NOTA CIENTÍFICA
Conhecimento de plantas alimentícias não
convencionais em assentamentos rurais
Knowledge of unconventional
food plants in rural settlements
Conocimiento de plantas alimentícias no convencionales en assentamientos
rurales
Simone Braga Terra1;
Bruna Pereira Ferreira2
1Doutora,
Engenheira Agrônoma, Professor Adjunto da Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul, Unidade de Santana do Livramento, Santana do Livramento, Rio
Grande do Sul, +55 55 3244-1440. E-mail: simone-terra@uergs.edu.br. 2Bolsista de Iniciação Científica. Curso de
Bacharelado em Agronomia. Universidade Estadual do
Rio Grande do Sul. Santana do Livramento, Rio Grande do Sul. E-mail: bruna-ferreira01@uergs.edu.br.
Recebido: 07/01/2020; Aprovado:
25/03/2020
Resumo: Plantas alimentícias não convencionais (PANC) refere-se
a todas as plantas que possuem uma ou mais partes comestíveis para humanos,
sendo espontâneas ou cultivadas, nativas ou exóticas, que não estão incluídas
em nosso cardápio cotidiano. Agricultores familiares, ao terem consciência do
potencial dessas plantas alimentícias, podem diversificar sua alimentação
habitual e cultivá-las aproveitando áreas improdutivas ou de baixa fertilidade.
Com isso, objetivou-se avaliar o nível de conhecimento de agricultores
moradores em assentamentos rurais sobre as PANC, identificando as espécies
presentes nos locais estudados. A pesquisa foi realizada entre março e junho de
2019 em três assentamentos da reforma agrária de Santana do Livramento, Rio
Grade do Sul, com 15 informantes-chave, utilizando como metodologia a amostragem
tipo bola de neve. Perguntas pré-elaboradas foram respondidas pelos
agricultores assentados durante o método da turnê guiada. Como resultados,
foram identificadas 20 espécies de PANC pertencendo a 12 famílias botânicas,
sendo a maioria da família Astereaceae (38,8%),
localizadas principalmente em pastagens naturais (50%). As espécies de maior ocorrência nos assentamentos foram a
carqueja (Baccharis trimera),
a buva (Conyza bonariensis),
o picão preto (Bidens pilosa), a
beldroega (Portulaca oleracea),
as folhas da abóbora moranga (Curcubita maxima) e o caruru (Amaranthus
deflexus). Observou-se que o conhecimento dos
agricultores acerca das PANC é reduzido e baseado em crenças individuais e
valores ancestrais, o que refletiu na ausência do consumo das espécies
vegetais. Considera-se necessária a correta identificação botânica das
PANC antes da coleta e consumo como alimento, afim de
evitar ingerir espécies equivocadas ou tóxicas.
Palavras-chave: Agricultura familiar;
Soberania alimentar; Bioma Pampa; PANC.
Abstract: Unconventional
food plants (PANC) refer to all the plants that possess one or more edible
parts for humans, being spontaneous or cultivated, native or exotic, which are
not included in our daily menu. Family farmers, when they have
understanding of the potential of these food plants, are able to
diversify their usual food and cultivate them taking advantage of unproductive
areas or those of low fertility. The work had as its objective to evaluate the
level of knowledge of the farmers resident in rural settlements about the PANC
and identify botanically the species present in the locations studied. The
research took place between March and June 2019 in three settlements of land
reform in Santana do Livramento, RS, with 15 key
informants using as methodology sampling of the snowball type. Pre-elaborated
questions were answered by the settlement farmers during the guided tour
method. As a result, 20 species of PANC were identified botanically belonging
to 12 different botanical families, the majority being of the Astereaceae family (38,8%), located principally in natural
pastures (50%). The species of greater occurrence in the settlements researched
were gorse (Baccharis trimera),
buva (Conyza bonariensis), black prick (Bidens
pilosa), purslane (Portulaca
oleracea), the leaves of moganga pumpkin (Curcubita maxima) and caruru
(Amaranthus deflexus). It was observed that
the knowledge of the farmers about the PANC is restricted and based on
individual beliefs and ancestral values, which was reflected in the absence of
consumption of the vegetable species by those interviewed. It is considered
necessary the correct botanical identification of the PANC before collecting
and consuming as food, in order to avoid ingesting mistaken or toxic species.
Key words: Family farming; Food sovereignty; Biome Pampa; PANC.
