Sistemas Agroflorestais como geração de renda complementar para pescadores do Lago de Tucuruí, Pará

 

Agrofrestry systems as a complementary income generation for fishermen in Lake Tucuruí, Pará, Brazil

 

Sistemas Agroforestales com una generación complementaia de ingresos para los pescadores em el lago Tucuruí, Pará, Brasil

 

Anderson Borges Serra1, Letícia Sousa Matos2, Alessand Marinho de Oliveira3

 

1Professor em Ciências Agrárias, Mestre em Agricultura Familiar, Doutor em Ciências Naturais, Universidade Federal do Pará, Altamira, Pará; +55 93 991530805, serraok@hotmail.com;2Engenheira Florestal, Universidade Federal do Pará, Tucuruí, Pará; leticiasousamattos@gmail.com; 3Engenheira Florestal, Universidade Federal do Pará, Tucuruí, Pará; alessandmarinho2014@gmail.com.

 

Recebido: 19/11/2019; Aprovado: 08/06/2020

 

Resumo: Sistemas agroflorestais são formas de uso da terra que combinam espécies arbóreas lenhosas com cultivos agrícolas e/ou animais, de forma simultânea ou em sequência temporal, em interação econômica e ecológica. Agricultores familiares na Amazônia beneficiam-se de ganhos econômicos e ecológicos ao manejarem diversos arranjos produtivos em sistemas agroflorestais, sendo, portanto, uma referência de estímulo a esta pesquisa que buscou identificar e analisar sistemas agroflorestais com potencial de geração de renda para pescadores artesanais que sofrem com forte redução da renda nos meses do ano em que estão submetidos a restrições para a pesca, época conhecida como período de defeso. A pesquisa foi fundamentada em estudo de caso com questionário semiestruturado e visita ao campo baseado na metodologia “bola de neve”. Durante a pesquisa foram observadas dez experiências de SAFs, e entre eles dois sistemas foram considerados promissores para os pescadores porque proporcionam significativo incremento de renda no período do desejo, como também é são sistemas com exigência de manejo (mão-de-obra e conhecimento), adequado as condições locais dos pescadores. Tais sistemas são o “Cacaueiro em Sistema Cabrunca” e “Açaizeiro em Quintal Agroflorestal”, respectivamente com renda de R$ 8.530,40/ano e R$ 10.215,00/ano.

 

Palavras-chave: Sistemas Agroflorestais; Sistema cabruca; Pescadores artesanais; Agricultura familiar; Quintal agroflorestal.

 

Abstract: Agroforestry systems are forms of land use that combine woody tree species with agricultural crops and / or animals, simultaneously or in time, in economic and ecological interaction. Family farmers in the Amazon benefit from economic and ecological gains when managing various productive arrangements in agroforestry systems, being, therefore, a reference for stimulating this research that sought to identify and analyze agroforestry systems with potential income generation for artisanal fishermen who suffer with a sharp reduction in income in the months of the year when they are subject to restrictions on fishing, a time known as the closed season. The research was based on a case study with a semi-structured questionnaire and field visits based on the “snowball” methodology. During the research, ten SAF experiences were observed, among which two systems were considered promising for fishermen because they provide a significant increase in income in the period of desire, as are systems with management requirements (labor and knowledge). , appropriate to the local conditions of fishermen. Such systems are "Cacaueiro em Sistema Cabrunca" and "Açaizeiro em Quintal Agroflorestal", respectively with income of R $ 8,530.40/year and R $ 10,215.00/year.

 

Keywords: Agroforestry Systems; Cabruca System; Artisanal Fishermen; Family Farming; Agroforestry Yard.

