técnica verifica se o agricultor recebe assistência técnica para as atividades
rurais e/ou ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural, e se advém de
cooperativas, empresas privadas, ou instituições públicas ou sem fins lucrativos.
Quanto ao Crédito Rural, foi verificado se o produtor
tem acesso e utiliza o crédito subsidiado para o setor. O indicador Autonomia
Gerencial teve como objetivo avaliar a condição do agricultor familiar em poder
decidir o que produzir e como produzir, quais atividades realizar em sua
propriedade. A Integração Cívica verifica se os integrantes da família possuem
documentos pessoais, que os permitam exercer plenamente os direitos de
cidadania, tais como: Certidão de nascimento, Cédula de Identidade, CPF – Cadastro
de Pessoa Física, Título de Eleitor, Certidão de Serviço Militar (no caso de
homens), Cartão do SUS – Sistema Único de Saúde, Carteira de vacinação.
No que se refere ao cumprimento de legislação, três
são os indicadores avaliados: Adequação Jurídica, que verifica se a propriedade
possui a documentação em situação regular (Escritura, contrato de arrendamento
ou similar que conceda plenos direitos de explorar a propriedade, Cadastro no INCRA
– Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Declaração anual ao ITR
– Imposto sobre a propriedade Territorial Rural, Declaração anual de IRPF –
Imposto de Renda de Pessoa Física - quando exigida, Cadastro de Produtor – CAD/PRO,
Nota Fiscal de Produtor, Cadastro Ambiental Rural); Adequação Trabalhista, no
caso de haver funcionários contratados, verifica se os mesmos possuem: a)
registro em carteira de trabalho; b) se a remuneração integral consta na folha
de pagamento; c) se os tributos estão sendo pagos em dia; e d) se os
funcionários têm à disposição os EPIs – Equipamentos de Proteção Individual.
Por fim, a Adequação Ambiental, analisa o cumprimento da legislação ambiental
para a propriedade e para as atividades desenvolvidas, tais como: Mata ciliar,
área de preservação permanente, e licenças ambientais.
Avaliou-se ainda a Disponibilidade de Água,
identificando a fonte de água para o consumo humano e na produção, bem como se
há problema de falta de água; e a Qualidade da Água, no entanto, sendo
considerada apenas a autoavaliação do agricultor, sem a realização de análises
laboratoriais específicas.
O objetivo do indicador Destinação dos Dejetos é
verificar se os dejetos produzidos pelas atividades são armazenados e tratados
de maneira adequada para evitar danos ambientais, e a destinação dos dejetos,
se são reaproveitados ou comercializados.
Quanto ao Uso de Agrotóxicos, buscou-se verificar como têm sido utilizados
herbicidas e inseticidas, se há acompanhamento agronômico ou se há implantação
de técnicas que permitam um manejo integrado ou de agentes biológicos, ou ainda
a adoção total ou parcial da agroecologia e produção orgânica.
Quanto ao Solo: Uso, ocupação e conservação, com base em
imagens de satélite da propriedade, confrontou-se a ocupação do solo (em
especial áreas de agricultura) com a classe de solo, declividade, ou seja, se o
solo pode ser considerado apto para a atividade que está sendo explorada. Analisou-se
ainda as Práticas Conservacionistas, tais como terraceamento, plantio direto na
palha, não revolvimento do solo, plantio em nível, rotação de culturas (em 3
anos), adubação verde, uso de esterco na lavoura, manejo da fertilidade, e balanço
de nutrientes.
Como forma de padronizar os resultados, optou-se por
adotar uma escala de sustentabilidade para mensurar cada uma das variáveis,
atribuindo-se cinco níveis: sustentável (1,00), tendendo para a sustentabilidade
(0,50), transição (0,00), tendendo para a insustentabilidade (-0,50), e insustentável
(-1,00).
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
A análise dos dados mostrou incialmente que todos os
agricultores têm seu sustento proveniente da própria produção rural, têm acesso
a mercados para sua produção, e, em maior ou menor nível, acesso à terra e à
tecnologia, bem como na maioria dos casos geram excedentes (ganhos) da produção
que podem ser utilizados para a capitalização da unidade produtiva. Essas são
as características apontadas para o tipo de agricultura familiar denominada consolidada
- AFC (FAO/BID, 2007).