Resumen:
Plantas
alimentícias no convencionales (PANC) son las plantas que tienen una o mas partes comestibles para los humanos, pudiendo ser mala hierbas o
cultivadas, nativas o exóticas, que no estan incluyidas en nuestro
cardápio cotidiano. Campesinos al tenerem conocimiento del potencial de estas plantas pueden
diversificar su alimentación habitual y las cultivar aprovechando areas improductivas o de baja fertilidad. El objectivo del trabajo fue avaliar el nível
de conocimiento de campesinos que viven en assentamientos
rurales sobre las PANC y identificar botanicámente las espécies
presentes en los lugares estudiados. La pesquisa fue realizada de marzo a junio
de 2019 en tres assentamientos de la reforma agraria
de Santana do Livramento, RS, con 15 informantes clave, utilizando como metodologia lo muestreo tipo pelota de nieve, siendo una
forma de muestreo no probabilístico. Preguntas elaboradas antecipadaminete
fueron respondidas por los campesinos durante el método de la visita guiada.
Como resultados, fueron identificadas botanicámente
20 especies de PANC, pertenciendo a 12 familias botânicas distintas, siendo la mayoria
de la família Astereaceae
(38,8%), localizadas principalmente en campos naturales (50%). Las especies de
mayor ocurrencia en los assentamientos pesquisados
fueron la carqueja (Baccharis trimera), la rama negra (Conyza bonariensis),
el amor seco (Bidens
pilosa), la verdolaga (Portulaca oleracea),
las hojas de zapallo (Curcubita maxima) y el amaranthus (Amaranthus deflexus). Fue visto que el conocimiento de los campesinos acerca de las PANC
es pequeño y se basea em creencias individuales y valores ancestrales, reflectindo en lo porque
de no consumirem las espécies vegetales.
Es necessária
la correcta identificacion botánica de las PANC antes
de su colecta y consumo como alimento, para que no consuman especies
equivocadas o toxicas.
Palabras
Clave: Agricultura familiar; Soberanía alimentaria; Bioma Pampa; PANC.
INTRODUÇÃO
A biodiversidade de espécies vegetais do Brasil
corresponde a 20% do total do planeta, sendo que em sua flora nativa há um
total de 46.097 exemplares de espécies, das quais, onde cerca de 4 a 5 mil
podem ser consumidas pelos humanos (BURITY et al., 2010; FIORAVANTI, 2016). A
riqueza natural da diversidade florística do país ainda é pouco explorada e
conhecida para fins alimentícios (KINUPP, 2007), existindo um número reduzido
de espécies vegetais que fazem parte da dieta humana.
Esse fator pode estar associado ao aumento da produção
agrícola e de monoculturas, onde espécies cultiváveis ganham destaque em
produção e pesquisa por apresentarem elevado valor comercial, ao mesmo tempo
que espécies endêmicas perdem seu espaço natural e vão sendo negligenciadas na
alimentação cotidiana (SILVA et al., 2017).
Há indícios de que no mundo existem cerca de 30 mil
espécies de plantas que possuem potencial alimentício, sendo que ao longo da
história, 7 mil já foram utilizadas para o consumo humano. Em contrapartida, há
uma monotonia em relação à diversidade de alimentos que ingerimos no dia a dia,
pois 90% da alimentação humana provem de apenas 20 espécies de plantas, que em
sua maioria, são provenientes de outros países (KINUPP; LORENZZI, 2014).
Nesse contexto, surge o conceito de plantas
alimentícias não convencionais (PANC), referindo-se a espécies ou partes de
plantas que não são consumidas habitualmente pela população, sendo muitas vezes
caracterizadas como ervas daninhas, por crescerem espontaneamente em distintos ambientes
(LIBERATO et al., 2019).
Fonseca et al. (2017) afirmam que as PANC possuem uma
variabilidade genética que proporciona maior rusticicade,
germinando desde hortas domésticas até em campo nativo. Sendo assim, estas
espécies não precisam necessariamente ser cultivadas, e sim mantidas e
manejadas de acordo com as condições de solo e interesse em sua manutenção e
propagação, podendo ser um complemento a alimentação diária da população rural
(KELEN, 2015).