 

Resumen: Los sistemas agroforestales son formas de uso del suelo que combinan especies arbóreas leñosas con cultivos agrícolas y / o animales, simultáneamente o en el tiempo, en interacción económica y ecológica. Los agricultores familiares en la Amazonía se benefician de las ganancias económicas y ecológicas cuando gestionan diversos arreglos productivos en los sistemas agroforestales, siendo, por lo tanto, una referencia para estimular esta investigación que busca identificar y analizar sistemas agroforestales con una posible generación de ingresos para los pescadores artesanales que sufren con una fuerte reducción en los ingresos en los meses del año cuando están sujetos a restricciones en la pesca, una época conocida como la temporada cerrada. La investigación se basó en un estudio de caso con un cuestionario semiestructurado y visitas de campo basadas en la metodología de "bola de nieve". Durante la investigación, se observaron diez experiencias SAF, y entre ellas dos sistemas se consideraron prometedores para los pescadores porque proporcionan un aumento significativo en los ingresos en el período de deseo, al igual que los sistemas con requisitos de gestión (mano de obra y conocimiento). , adecuado a las condiciones locales de los pescadores. Dichos sistemas son "Cacaueiro em Sistema Cabrunca" y "Açaizeiro em Quintal Agroflorestal", respectivamente, con ingresos de R $ 8.530,40/año y R $ 10.215,00/año.

 

Palabras clave: Sistemas agroforestales; Sistema Cabruca; Pescadores artesanales; Agricultura familiar; Patio agroforestal.

 

INTRODUÇÃO

 

Sistemas Agroflorestais (SAFs) são formas de uso da terra na qual se combinam espécies arbóreas lenhosas (frutíferas e/ou madeireiras) com cultivos agrícolas e/ou animais, de forma simultânea ou em sequência temporal, em interação econômica e ecológica (EMBRAPA, 2011). Os SAFS podem apresentar várias disposições em espaço e tempo e são altamente dinâmicos em termos de interação entre seus componentes, principalmente nos primeiros anos de implantação (BRANT et al., 2015).

Com implantação e manejo bem feito, os SAFs proporcionam benefícios ambientais como a recuperação e proteção do solo e de mananciais, otimização do espaço e dos recursos ambientais disponíveis, conforto ambiental, proteção da biodiversidade, diminuição da incidência de pragas e doenças e, adicionalmente, benefícios socioeconômicos entre os mais relevantes o aumento das chances de obtenção de renda, devido a diversificação da produção de alimentos e também melhores condições de trabalho em consequência de um ambiente mais ameno para o trabalho na agricultura (FERREIRA; COELHO, 2015).

Os SAFs são apontados como uma alternativa promissora para a agricultura familiar devido as condições produtivas e ambientais de tais produtores. Agricultura familiar é um meio de organizar a produção agrícola, silvícola, pesqueira, pastoral e aquicultura, gerida por uma família e dependente de mão-de-obra predominantemente desta mesma família. A família também é detentora da posse da terra (LAMARCHE, 1999; FAO, 2014). Existe uma grande diversidade de agricultores familiares na Amazônia brasileira, reflexo dos diferentes contextos a que estão submetidos. Contudo, é possível categorizar os agricultores familiares em três grandes grupos, a saber; a) Colonos; b) Extrativistas e c) Pescadores. Os colonos realizam principalmente agricultura permanente com cultivos e criações de animais, com pouca participação de atividades extrativas para geração de renda e alimentação. Os extrativistas têm condição contrária, baseiam-se majoritariamente na coleta de produtos da floresta para gerar renda e alimento familiar, mas também praticam agricultura, sobretudo de ciclo curto. Normalmente esses dois tipos tempo pouco ou nenhuma atividade de pesca contribuindo para a reprodução socioeconômica familiar. Por outro lado, os pescadores, como o nome mesmo sugere, realizam a pesca como base da renda e alimentação familiar, e somente complementarmente, atividades agrícolas e coleta de produtos da floresta proporcionam renda e alimentação aos familiares (POKORNY et al., 2010).

Os pescadores ocupam vastas áreas da bacia amazônica e contribuem significativamente para a economia local principalmente de pequenas cidades, devido a grande diversidade e expressivo estoque de recursos pesqueiros dos rios Amazônicos. Entretanto, a dependência dos recursos pesqueiros impõe aos pescadores estarem sujeitos as regulamentações relativas à manutenção dos estoques pesqueiros em níveis sustentáveis, que é o caso do defeso (ALMEIDA, 2016).

O defeso é um mecanismo imposto por força de lei federal (BRASIL, 2003) que impõe restrições a pesca por quatro meses a cada ano para que os peixes possam reproduzir-se, mais precisamente de novembro a fevereiro. No referido período, os pescadores ficam proibidos de pescar sob pena de sofrerem sanções penais que vão desde a apreensão de seus equipamentos de pesca, pagamento e multa e em casos extremos até a prisão.