Verificou-se ainda que dentre os 32 indicadores
avaliados, 24 (75%) estão na faixa entre 0,50 e 1,00, ou seja, Sustentável ou
Tendendo para a Sustentabilidade, como apresenta a Tabela 2.
Tabela 2. Indicadores de Desenvolvimento Rural Sustentável
classificados por melhor escore |
||
|
Indicador |
Média da
avaliação do Indicador |
20 |
Assistência
Técnica |
1,00 |
23 |
Integração
Cívica |
1,00 |
24 |
Adequação Jurídica
|
0,99 |
2 |
Acesso à
Educação |
0,96 |
16 |
Acesso à terra |
0,96 |
28 |
Qualidade da
Água |
0,96 |
27 |
Disponibilidade
de Água |
0,95 |
6 |
Acesso a Bens e
Serviços |
0,90 |
3 |
Condições de
Saúde e Capacidade de Trabalho |
0,83 |
7 |
Condição de
Moradia |
0,83 |
18 |
Recursos de outras
atividades |
0,81 |
Acesso à Saúde |
0,75 |
|
14 |
Endividamento |
0,75 |
29 |
Destinação dos Dejetos |
0,74 |
31 |
Solo: Uso, ocupação e conservação |
0,73 |
10 |
Produtividade |
0,71 |
9 |
Continuidade e Sucessão |
0,69 |
22 |
Autonomia Gerencial |
0,68 |
25 |
Adequação Trabalhista |
0,66 |
12 |
Recursos Disponíveis |
0,62 |
21 |
Crédito Rural |
0,59 |
8 |
Satisfação com o meio rural |
0,57 |
11 |
Rentabilidade |
0,57 |
13 |
Fluxo Financeiro |
0,54 |
32 |
Práticas
Conservacionistas |
0,49 |
Produção de Alimentos |
0,48 |
|
1 |
Nível de Escolaridade |
0,47 |
26 |
Adequação Ambiental |
0,39 |
19 |
Qualificação Profissional |
0,25 |
30 |
Uso de Agrotóxicos |
0,10 |
15 |
Contabilidade e Gestão rural |
0,09 |
17 |
Força de trabalho familiar |
-0,27 |
Analisando os indicadores na ordem que estão dispostos
na Tabela 2, verifica-se que todos têm acesso à assistência técnica (Indicador
20), que as pessoas possuem os documentos que dão acesso à cidadania e a
integração cívica (I23), bem como a documentação jurídica da propriedade rural,
atendendo as exigências legais para a condição de agricultor (I24). No caso da
assistência técnica chama atenção o fato que Scheuer et al. (2018) identificaram esta variável como uma das que
comprometem a sustentabilidade, e ao verificarmos que entre os agricultores
premiados, todos têm acesso a ela, corrobora com as conclusões daqueles
pesquisadores.
Todas as crianças e jovens em idade escolar estão frequentando
a escola, e apenas alguns não utilizam o transporte escolar por conveniência ou
situações particulares, no entanto, está disponível (I2). Quanto ao acesso à
terra (I16), a grande maioria é proprietário e ainda arrendatário, ou apenas
arrendatário com documentação adequada que garante o pleno direito de explorar
a área. Não foram identificados problemas com relação à disponibilidade e
qualidade da água, tanto para o consumo humano, quanto para a utilização na
produção (I27 e I28), situação diferente de outras regiões do país, onde já há
conflitos para o acesso à água em períodos de estiagem (PEREIRA; CUELLAR, 2015).
No que tange o acesso a bens e serviços (I6),
verificou-se que todos tem acesso à internet, energia elétrica, serviço de
telefonia fixa ou móvel, televisor, geladeira, máquina de lavar roupas, forno
elétrico, e veículo de passeio ou moto. Alguns poucos não possuem aparelho de
ar condicionado e microcomputador (mas que hoje, dependendo da finalidade pode
ser substituído por smartphones).
Quanto às condições de saúde e capacidade de trabalho
(I3), a média teve uma avaliação boa (0,83 na escala de -1 a 1), no entanto, há
vários casos de doenças que trouxeram reflexos para as atividades produtivas, e
foram identificadas até situações em que o produtor deixou a atividade em que
foi premiado em função de problema de saúde mais grave. Autoavaliação positiva
(0,83) ocorreu no indicador de condição de moradia (I7). Escore semelhante
(0,81) ao do indicador 18, que demonstra que as propriedades consultadas não
estão dependendo de recursos externos para manter a subsistência da família.