Dessa forma, agricultores poderão obter uma renda
extra ao incluir as PANC na venda em feiras na cidade, contribuindo com a
economia local e a subsistência de comunidades rurais (NESBITT et al., 2010). A
soberania alimentar em áreas rurais é fundamental para a permanência dos
camponeses neste espaço, pois além de terem o direito de acesso aos alimentos,
tem a capacidade de produzi-los, com o controle de sua própria produção,
garantindo as suas necessidades nutricionais (STEDILE; CARVALHO, 2011).
A identificação e o consumo das PANC pode ser uma
estratégia para manter a diversificação alimentar destas famílias, estimulando
a manutenção das florestas nativas e dos campos do Bioma Pampa. De acordo com
Santos e Silva (2011), o Bioma Pampa é formado por ecossistemas naturais com
alta diversidade e espécies vegetais que podem ser comestíveis. Se realizado de
maneira sustentável, o consumo de PANC pode ser considerada como uma forma de
utilização com baixo impacto na agricultura, associada à conservação ambiental
(KINUPP; BARROS, 2007).
Assim, objetivou-se avaliar o nível de conhecimento
dos agricultores moradores em alguns assentamentos de reforma agrária em
Santana do Livramento sobre as plantas alimentícias não convencionais.
MATERIAL E
MÉTODOS
A pesquisa foi realizada no período de março a junho
de 2019, em assentamentos de reforma agrária localizados na zona rural do
município de Santana do Livramento, na região sudoeste do Rio Grande do Sul, na
fronteira com o Uruguai (latitude: -30.8897, longitude: -55.5323 30° 53′ 23″
Sul, 55° 31′ 56″ Oeste). As comunidades rurais foco de pesquisa foram os
assentamentos de reforma agrária denominados de Recanto e Conquista Cerro da
Liberdade, situados no Distrito Pampeiro, e Roseli Nunes, situado no Distrito Upamaruti.
Quanto à amostragem dos entrevistados, foi empregada a
técnica de rede, conhecida na antropologia como “Network” e nas ciências
sociais, como amostragem não probabilística, definida por Patton
(1990), Cotton (1996) e Pinheiro (2003) como
“Amostragem Bola de Neve” (“snow ball”).
A técnica de amostragem tipo bola de neve é uma forma de amostra não
probabilística que utiliza um informante-chave para localizar pessoas que
tenham o perfil da pesquisa. A partir daí as pessoas indicadas pelo
informante-chave, passam a indicar novos contatos dentro do perfil solicitado,
e assim sucessivamente, aumentando a rede de informantes do pesquisador,
formando uma “bola de neve”.
A amostra estudada foi composta por 15
informantes-chaves durante as visitas nos assentamentos de reforma agrária
situados na zona rural de Santana do Livramento, sendo nove mulheres e seis
homens entrevistados.
Para a escolha dos entrevistados, o critério de
amostragem foi através da identificação de produtores rurais que produzem
hortaliças, tanto para subsistência quanto para comercialização, por se tratar
de possíveis conhecedores de PANC. O processo foi se repetindo a partir de
novos agricultores incluídos, de forma que as pessoas produtoras de hortaliças
e potencialmente conhecedoras de PANC foram validadas pela própria comunidade.
Os entrevistados foram comunicados que os dados seriam utilizados apenas para
pesquisa científica, sem menção nominal de nenhum dos participantes.
Ressalta-se que todos os participantes consentiram com a pesquisa, eram maiores
de idade e não tiveram identidades reveladas, obedecendo as exigências do
Comitê de Ética da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, de acordo com a
resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Após estabelecer o contato inicial com os
informante-chaves, foram realizadas entrevistas semiestruturadas por meio de
roteiro com perguntas pré-elaboradas sobre as PANC, onde informações pessoais
(idade, gênero, grau de escolaridade, cidade de origem) foram levantadas, além
de perguntas relativas ao conhecimento, consumo pela família, formas de
utilização, importância na alimentação, se cultiva e comercializa as PANC em
feiras locais.
As perguntas pré-elaboradas foram realizadas de forma
oral e individualmente a um produtor por domicílio. Concomitante à entrevista,
foi utilizado o método da turnê guiada, que consiste no acompanhamento junto ao
entrevistado pela propriedade rural (MOURA; ANDRADE, 2007), para identificação
junto ao mesmo das espécies vegetais de PANC encontradas. Uma vez finalizada a
entrevista, pedia-se que o entrevistado indicasse nova pessoa, também
conhecedora de PANC e o processo foi se repetindo a partir de novos incluídos.
Quando havia tendência à estabilização do número de espécies diferentes de
plantas citadas, e o número de espécies não se alterava substancialmente,
encerrava-se a pesquisa (MING, 2006).