Ainda que o defeso seja um consenso no meio acadêmico como necessidade de manutenção dos estoques pesqueiros, é uma medida controversa e altamente impactante para os pescadores haja vista que tem reflexo direito no principal meio de geração de renda dos mesmos. Iniciado o período de defeso, ocorre imediata e significativa redução na renda dos pescadores, que em geral não conseguem suprir carência na renda devido as escassas opções de emprego nas áreas rurais e problema na implementação do pagamento do seguro defeso, uma espécie de compensação financeira concedida pelo governo aos pescadores no período do defeso. É comum que o pagamento do seguro defeso atrase ou não atenda a todos os pescadores devido a problemas burocráticos em sua implementação. Neste contexto, ainda que sob risco de sofrer com as sanções previstas, muitos pescadores praticam ilegalmente a pesca no período do defeso, comprometendo a manutenção dos estoques de peixes de sua principalmente de renda no médio e longo prazo (IBAMA, 2011).

Diante deste impasse, os sistemas agroflorestais são vistos como potencial de geração de renda para o período do defeso, sobretudo porque os pescadores são moradores de ilhas e margens dos rios, onde exerce agricultura em pequena escala em meio a gestão de floresta em regeneração ou nativa, ambiente favorável ao estabelecimento de práticas baseadas na agroflorestal. É pelo exposto que o propósito deste trabalho é investigar o potencial de SAFs para geração de renda a pescadores no período do defeso.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Área de estudo.

O Lago de Tucuruí é uma formação artificial criada pela construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí no rio Tocantins. Possui dimensão de 2.430 km2, e é composto de 1.600 ilhas. É constituído por três Unidades de Conservação que formam o Mosaico de Unidades de Conservação (UC) do Lago de Tucuruí. Neste mosaico, a principal UC é uma Área de Proteção Ambiental (APA) (503.490,00 ha), e a duas Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), a Alcobaça (36.128 ha) e Pucuruí-Ararão (29.049,00 ha). Devido a expressiva extensão territorial, tais unidades de conservação fazem parte do território de Tucuruí e outros vários municípios (Breu Branco, Goianésia do Pará, Jacundá, Novo Repartimento, Nova Ipixuna e Itupiranga), fazendo com que deem nome de região de Integração do Lago de Tucuruí, o que atesta importância socioeconômica e ambiental do lago de Tucuruí (CANTO et al., 2017).

 

Figura 1. Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça no Mosaico de Unidades de Conservação do lago de Tucuruí, Pará.

Fonte: SEMAS-PA (2019)

 

No lago de Tucuruí os tipos de solos de predominância na área são os podzólicos vermelhos e amarelos e os latossolos vermelhos e amarelos. Portanto com potencial para implantação de SAFs com cultivos perenes e anuais, respectivamente nos solos vermelhos e amarelos. O clima está classificado como clima tropical de altitude equatorial em toda a faixa de extensão da bacia Tocantins-Araguaia, com variações médias entre 24° e 28°C predominante no sentido sul/norte da bacia até imediações do Baixo Tocantins. Essa região apresenta uma relativa regularidade climática, caracterizada por estações com pequenas variações anuais na distribuição das temperaturas, da velocidade dos ventos, da umidade do ar, da insolação e da evaporação. As precipitações distribuem-se ao longo do ano em períodos secos de maio a novembro e chuvosos de dezembro a abril, características também propícias a implantação de sistemas agroflorestais.

A região tem vasta presença de florestas nativas, mas principalmente florestas secundárias e fragmentadas, devido a formação das inúmeras ilhas do lago artificial. Ainda assim, tem rica biodiversidade, composta por espécies de animais de médio e pequeno porte como mamíferos, répteis e aves. Essa condição pode ser considerada fator de potencialidade para a exploração sustentável, uma vez que a população local depende dos recursos da floresta para sua sobrevivência.