Um grupo de indicadores tiveram avaliações
intermediárias (entre 0,75 e 0,50), que são acesso à saúde (I4), endividamento
(I14), destinação dos dejetos (I29), solo: uso, ocupação e conservação (I31), produtividade
(I10), continuidade e sucessão (I9), autonomia gerencial (I22), adequação
trabalhista (I25), recursos disponíveis (I12), crédito rural (I21), satisfação
com o meio rural (I8), rentabilidade (I11), fluxo financeiro (I13). Dentre esses,
pode-se citar que apesar de em média (que é o foco da análise deste estudo) os
indicadores possam ser considerados bons, ou seja, demonstram uma situação de
tendência para a sustentabilidade, há situações de agricultores com problemas
de sucessão familiar, baixa rentabilidade, endividamento, mau uso do solo (o que
reflete em problemas de erosão) e ainda situações de baixa satisfação com a
condição de estar no meio rural como agricultor.
Enfoque maior na análise foi dado para os indicadores
com os menores escores, pois são os que refletem situação de menor sustentabilidade.
É o caso das práticas conservacionistas (I32), onde foram avaliados o terraceamento,
plantio direto na palha, não revolvimento do solo, plantio em nível, rotação de
culturas (em 3 anos), adubação verde, uso de esterco na lavoura, manejo da fertilidade,
e balanço de nutrientes. Observou-se que poucas propriedades fazem rotação de
culturas, prevalecendo o cultivo apenas de soja e milho, mas há casos em que se
planta apenas milho nas duas safras anuais em função de exigências da
cooperativa integradora. Poucos se utilizam de adubação verde e esterco na
lavoura, mas a grande maioria alega estar adotando a sistemática de plantio
direto, no entanto, necessitando realizar a descompactação do solo com certa
frequência em algumas glebas, podendo assim ser denominado de sistema de
preparo mínimo do solo. Nesse caso os escores menores neste indicador corroboram
com os resultados do estudo de Fuentes (2007) que apontou o sistema de preparo mínimo de solo como
o que apresentou as maiores densidades do solo e valores de resistência à
penetração superficiais, aproximando-se de valores críticos para a
sustentabilidade.
Observou-se também um escore mais baixo no indicador 5
(produção de alimentos), onde foi avaliada a produção de alimentos para o
autoconsumo na propriedade a partir de uma lista predefinida, composta por: carne
de frango, carne de suíno, carne de gado bovino, hortaliças, frutas, ovos,
mandioca. Percebeu-se que no caso de alguns itens da lista, muitos produtores
optam por adquiri-los no supermercado do que os produzir, mas também há
situações em que os produtores são proibidos de criar alguns animais por
questões sanitárias exigidas por empresas integradoras. Para Gazolla e Schneider
(2007) a produção para autoconsumo é importante para as unidades
familiares na medida em que propicia as principais dimensões da segurança
alimentar. Isso se torna mais importante em agricultores familiares de baixa
renda ou em situação de pobreza, no entanto, na agricultura familiar consolidada,
percebeu-se esse baixo nível na produção de alimentos para o autoconsumo.
O nível de escolaridade (I1) também teve uma avaliação
ruim, no entanto, realizando um cruzamento dos dados de escolaridade e idade das
pessoas, percebeu-se que quanto maior a idade, menor o nível de escolaridade, o
que demonstra as dificuldades de acesso à educação que existia em algumas
décadas atrás. As pessoas com ensino médio completo representam 51,2% do total
de pessoas residentes nas propriedades pesquisadas, no entanto, entre os jovens
até 19 anos, 100% possuem esse nível de escolaridade, o que é um bom resultado.
A baixa escolaridade é apontada por Aquino et al. (2016) como fator que limita o desenvolvimento sustentável
entre agricultores familiares pobres. No entanto, quando se verificam baixos
escores também entre os agricultores consolidados, demostra não ser um fator
preponderante para distinguir a AFS da AFC.
Para verificar a adequação ambiental (I26) das
propriedades rurais, foram utilizadas imagens de satélite disponíveis no
software Google Earth Pro, e confrontadas com os dados declarados ao Cadastro
Ambiental Rural (CAR). Percebeu-se que várias propriedades não cumprem o atual
código florestal que se tornou bastante brando para os pequenos produtores. Outros
apesar de cumprirem a legislação no que tange a mata ciliar e reserva legal,
esta última é por vezes fracionada, e por isso não cumpre sua função ambiental,
principalmente a preservação de fauna e flora.