As espécies foram fotografadas em ambiente natural e
identificadas quanto às formas de uso e características botânicas. Após, as mesmas foram listadas pela família, nome científico,
nomes populares. As categorias referentes ao ambiente de propagação (em meio à
cultura agrícola, horta, fragmento florestal, pasto e pomar), hábito de
crescimento (herbáceo, árvore, arbustivo e liana), ciclo de produção (anual e
perene) foram determinadas de acordo com Lorenzi (1992). As formas de uso
(refogadas em molhos e caldos, in natura, endosperma líquido, polpa, amêndoa,
empanada, doces, compotas) foram organizadas com base nas receitas descritas
por Kinupp (2007).
Posteriormente, foi realizada a correta identificação
das PANC através de pesquisas em bibliografias especializadas, como Kinupp e Lorenzi (2014), Lorenzi e Matos (2008), Lorenzi et
al. (2006) e Lorenzi (1992), livros, teses, dissertações e plataformas digitais
de artigos científicos, como a Scielo (Scientific Electronic Library
Online), Google Acadêmico e portal de periódicos da Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Para a identificação botânica, exemplares de PANC
foram coletados durante a pesquisa de campo e posteriormente foram comparados
visualmente com as plantas componentes dos herbários didáticos da Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), unidade em Santana do Livramento, que
detém algumas espécies vegetais encontradas no Bioma Pampa.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Polesi et al., (2017), que realizaram um estudo a respeito
da agro biodiversidade e segurança alimentar no Vale do Taquari, RS, através de
PANC e frutas nativas, demonstraram que ao questionarem os entrevistados se
conheciam o termo PANC, nenhum mostrou ter ciência; no entanto, após explicarem
e darem exemplos de algumas espécies, a grande maioria relatou conhecer e já
ter consumido PANC.
Os agricultores que possuíam conhecimento empírico
acerca das PANC, negligenciavam seu potencial alimentício. Caso semelhante foi encontrado por Lima e
Lorenzetti (2016), ao avaliarem o consumo de PANC pela população rural e urbana
de Rio Pompa, MG, onde 48,8% de seus entrevistados conheciam espécies de PANC,
mas não tinham o conhecimento que poderiam ser
utilizadas como alimento.
Deve-se ressaltar que os
agricultores , ao avistarem algumas espécies vegetais durante a turnê guiada,
comentaram sobre seu conhecimento de uso como planta medicinal, em chás, e
cataplasmas, ou adicionadas ao chimarrão diário, resultado concordante com o
encontrado por Borges e Terra (2019), que ao pesquisarem o conhecimento de
agricultores da zona rural de Santana do Livramento, verificaram que as PANC
identificadas como medicinais são utilizadas como chás, xaropes, emplastos e
para saborizar o chimarrão.
As plantas citadas para
fins medicinais foram a carqueja (Baccharis
trimera), a tansagem (Plantago major), a erva de bicho (Polygonum acre) e o funcho (Foeniculum vulgare).
A faixa etária dos agricultores variou entre 24 e 78
anos, sendo a maioria (73%) composta por adultos com idade entre 24 e 59 anos.
Este índice revela que a idade dos informantes não influenciou no conhecimento
dos mesmos sobre a utilização de PANC, divergindo as conclusões obtidas por
Barreira et al. (2015), em estudo realizado sobre o conhecimento e uso de PANC
na zona rural de Viçosa, MG, onde os idosos foram os maiores
conhecedores
do tema.
Todos agricultores realizavam sua atividade
profissional principal no meio rural, sendo que 60% dos informantes eram
agricultores (em sua maioria, produtores de soja, milho e frutíferas), 20% eram
pecuaristas de gado de corte, 13,3% eram pecuaristas de gado de leite e outros
13,3% constituía-se de uma aposentada e uma dona de casa. Do total, 20% dos agricultores
possuíam uma atividade profissional complementar, sendo um informante
comerciante com armazém próprio no assentamento onde residia; uma
agricultora que comercializava semanalmente pães e geleias na feira municipal; e uma
pecuarista de corte que no período da manhã exercia a função de cozinheira na
Escola de Ensino Fundamental Paulo Freire, no assentamento vizinho ao que
residia. A relação da atividade profissional que exerciam os agricultores não
está interligada ao conhecimento dos mesmo sobre PANC, mas sim o fato de
viverem no meio rural e terem acesso a maior diversidade de espécies de plantas
no entorno onde vivem.