A flora nativa é típica de mata amazônica densa, alta e fechada, também pressupondo potencial para implantação de SAFs como prática produtiva. Com árvores que chegam aos 50m de altura, como as Samaumeiras (Ceiba pentandra (L) Gaerth.), a floresta existe na região do lago de Tucuruí é farta em espécies de alto valor para indústria química, farmacêutica e de cosméticos, como: O Cumaru (Dipteryx odorata (Aubl.) Willd, a Copaíba (Copaifera reticulata Ducke) amplamente utilizada pelas propriedades medicinais inerentes ao óleo (bálsamo) e o Cedro (Cedrela odorata L.) cuja casca e o óleo retirado das sementes tem aplicações medicinais. Inúmeras espécies de grande porte consideradas nobres e amplamente utilizadas na construção civil também são encontradas no lago de Tucuruí, como o Acapú (Vouacapoua americana. Aubl), o Ipê Amarelo (Tabebuia serratifolia (Vahl) G. Nicholson), o Angelim Pedra (Hymenolobium spp.), o Angelim Vermelho (Dinizia excelsa), dentre outras. A mata também dá espécies frutíferas de extrema importância para a população que faz a coleta dos frutos para compor sua dieta alimentar e promoção de renda. Dentre os frutos, destacam-se: o Bacuri (Platonia insignis Mart.), a Bacaba (Oenocarpus bacaba Mart.), o Cacau do mato (Theobroma cacao L.) e a Castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa Bonpl.), todos estas amplamente adotados em SAFs existentes em outras regiões Amazônicas (PARÁ, 2014).

Os recursos pesqueiros mais utilizados para alimentação e geração de renda dos pescadores são Curimatãs (Prochilodus lineatus), Pescada Branca (Cynoscion leiarchus), Tambaquis (Colossoma macropomum), Surubim (Pseudoplatystoma corruscans), Tucunarés (Cichla ocellaris) e Maparás (Hypophthalmus edentatus). Todas elas atingidas por medidas de defeso (PARÁ, 2014).

 

Levantamento e análise dos dados

A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2019. Realizou-se pesquisa de campo para levantamento de dados primários posteriormente a revisão de literatura e consulta a documentos oficiais que discorressem sobre o tema e dados relacionados a pesquisa. Parte significativa dos dados foram conseguidos junto ao órgão público estadual responsável pela gestão das UCs do Lago de Tucuruí, o Instituto de Desenvolvimento das Florestas e Biodiversidade do Pará (IDEFLOR-Bio).

O embasamento da pesquisa se inicia quando dois dos três autores obtiveram acesso a informações, enquanto realizavam estágio supervisionado dentro do órgão gestor, que proporcionou o contato com pescadores do Lago de Tucuruí e conhecer a realidade vivida pelos mesmos no período de defeso.

Após análise das informações disponibilizadas pelo IDEFLOR, iniciou-se entrevistas com lideranças dos pescadores do Lago. As lideranças foram consideradas informantes-chaves para escolha da área especifica a ser estudada e as próximas famílias a serem entrevistadas (HANDCOCK et al., 2011). No total 20 famílias foram selecionadas (Figura 2) pelos informantes-chaves de maneira que representassem a diversidade ecológica da área, os diferentes tipos de solos, áreas com forte presença de mata nativa e mata secundária, e dedicação mais expressiva a cultivos (anuais ou perenes) ainda que sejam predominantemente pescadores ou pescadores com quase nenhuma atividade de cultivo, tendo renda quase que exclusivamente da pesca.

 

Figura 2. Localização das propriedades dos entrevistados e locais de visita no campo na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça no Mosaico de Unidades de Conservação do lago de Tucuruí, Pará.

 

As famílias foram visitadas para aplicação de questionários semiestruturados, com perguntas para retratar suas atividades de pesca e cultivos. As visitas contaram com registro fotográfico da propriedade rural e da produção agrícola da família. Todos os cultivos feitos pelos pescadores foram descritos, com indicação de volume e destino da produção, local de venda, renda bruta e líquida obtida, tempo de produção, vantagens e desvantagens em termos de mão-de-obra, armazenamento e transporte da produção.