Quanto à qualificação profissional (I19), identificou-se
que os agricultores têm baixa participação em cursos e treinamentos
relacionados às suas atividades produtivas, e quando participam são basicamente
promovidos por empresas privadas ou cooperativas que tem por interesse divulgar
e promover os produtos que comercializam. Poucos produtores participam de qualificações
promovidas por entidades públicas ou sem fins lucrativos. Estes resultados
corroboram com as conclusões de Scheuer et al. (2018).
Verificou-se ainda que o uso de agrotóxicos (I30) tem
sido uma situação delicada para os produtores rurais. Ao mesmo tempo, considera-se
que a agricultura orgânica é a melhor alternativa (ZONIN; BRANDENBURG,
2012; FARIA, 2014), há de se admitir que o uso racional e com acompanhamento
agronômico dos agrotóxicos não é totalmente insustentável. Entretanto, podem-se
identificar situações em que o produtor rural é coagido a adquirir já antes do início
do plantio, um “pacote safra” que contempla as sementes, fertilizantes, mas também
herbicidas, fungicidas e demais pesticidas. Com isso o produtor acaba
adquirindo os agrotóxicos mesmo sem saber se precisará aplica-los durante o
cultivo. Também há casos em que não são seguidas as normas agronômicas para a
análise e prescrição de dosagem, como denuncia o ministério público do RS (MARTINI, 2015). Esta é uma situação crítica que merece atenção
especial, tanto de produtores quanto do poder público, principalmente no que
tange à proteção da saúde dos agricultores, pois no contexto da agricultura
familiar, o agricultor tende a subestimar os dados sobre exposição ocupacional
aos agrotóxicos e sobre intoxicações, por outro lado, tende a superestimar as
informações sobre o uso de medidas de proteção (FARIA et al., 2004).
A contabilidade e gestão rural (I15) foram mal
avaliadas nas propriedades, pois ressalvadas algumas exceções, os produtores
não têm o hábito de realizar controles financeiros de gastos pessoais nem de
gastos relacionados à produção. Como consequência, quando ocorre escassez de
recursos financeiros, encontram dificuldades em saber se são problemas
relacionados à produção, pois não conseguem calcular os custos de produção. Há
dificuldades também para realizar o planejamento das atividades e análises dos
investimentos. Enfim, a falta de controle reduz a qualidade da gestão.
Resultados convergentes foram constatados por Hofer et al. (2011) que verificaram ainda que há uma resistência muito
grande para adotar a contabilidade como ferramenta de gestão entre pequenos e
médios agricultores.
Por fim, o indicador com a menor avaliação foi a Força
de trabalho familiar (I17). Nesse indicador é avaliado se a quantidade de
integrantes da família trabalhando nas atividades produtivas é suficiente para
mantê-las ou há necessidade de reduzir atividades, dado o avanço da idade das
pessoas e a falta de sucessores. É um indicador importante, pois pode refletir
a necessidade do agricultor deixar o campo por falta de mão de obra, como
evidenciam Hein e Silva (2019). No entanto, em propriedades maiores, com mais
Recursos Disponíveis, retratado pelo Indicador 12 (tamanho da propriedade,
instalações, maquinários, culturas permanentes, açudes), ou seja, propriedades
mais capitalizadas e que possuem produção em escala maior, há a possibilidade e
viabilidade de contratação de mão de obra externa de forma permanente, e são
rentáveis a ponto de remunerar adequadamente os funcionários e os
proprietários.
Assim, na agricultura familiar consolidada, a escala
de produção é que determina a viabilidade econômica, pois não havendo mais
força de trabalho familiar (por envelhecimento, doenças, falta de sucessão, etc) contratam-se funcionários. Já na agricultura
familiar de subsistência, que possui escalas de produção menores, há pouco capital natural, e o produtor rural
não consegue gerar excedentes econômicos das atividades agropecuárias
suficientes à sua reprodução social de forma digna (AQUINO et al., 2016).