Para subsistência da família, 80% dos agricultores
relataram que possuíam horta doméstica em sua propriedade, o que contribuía em
parte para a complementação da alimentação diária. Os demais dependiam 100% da
compra de alimentação externa para as refeições, já que não cultivavam espécies
vegetais para a subsistência. Grisa et al. (2010), ressalta a importância da
produção para o autoconsumo por agricultores familiares ao possibilitar a
autonomia alimentar, caracterizando-se como uma fonte de renda não monetária,
pois as famílias acabam economizando recursos na aquisição de alimentos nos
mercados, além de servir como uma estratégia de diversificação dos meios de
vida ao contribuir com a estabilidade econômica das famílias rurais.
Na Tabela 1 encontram-se informações sobre as espécies
de PANC que os agricultores já possuíam o conhecimento visual (mesmo sem ter o
hábito do consumo), além de outras identificadas no local, dados sobre a
família botânica, nome popular, nome científico e a forma de consumo.
Tabela
1. Família, nome científico, nome
popular, ambiente de propagação, hábito de crescimento, formas de consumo e
ciclo de PANC encontradas em assentamentos da zona rural do município de
Santana do Livramento, Rio Grande do Sul. |
||||||
Família
botânica |
Nome científico |
Nome Popular |
Ambiente de Propagação |
Hábito de crescimento |
Formas de consumo |
Ciclo de vida |
Amaranthaceae |
Amaranthus deflexus. |
Caruru |
Horta Doméstica |
Herbáceo |
Refogado |
Perene |
Apiaceae |
Foeniculum vulgare |
Funcho |
Pomar |
Herbáceo |
In natura |
Perene |
Apiaceae |
Eryngium elegans |
Caraguatá |
Pasto Nativo |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Asteraceae |
Hypochearis albiflora |
Radite do mato |
Pomar |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Asteraceae |
Coniza bonariensis |
Buva |
Pasto nativo |
Herbáceo |
Refogado |
Anual |
Asteraceae |
Taraxacum officinale |
Dente de leão |
Pasto nativo |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Asteraceae |
Tagetes patula |
Cravo de
defunto |
Jardim doméstico |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Asteraceae |
Baccharis trimera |
Carqueja |
Pasto nativo |
Herbáceo |
In natura |
Perene |
Asteraceae |
Galinsoga parviflora |
Picão Branco |
Horta Doméstica |
Herbáceo |
Refogado |
Anual |
Asteraceae |
Bidens pilosa |
Picão Preto |
Fragmento florestal |
Herbáceo |
Refogado |
Anual |
Cucurbitaceae |
Cucurbita aurantia |
Folha de
abóbora |
Horta Doméstica |
Herbáceo |
Refogado |
Anual |
Equisetaceae |
Equisetum arvense |
Cavalinha |
Pasto nativo |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Malvaceae |
Sida spinosa |
Guanxuma |
Pasto nativo |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Moraceae |
Brosimum gaudichaudii |
Mamica de cadela |
Pasto nativo |
Arbóreo |
In natura |
Perene |
Musaceae |
Musa paradisíaca |
Coração da bananeira |
Pomar |
Arbóreo |
Refogado |
Perene |
Plantaginaceae |
Plantago major |
Tansagem |
Pasto nativo |
Herbáceo |
Refogado |
Anual |
Polygonaceae |
Polygonum acre |
Erva de bicho |
Pasto nativo |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Polygonaceae |
Rumex robitusifolius |
Língua de vaca |
Pasto nativo |
Herbáceo |
In natura |
Perene |
Portulacacea |
Portulaca oleracea |
Beldroega |
Horta Doméstica |
Herbáceo |
In natura |
Anual |
Verbenaceae |
Aloysia gratíssima |
Erva santa |
Beira de estrada |
Herbáceo |
In natura |
Perene |
A identificação de espécies
da família Asteraceae se destacou durante a pesquisa a campo, onde 38,8% das
PANC identificadas pertenciam a esta família. Esse resultado é influenciado
pela caracterização natural da vegetação do Bioma Pampa, com grande ocorrência
de espécies dessa família botânica, que é a mais populosa dentre as
angiospermas. De acordo com Liesenfeld (2018), a
família Asteraceae ocorre predominantemente em regiões tropicais e
principalmente em fitofisionomias campestres. No Brasil, é uma das famílias
mais diversas, destacando-se principalmente na florística do Bioma Pampa, que
no país é restrito ao Rio Grande do Sul. Nos Campos de Areais, uma das
fitofisionomias campestres do Bioma Pampa (sudoeste do RS), a Asteraceae é
também a família de maior riqueza.