Os arranjos produtivos de SAFs encontrados foram descritos, considerando espécies principais, preparo e manejo da área, espaçamento, manejo de diversidade e densidade das espécies. Para serem classificados como Safs foram definidos cinco critérios (JUNQUEIRA et al., 2013), a saber; 1) terem expressiva demanda de consumo no mercado local de Tucuruí; 2) proporcionar renda preferencialmente nos meses do defeso da pesca; 3) serem plantas já desenvolvidas pelos pescadores em suas propriedades rurais e 4) plantas adaptáveis aos sistemas agroflorestais de tipo sucessional (MICCOLIS et al., 2016).

A renda prevista com a implementação dos Sistemas Agroflorestais foi obtida considerando o valor da renda familiar atualmente alcançada pelos entrevistados em um ano agrícola, somado ao valor estimado de renda obtido com a produção prevista dos Safs a partir do quinto ano de implementado, tanto o SAF tendo o cacaueiro como atividade principal, como tendo o açaizeiro como atividade principal.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Os cultivos dos pescadores

Apesar de a principal atividade econômica do Lago de Tucuruí ser a pesca artesanal, foi possível observar com os resultados que uma parte dos pescadores tem cultivos considerados como Safs. Os mais comuns são os cultivos anuais, como o milho (Zea mays), feijão (Phaseolus vulgaris), mandioca (Manihotes culenta), macaxeira (Manihot palmata), abóbora (Cucurbita spp), melância (Citrullus lanatus) e pelo menos cinco outras verduras e legumes, escolhidos porque são de ciclo curto.

Esses cultivos são principalmente para o consumo familiar e servem para alimentação de pequenos animais como galinha e porcos, e também para incremento de renda, sobretudo a mandioca que serve para produção de farinha, e a macaxeira vendida in natura ou usada para produção de maniçoba. Os cultivos encontrados junto a esses pescadores confirmam trabalhos já realizados que atestam a produção voltada, sobretudo para autoconsumo e mercado local feita por pescadores da Amazônia, o que tem a ver com a área que ocupam, normalmente pequenas, mas também com a prática principal da família que é a pesca artesanal (SILVA; SIMONIAN, 2015).

As limitações de geração de renda dos cultivos geralmente encontrados junto com os pescadores impõe uma indesejável condição de vulnerabilidade socioeconômica agravada pelo fato de que são famílias que baseiam-se principalmente na pesca como fonte de renda, assim como já descrito por Ferreira (2016), e que na impossibilidade de pescarem no período do defeso, ou são infratores da lei e geram problemas para médio e longo prazo com sua principal fonte de renda, a pesca, devido a pesca predatória inviabilizar a reprodução dos peixes, ou passam à condição de grave problema social, sobretudo com algum nível de insegurança alimentar, podendo chegar a condição de fome crônica, como descrito por pescadores entrevistados nessa pesquisa.

Os pescadores desenvolvem culturas perenes em suas propriedades, mas com pouco potencial para incrementar a renda no período do defeso, entre as quais as mais comuns estão a pimenta do reino (Piper nigrum. L.), o coco (Cocos nucifera L.), e a tangerina (Citrus reticulata), que adicionalmente tem restrições para SAFs sucessionais devido à necessidade de iluminação na fase de crescimento vegetativo e sobretudo produção de frutos. Plantas perenes e semiperenes, que atendem aos princípios aqui definidos para implementação dos Safs, também foram encontradas. Nem todos os pescadores mantêm todos os cultivos (é mais comum até três desses), assim como cultivos em quantidade expressiva (acima de 50 indivíduos) (Tabela 1).

 

Tabela 1. Espécies com potencial para SAFs regenerativos de pescadores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça no Mosaico de Unidades de Conservação do lago de Tucuruí, Pará.

Produto

Nome científico

Meses do ano

Período de Pesca

Período de Defeso

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Jan

Fev

Açaí

Euterpe oleácea Mar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Banana Prata

Musa sp.

 

 

 

 

Cacau

Theobroma cacao L.

 

 

 

 

Caju Anão

Anacardiumoccidentale L.

 

 

 

Cupuaçu

Theobroma grandiflorum (Willd. Ex Spreng.) K. Schum.

 

 

 

 

Goiaba Vermelha

Psidiumguajava L.

 

 

Limão Taiti

Citrus limonum (Christm.)

 

 

 

 

 

Manga Rosa

Mangifera indica L.