Isto posto, apresentados os resultados deste estudo, ficaram
evidenciados bons indicadores de desenvolvimento rural sustentável na amostra analisada,
no entanto, pode-se verificar que de maneira geral identificaram-se
divergências com os resultados obtidos por Fortini et al. (2016) que ao analisarem indicadores de desenvolvimento
rural em 17 municípios mineiros, identificaram níveis baixos de desenvolvimento
rural, e apontaram a necessidade de atuação do governo em todas as dimensões
analisadas para que um número maior de agricultores familiares alcance níveis
de desenvolvimento rural mais elevados. Para os autores, os indicadores podem
fornecer informações para decisões sobre políticas públicas e indicar a
necessidade de efetiva atuação governamental – seja concedendo subsídios,
incentivos, crédito e assistência técnica – de modo a consolidar o
desenvolvimento rural.
Divergem parcialmente também dos resultados do estudo
de Scheuer et al. (2018) que analisaram a sustentabilidade de 46 pequenos
produtores rurais do Estado do Mato Grosso, e verificaram uma sustentabilidade
comprometida devido, principalmente, a carência de assistência técnica,
transferência de tecnologias, formação escolar, capacitação rural, etc., embora
apresentaram variáveis que potencializaram a sustentabilidade.
Embasada na abordagem das capacitações de Amartya Sem,
e utilizando uma metodologia de indicadores com três dimensões: fatores,
características e efeitos do desenvolvimento, para calcular o ICV – Índice de
Condição de Vida dos agricultores, Perafán e Walter (2016) analisaram dados de mais de 10.000 famílias em 37
territórios rurais do país e identificaram dentre as características do
desenvolvimento, que as piores avaliações foram sobre renda familiar,
diversificação da produção agrícola e diversificação das fontes de renda
familiar.
Tais divergências nos indicadores de desenvolvimento
rural sustentável em diferentes tipos ou níveis de agricultores familiares, possui
relação com o nível de acesso ao capital natural e as formas de organização
produtiva. O estudo de Stoffel (2004) aponta que diferentes formas de organização produtiva
apresentam potencialidades e obstáculos diferenciados à sua viabilidade, o que
determina maior ou menor desempenho socioeconômico na agricultura familiar.
Confrontando os resultados deste estudo que pesquisou
a agricultura familiar consolidada (AFC), com outros que abordaram a agricultura
familiar de subsistência (AFS), ou seja, produtores rurais pequenos e/ou em
situação de pobreza (SCHEUER et al., 2018), (AQUINO; GAZOLLA;
SCHNEIDER, 2016) e (AQUINO; GAZOLLA;
SCHNEIDER, 2018), as seguintes variáveis mostraram-se discrepantes nos
dois grupos: a) Assistência Técnica: é uma carência para aqueles em situação de
pobreza, enquanto que entre os premiados, todos têm acesso, mesmo que por meio
de empresas integradoras; b) Recursos de outras atividades: na AFS há uma dependência
por recursos de outras fontes de renda (part-time)
ou aposentadorias para manter a subsistência da família, na AFC as próprias atividades
produtivas rurais conseguem manter o sustento; c) Rentabilidade das atividades
produtivas: apontada como uma deficiência na AFS, na AFC verificou-se que as
atividades são rentáveis a ponto de cobrir os custos de produção, remunerar a
mão de obra familiar e a contratada (quando há), e em muitos caso gerando
sobras para investimentos; d) Sucessão familiar: um desafio para a agricultura
familiar em geral, a manutenção dos filhos nas atividades rurais avaliada neste
estudo pelo indicador Continuidade e Sucessão, apresentou bom escore (0,69) no
entanto, na AFS, é apontado como um limitador do desenvolvimento rural sustentável.
Dadas as diferenças metodológicas e amostrais entre
este estudo e os estudos comparados a ele, não é possível estabelecer relações
estatísticas entre as variáveis, portanto, sugere-se para estudos futuros
utilizar uma mesma metodologia e aplica-la tanto para agricultores da AFS como
AFC para avançar na identificação dos fatores determinantes para distinguir os
dois grupos.
CONCLUSÕES
Os produtores rurais do município de Marechal Cândido Rondon,
premiados pelo Prêmio Produtor Destaque são classificados como integrantes da Agricultura
Familiar Consolidada pois têm seu sustento
proveniente da própria produção rural, têm acesso a mercados para sua produção,
e, em maior ou menor nível, acesso à terra e à tecnologia, bem como na maioria
dos casos geram excedentes (ganhos) da produção que podem ser utilizados para a
capitalização da unidade produtiva. Os produtores apresentam bom nível de desenvolvimento
rural sustentável, com indicadores (75%) apontando para condição de sustentável
ou tendendo para a sustentabilidade.
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