Benke (2016) afirma que, além
das gramíneas, vários outros grupos de plantas se destacam pela variedade de
espécies campestres, sendo a família das compostas (Asteraceae) a mais diversa
representando cerca de 480 espécies nos campos do Rio Grande do Sul.
Quanto ao ambiente de
propagação, as PANC foram localizadas em pastagens naturais (50%), em pomares
(16,6%), hortas domésticas (16,6%), jardim doméstico (5,5%), fragmento
florestal (5,5%) e em beira de estradas (5,5%). Durante a pesquisa, foi
possível perceber que no entorno das moradias era constante o uso de roçadas
como forma de limpeza das áreas, fator que pode ter influenciado no resultado
do ambiente de propagação onde as PANC foram encontradas.
Quanto ao hábito de
crescimento, a maioria das PANC encontradas são classificadas como herbáceas
(83,3%), caracterizando-se por possuírem um caule rasteiro, de menor porte,
com tecidos pouco lignificados e maleáveis, ricos em água, uma particularidade do Bioma Pampa, onde há
predomínio dessas espécies. Os campos do Bioma Pampa são considerados
homogêneos quanto à vegetação, compostos por plantas herbáceas em cobertura
vegetal contínua e frequentemente permeado por espécies arbustivas (MARQUIORI,
2004).
Em relação as formas de
utilização das PANC, o preparo in natura teve destaque (66,6%), seguido
pela forma refogada (33,3%), além de algumas serem utilizadas também de forma
medicinal, como mencionado anteriormente.
Durante a pesquisa foram
encontradas 20 plantas espontâneas que são consideradas como alimentícias não
convencionais, onde elencou-se algumas espécies que merecem destaque através de
imagens, em função da ocorrência nos três assentamentos foco do estudo e por
terem sido as mais citadas pelos agricultores entrevistados (Figura 1).
Figura 1. Espécies com maior ocorrência e mais citadas pelos
agricultores entrevistados. (A) Carqueja (Baccharis
trimera).
(B) Buva (Conyza bonariensis).
(C) Picão preto (Bidens pilosa). (D)
Beldroega (Portulaca oleracea).
(E) Folhas de abóbora (Curcubita maxima). (F) Caruru (Amaranthus
deflexus).
A carqueja (Baccharis
trimera), que foi identificada em diversos locais
sob pasto nativo durante a pesquisa, é uma espécie nativa da América do Sul,
pertencente à família Asteraceae e é também conhecida popularmente como
vassoura, cacália-amarga e quina-de-condamine (CORRÊA et al., 1998; BONA et al, 2004).
A carqueja foi encontrada com bastante frequência nos
assentamentos foco de estudo, principalmente em campo nativo, além de algumas
ocorrências em fragmentos florestais e também à beira
de estradas. Esta, foi a PANC mais
reconhecida e citada por 73,6% dos informantes-chave, que ressaltaram
utilizá-la apenas para fins medicinais na forma de chá. Uma agricultora
entrevistada ressaltou que desde criança toma o chá de carqueja e sempre
procura ter a planta em casa, a qual costuma colher pelos campos para
posteriormente secar e utilizar quando necessário, junto com outras ervas
medicinais.
Kinupp e Lorenzi (2014) cita
diversas formas de uso culinário da carqueja, onde a bebida frisante, altamente
gaseificada e levemente alcoólica, merece destaque.
Durante a pesquisa, a buva (Conyza bonariensis) foi identificada com grande incidência nos
três assentamentos estudados, correspondendo a 26,6% das citações, sempre
ocorrendo em pasto nativo. Porém, os agricultores entrevistados, afirmaram não
ter interesse algum em consumir essa espécie, devido a sua grande infestação
nos campos de cultivo de soja e milho, que segundo eles, acaba sendo
prejudicial à produção comercial.
Pode-se supor que muitas
PANC não são consumidas por serem popularmente conhecidas como mato ou inço
pelos agricultores, ou por desconhecimento no assunto e
também pelo preconceito, como ficou evidenciado no caso da buva durante a pesquisa de campo. Caso semelhante ocorreu
com Assis et al., (2016) ao avaliarem os usos e distribuição geográfica das
PANC na Bahia, perceberam que a principal limitação para o consumo destas
espécies é a falta de conhecimento sobre a utilização culinária e o preconceito
por serem reconhecidas como planta invasora.