 

 

 

 

Pupunha

Bactrisgasipaes Kunth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: CEPLAC (2019); EMBRAPA (2005); ÁRVORES DO BRASIL (2019); EMBRAPA (2012); LIMA (2014); Mouco; Albuquerque (2005), Dantas et al. (2013); RAMOS et al., (1996).

 

As plantas consideradas como potencial de melhoria de renda para os pescadores são cultivadas em quintais agroflorestais ou sistema cabruca. Os Quintais agroflorestais são um tipo de SAF caracterizado por serem áreas destinada ao plantio de um conjunto de espécies de plantas, como fruteiras, palmeiras, ornamentais, além de cultivos alimentares e criação de animais domésticos, geralmente localizado em torno da casa dentro de uma propriedade rural (EMBRAPA, 2011). O sistema cabruca também é um tipo de SAF considerado de forte interação ecológica tendo o cacau como o componente principal (LOBÃO et al., 2004).

O tamanho dos SAFs implantados pelos pescadores tem pouca variação (1/2 a 3 ha). O uso de sementes e mudas coletadas com vizinhos, a não utilização de tecnologias para correção de fertilidade do solo ou irrigação, a não aplicação de adubos e fertilizantes sugerem que os Safs foram implantados sem grandes investimentos econômicos. Adicionalmente, os SAFs são implantados no decorrer 3 a 10 anos, tempo em que são considerados importantes na renda e segurança alimentar. Em algumas situações, alguns pescadores continuam expandindo sua produção de Safs, em um contínuo que começa na propriedade do pescador e avança sobre o remanescente de floresta. 

Outra característica da implantação de Safs pelo pescador é o uso da mão-de-obra familiar no período do defeso, ou no período da pesca entre uma ida e outra ao rio para pescar, indicando ser uma atividade feita dentro das condições que dispõem os pescadores, aspecto já descrito pela literatura como imprescindível para adoção de sistemas agroflorestais por parte de agricultores familiares (GOULART et al.,  2016).

Foram encontradas 13 espécies de árvores nativas (Tabela 2) usadas para diversos fins, com medicinal, construção de barcos e casas, e também para lenha de uso doméstico e produção de farinha e maniçoba. Tais espécies são dispostas aleatoriamente nos SAFs, normalmente porque são regeneradas da vegetação nativa, ou porque foi de interesse do pescador implanta-las para fazer sombreamento as demais plantas, levando a um padrão de disposição das árvores de forma aleatória. São plantas geralmente encontradas em baixa quantidade por hectare (<5 unidades), tornam o sistema diverso em espécies, contribui para o sombreamento permanente dos cultivos e são eventualmente aproveitados para diversificar a renda com a coleta de frutos como a castanha-do-Pará, produção de óleo da andiroba e venda para fins diversos.

 

Tabela 2. Espécies florestais manejadas por pescadores e principal uso na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça no Mosaico de Unidades de Conservação do lago de Tucuruí, Pará.

Nome popular

Nome científico

Uso

Acapu

Vouacapoua americana Aubl.

Cerca e construção civil

Amarelão

Apuleialeio carpa (Vogel) J.F.Macbr.

Construção de barcos

Aroeira

Myracrodruonurundeuva Fr. All.

Construção e Medicinal

Castanha do Pará

Bertholletia excelsa Bonpl.

Coleta do fruto e Construção civil

Copaíba

Copaifera langsdorffii Desf.

Medicinal

Cumaru

Dipteryxo dorata (Aublet.) Willd.

Medicinal

Ipê Amarelo

Handroanthus albus (Cham.)

Construção civil e manutenção de barcos

Itauba

Mezilaurus itauba (Meisn.) Taub

Construção de barcos

Jatobá

Hymenaea sp.

Construção civil, embarcação e medicinal

Parapará

Jacaranda copaía (Aubl.) D. Don.

Lenha e construção

Piquiá

Caryocarvil losum (Aubl.) Pers.

Construção de barcos

Sucupira

Pterodon emarginatus (Benth.)

Construção de barcos

Tatajuba

Byrsonima sp.