A buva
é considerada uma espécie aromática e picante, que pode ser utilizada de
diversas maneiras na alimentação humana, através de suas folhas e ramos
foliares novos, podendo ser consumida in natura e também
utilizada como condimento de carnes, cozidas e em sopas. A buva
ainda possui características medicinais, podendo auxiliar no tratamento contra
tosse, hemorroidas e como antiácido (KINUPP, LORENZI, 2014; KELEN et al.,
2015).
O picão preto (Bidens pilosa) foi citado por 33,3% dos
agricultores como planta que eles sabiam que poderia ser consumida de forma
refogada e como tempero, já que seus antepassados também faziam esse preparo e
consumo. As folhas e ramos jovens do picão preto podem ser consumidos in natura
ou cozidos, podendo ser acrescentados em saladas, farofas, risotos, entre
outras receitas, além de ser uma espécie conhecida pelos seus usos medicinais,
pois apresenta funções antioxidantes e altos teores de zinco, cobre e ferro
(RANIERI, 2017).
O picão preto, também
conhecido como carrapicho e cuambu, é uma espécie herbácea anual que pertence à
família Asteraceae (CORRÊA et al., 1998). Sua propagação ocorre via sementes,
sendo facilmente encontrada em pastagens e em calçadas e terrenos baldios de
zonas urbanas (GILBERT et al., 2013), sendo que sua ocorrência foi identificada
apenas em fragmento florestal durante a pesquisa.
A beldroega (Portulaca oleracea)
foi mencionada por 40% dos agricultores como planta que poderia ser consumida
in natura como salada, conhecimento herdado dos avós e pais daqueles que
apontaram a espécie vegetal na sua propriedade rural. Todavia, foi comentado
que não possuem o hábito de ingeri-la nas refeições, utilizando-a para
implementar a alimentação dos suínos. No Brasil, Cândido e Sturza
(2016), ao realizarem entrevista sobre a utilização de hortaliças não convencionais
com assentados no município de Rondonópolis, MG, verificaram que 33,3% dos
entrevistados relataram utilizar a beldroega como complemento na alimentação de
porcos, além de bovinos e equinos.
Para o consumo humano,
folhas e talos da beldroega podem ser utilizados em saladas cruas, caldos,
sopas, tendo como característica fornecer consistência cremosa aos alimentos
(BRASIL, 2010). Nas regiões mediterrâneas, a beldroega é considerada um
ingrediente convencional, e em países como os Estados Unidos, China, Holanda e
México é consumida em pratos típicos (CORREA, 2017).
A beldroega, também
conhecida como salada de negro, brado de porco e onze horas, pertence à família Portulacaceae, sendo
uma hortaliça herbácea anual (BOTRAL, et al., 2017). Em Porto Alegre existem
agricultores ecológicos que cultivam essa espécie para comercialização em
feiras, sendo uma planta de manejo simples, com semeadura realizada diretamente
em canteiros definitivos, estando pronta para a colheita em aproximadamente 75
dias após a germinação (KINUPP, 2007; PEDROSA, 2011).
Por apresentar métodos de
cultivo e manejo amplamente divulgados na literatura, a beldroega pode ser uma
das PANC pioneiras para os agricultores assentados de Santana do Livramento
iniciarem uma produção comercial, uma vez que também há relatos de outros
agricultores que já produzem e comercializam esta espécie, podendo ser um
incentivo à implementação do cultivo de PANC no município.
Durante a pesquisa, 33,3%
dos agricultores mencionaram sobre a espécie abóbora moranga (Curcubita maxima),
cujas folhas podem ser comestíveis na forma cozida e refogada, informação
herdada de seus antepassados. Kinupp e Lorenzi
(2014), também mencionam que as flores de várias espécies de abóboras podem ser
consumidas, podendo ser preparadas de forma empanada. As
gavinhas tenras dos ramos terminais também se consome cozidas, bem como
suas sementes, que podem ser torradas para o consumo. Segundo Faber e Cabral
(2016), nas sementes de abóbora há uma substancia
denominada de cucurbitacina que apresenta ação
vermífuga, podendo ser consumida através da fabricação de farinha da própria
semente para a elaboração de pães e biscoitos, como por exemplo.
Foi sugerido aos
agricultores que já cultivavam abóbora moranga, que poderiam acrescentar as
partes alimentícias não convencionais (folhas, flores e gavinhas) no cotidiano
da sua alimentação, uma vez que já existe a produção no campo, além do fato de
ter sido uma espécie citada pelos próprios agricultores como comestível. Além
disso, ao venderam o fruto da abóbora em feiras livres semanais, poderiam
comercializar junto as folhas, flores e gavinhas, informando ao consumidor das
suas possíveis formas de consumo. As abóboras são consumidas em todo o mundo;
porém muitas pessoas desconhecem que a espécie possui partes alimentícias não
convencionais, como as flores, gavinhas e folhas.
A espécie vegetal caruru (Amaranthus deflexus)
foi uma planta reconhecida por 40% dos agricultores como PANC, que ressaltaram
que o consumo deve ser na forma refogada. Apesar de um agricultor entrevistados
ter conhecimento repassado pelos familiares sobre o consumo desta planta, o mesmo não tem o hábito de consumi-la, utilizando somente
como fonte de alimento para os suínos que cria em sua propriedade. Quini et al., (2013) afirmam que o caruru é uma planta que
pode ser utilizada como forragem animal, onde preferencialmente os talos devem
ser utilizados. Na alimentação humana, o caruru é uma planta que se assemelha
ao espinafre, podendo ser utilizada para substituir o mesmo, sendo indicado que
antes da ingestão seja realizado o branqueamento (KINUPP, LORENZI, 2014).
O caruru, que pertence à
família Amaranthaceae, é uma espécie nativa da
América do Sul tropical (BOTREL et al., 2017). No Brasil, o caruru costuma ter
maior ocorrência na Região Sul e Sudeste, sendo considera como uma espécie
invasora de lavouras anuais (ALMEIDA; SÁ, 2009). Nesta pesquisa, o caruru foi
identificado em meio a hortas doméstica e no entorno das moradias dos
agricultores, com grande incidência.
De acordo com Almeida e Sá
(2009), os grãos do caruru e das demais espécies de Amaranthus
ssp. apresentam altos teores de proteínas variando
de 12 a 17%, são também ricos em fibras e possuem baixos níveis de gordura
saturada, podendo substituir os grãos de quinoa,
cereal muito demandado atualmente pela população vegetariana e vegana, que
possuem de 10 a 18% de proteína em sua composição, além de ambas farinhas não
possuírem glúten, fato importante para pessoas que possuem intolerância a essa
proteína.
Ao final das entrevistas,
percebeu-se que do total das PANC citadas, o caruru e a carqueja foram as
espécies vegetais mais conhecidas pelos informantes, mesmo que estes não tenham
o hábito de consumi-las. Fonseca et al.
(2017), ao realizarem entrevista semelhante com agricultores de municípios da
zona sul do Estado do Rio Grande do Sul, citaram mais vezes a fava (Phaseolus lunatus), seguida do caruru.
Ressaltou-se ao público entrevistado sobre a
importância da correta identificação botânica das PANC citadas nessa pesquisa,
uma vez que identificações errôneas poderiam gerar a ingestão de alguma planta
tóxica, fato que causou desconforto entre os agricultores, que preferiram não colhê-las sem a devida orientação técnica.
De maneira geral, foi
possível observar que o conhecimento dos agricultores acerca das PANC é
reduzido e baseado em crenças individuais e valores ancestrais, o que refletiu
na ausência do consumo das espécies vegetais pelos entrevistados. Desta forma,
torna-se evidente a necessidade de difundir mais informações relativas às PANC
aos agricultores, como a correta identificação botânica, receitas diferentes,
formas de utilização e preparo das partes comestíveis, para que possam
diversificar e implementar as refeições diárias com novos sabores, agregando
nutrientes e evitando gastos desnecessários com a compra frequente de
hortaliças e verduras.
Verificou-se que existe uma necessidade de ampliação
dos estudos sobre PANC em assentamentos rurais, para que possam ser utilizadas
como alimento, propagando sua utilização pelas famílias, favorecendo sua
comercialização em feiras, entregas em mercados institucionais e aumento do
consumo individual. Há também necessidade de mais pesquisas científicas sobre o
valor nutricional, bem como seus efeitos benéficos à saúde humana para
tranquilidade do público que pretende fazer uso delas.
CONCLUSÕES
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