Construção civil e Medicinal

 

Essências florestais mostram-se promissoras como forma de geração de renda para famílias de agricultores na Amazônia, especialmente porque ao passo que vem aumentando a demanda por esses produtos nos diversos mercados, mas sobretudo local, tem ocorrido queda significativa em áreas florestadas, sobretudo em áreas de floresta nativa (HOMMA et al., 2014).

 

A demanda local por produtos dos SAFs dos pescadores.

No total 21 cidades fornecem cultivos para o mercado local de Tucuruí, muitas delas possuem distâncias consideráveis da cidade, o que tem sido apontado pela literatura como uma das causas da elevação de preços e até da perda de qualidade dos alimentos, tendo vista o longo período em que são armazenadas para serem transportados (WAQUIL et al. 2010). Além disso embora haja produção dos pescadores, indica que eles não conseguem abastecer o mercado local, em sua maioria realizando apenas venda esporádica e em pequena escala para vizinhos e as vezes para própria família.

As frutas tem importância fundamental numa alimentação saudável e devem ser consumidas diariamente. Elas fornecem vitaminas, minerais, diferentes fibras alimentares, compostos protetores que ajudam a regular o organismo e antioxidantes que são nutrientes essenciais na proteção das células. Em conjunto, estes nutrientes têm propriedades protetoras que fazem das frutas um alimento vital. Considerando a produção local de frutas e a capacidade de redução de preços, devido ao aumento de concorrência e menores custos de transporte, o incremento da produção de frutas pelos pescadores da RDS Alcobaça, favorecerá o maior acesso a alimentação saudável para a população local de Tucuruí e região. Um dos principais fatores socioeconômicos que limitam o acesso a frutas é a baixo nível de renda de parte significativa das famílias no Brasil, haja vista que em muitos contextos várias frutas tem preços considerados elevados por grande parte da população (SILVA et al., 2015).

 

Os sistemas agroflorestais propostos para os pescadores

Os sistemas agroflorestais (SAFs) propostos para os pescadores além de atenderem aos pré-requisitos já anunciados, ter uma espécie como cultivo principal, são diversificados e levam em consideração um maior adensamento de espécies dos cultivos em meio às árvores já presentes na área ou que eventualmente sejam plantadas. A ideia de um cultivo principal é para que ele possa ter um significativo incremento de renda aos agricultores. No caso em questão, escolheu-se o cacaueiro e o açaizeiro, sendo o cacaueiro a ser implementado em sistema cabruca e o açaizeiro em quintal agroflorestal (Figura 3).

O cacau e o açaí, são produtos com forte valorização do preço pagos aos agricultores e crescente demanda no mercado nacional e internacional (ZUGAIB; BARRETO, 2015; NOGUEIRA; SANTANA, 2016). A proposta de SAFs diversificados baseia-se no pressuposto de que os pescadores terão maiores opções para inserção da produção nos mercados, ficarão mais protegidos de variações no preço dos produtos, além de eventuais pragas e doenças que possam acometer alguns dos cultivos, aspectos já descritos na literatura sobre SAFs (PALUDO; COSTABEBER, 2012). Os SAFs propostos estão abaixo relacionados e baseiam-se em implantação de dois hectares em SAF, com previsão de produção e renda bruta por ano prevista para os pescadores (Tabela 3).

 

Figura 03: Sistemas agroflorestais propostos tendo como componente principal o cacaueiro (A) e o açaizeiro (B).

 

Tabela 3. Sistemas agroflorestais propostos para os pescadores da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Alcobaça no Mosaico de Unidades de Conservação do lago de Tucuruí, Pará.

SAF 1 - Cacaueiro no “Sistema Cabruca

Espécie

Nome Científico

Densidade

Produção/ Planta (kg)

Produtividade/ ano (kg)

 Preço do kg

(R$)

 Receita bruta/ano

Cacau

Theobromacacao L.

200

0,9

180

12,00

 R$    2.160,00

Banana Prata

Musa sp.

80

10,44

835,2

2,00

 R$    1.670,40

Cupuaçu

Theobroma grandiflorum (Willd. Ex Spreng.) K. Schum.

25

10

250

2,00

 R$        500,00

Limão Taiti

Citrus limonum (Christm.)

20

50

1000

3,00

 R$    3.000,00

Pupunha

Bactris gasipaes (Kunth)

60

4

240

5,00

 R$    1.200,00

Total

 R$    8.530,40

SAF 2 - Açaizeiro em “Quintal Agroflorestal”

Espécie

Nome Científico

Densidade

Produção/ Planta (kg)

Produtividade/ ano (kg)

 Preço do kg

R$

 Receita bruta/ano

Açaí

Euterpe oleracea Mart.

300

10

3000

1,63

 R$    4.890,00

Caju Anão

Anacardium occidentale L.

40

6

240

5,00

 R$    1.200,00

Cupuaçu

Theobroma grandiflorum (Willd. Ex Spreng.) K. Schum.

65

10

650

2,00

 R$    1.300,00

Goiaba Vermelha

Psidiumguajava L.

25

10

250

5,00

 R$    1.250,00

Manga Rosa

Mangifera indica L.

35

15

525

3,00

 R$    1.575,00

Total

 

 

 

 

 

 R$ 10.215,00

•Os preços dos produtos são referentes ao do que é vendido no mercado local no ano de 2019.

 

Os valores de produção e renda bruta prevista para os agricultores referem-se ao oitavo ano do sistema implementado, que deve ser feito gradualmente em termos de área ocupada, assim como plantio e manejo das espécies, haja vista as limitações de mão-de-obra e recursos financeiros necessários a implementação de culturas, mesmo que em sistemas agroflorestais. Outro aspecto a ser considerado que justifica uma opção por implementação gradativa do sistema é a necessidade de mão-de-obra para os tratos culturais de limpeza e poda dos cultivos, que em sistemas agroflorestais são expressivos principalmente nos primeiros anos em que são implementados, sendo inclusive um dos elementos mais citados como justificativa para não adoção de sistemas agroflorestais por agricultores familiares (GOULART et al., 2016).

 

A renda prevista com a adoção dos SAFs do cacaueiro e açaizeiro.

Com a implementação dos sistemas agroflorestais propostos os pescadores terão aumento na renda ao longo de todo o ano, assim como no período do defeso. Contudo, no SAF cacau em sistema cabruca, a renda será incrementada principalmente no período do defeso, ainda que em termos gerais os valores mais expressivos sejam para o SAF açaí em quintal agroflorestal (Figura 04).

 

Figura 4: Renda prevista para os Sistemas Agroflorestais propostos pescadores no (A) Cacau no Sistema Cabruca e (B) Açaí em Quintal Agroflorestal

 


Muito embora ocorra declínio de renda no período de defeso para todos os pescadores, o sistema agroflorestal assegura que esse valor não seja tão diminuto, como é atualmente. No mês de janeiro, por exemplo, que é o mês de maior carência financeira dos pescadores, a renda está em torno de R$ 250,00 como atualmente aferida pelos pescadores. Já com a renda esperada, esse valor sobe para R$ 1.246,47 e R$ 958,33 nos SAFs 1 e 2 respectivamente. Os valores alcançados com os SAF são bem menos expressivos se comparados aos cultivos de cacau ou mesmo do açaí em monocultivos ou em SAFs tradicionais, quando se leva em conta resultados de renda na literatura (CEPLAC, 2019; EMBRAPA, 2011).

 

CONCLUSÕES

 

Os sistemas agroflorestais têm capacidade de proporcionar renda para pescadores no período do defeso, havendo dois sistemas promissores, um com o cacau e outro com o açaí como atividade principal, respectivamente no sistema cacau cabruca e açaí em quintal agroflorestal. Os sistemas têm adicionalmente outras espécies de frutas de espécies perenes e semiperenes compondo o arranjo diversificado, que devem ser manejados juntamente com espécies de árvores nativas. Os sistemas são promissores aos pescadores, principalmente a medida em que passam a fixar-se em um mesmo local ao longo do tempo, porque além de gerar renda no período do defeso, são sistemas com espécies adaptadas as condições locais e com produção altamente demandada no mercado local, o que trará como resultado positivo para os agricultores melhoria na renda no presente, mas também no futuro a medida em que estarão estimulados a cumprir o defeso da pesca, medida fundamental para manutenção de sua principal atividade socioeconômica.

 

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