Exposição ocupacional aos agrotóxicos
pelos agricultores da região de Coruripe, Alagoas
Occupational exposure to
pesticides by farmers in Coruripe region, Alagoas,
Brazil
Antonio José Bento1; Anderson Bruno Anacleto de Andrade2; Jakeline Maria dos Santos2; Maria Aline Barros Fidelis de Moura3; Henrique Fonseca Goulart2; Antonio Euzebio
Goulart Santana2
1Instituto de Química e Biotecnologia da Universidade
Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, jabento16@yahoo.com.br;
2Campus de Engenharias e Ciências Agrárias da Universidade Federal
de Alagoas, Rio Largo, Alagoas, bdeandrade3@gmail.com,
jackbilu@hotmail.com, fonsecagoulart@gmail.com, aegs@ceca.ufal.br; 3Instituto de
Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, profalinefidelis@gmail.com.
Recebido:
15/11/2019; Aprovado: 02/02/2020
Resumo: As intoxicações por agrotóxicos resultam da
exposição ocupacional dos trabalhadores rurais, principalmente nas áreas
agrícolas. Para reduzir esses problemas é necessário o uso de estratégias de
monitoramento e controle do manejo racional dos produtos químicos utilizados. O
objetivou-se com o trabalho avaliar o perfil ocupacional dos trabalhadores
rurais por meio de entrevistas e exames toxicológicos. O estudo caracteriza-se
por uma pesquisa aplicada, de característica exploratória, com procedimento de
levantamento a partir de uma amostra com 50 agricultores. Observou-se maioria
dos fatores de riscos aos trabalhadores está intrinsecamente relacionada, pois
quando são verificadas as correlações causais da exposição e intoxicação dos
agricultores, verificamos que a baixa escolaridade associada à carência técnica
de instrução do uso racional dos agrotóxicos, o tempo prolongado de exposição e
o não uso de EPIs, contribuem para o perfil toxicológico dos trabalhadores
rurais. Em relação às análises laboratoriais foi possível observar que parte
dos trabalhadores apresentava intoxicação aguda, verificada através da análise
da colinesterase, porém, não foi suficiente para causar danos as funções renais
e hepáticas. Contudo, podendo ocorrer com o uso crônico e recorrente dessas
substâncias químicas. Portanto, é necessário uma maior
fiscalização na aplicação dos agrotóxicos no campo, treinamento dos
trabalhadores rurais sobre uso correto dos insumos agrícolas e estratégias de
intervenção pelos órgãos de saúde e meio ambiente.
Palavras-chave: Organofosforados; Colinesterase; Intoxicação
Abstract: The application of technologies such as osmotic dehydration, promotes
the reduction of product Pesticide poisoning results from occupational
exposure of rural workers, especially in agricultural areas. To reduce these
problems, it is necessary to use strategies to monitor and control the rational
management of the chemicals used. The objective of this work was to evaluate
the occupational profile of rural workers through interviews and toxicological
tests. The study is characterized by applied research, with an exploratory
characteristic, with a survey procedure based on a sample of 50 producers. Most
of the risk factors to workers are intrinsically related, because when the
causal correlations of exposure and intoxication of farmers are verified, it is
observed that the low level of education associated with the technical lack of
instruction in the rational use of pesticides, the prolonged time of exposure
and the non-use of PPE makes it contribute to the toxicological profile of
rural workers. Regarding laboratory analysis, it was possible to observe that
part of the workers had acute intoxication, verified through the analysis of
cholinesterase, however, it was not enough to cause damage to the renal and
liver functions. However, it can occur with the chronic and recurrent use of
these chemicals. Therefore, there is a need for greater inspection of the application
of pesticides in the field, training of rural workers on the correct use of
agricultural inputs and intervention strategies by health and environment agencies.
Key words: Organophosphates; Cholinesterase; Intoxication
INTRODUÇÃO
Os agrotóxicos são produtos intrinsecamente tóxicos, e apesar de serem
deliberadamente destinados para eliminar as pragas nas lavouras, causam
diversos problemas ao meio ambiente. São compostos de diferentes categorias de
produtos químicos, cuja toxicidade varia de acordo com a resistência da praga
alvo e sua localização na planta, que a protege do contato com o agrotóxico. No
Brasil foram registrados e liberados, no ano de 2019, mais de 63 agrotóxicos no
mercado, chegando a um total de 325 produtos. Dentre estes, os pertencentes à
classe dos piretroides, organofosforados e carbamatos, comumente utilizados no controle das pragas nas
plantações, sendo muitos deles altamente tóxicos (ANVISA, 2019).
No Nordeste do Brasil, o uso de agrotóxicos nas produções de hortaliças
é caracterizado como um quadro de fragilidade social e de exposição ambiental e
humana, sendo um problema com múltiplos
aspectos com interações entre as variáveis ambientais e os determinantes
sociais, culturais e econômicos, indicando a necessidade de implementar agendas
específicas de políticas e ações no campo da saúde e da educação dos agricultores
(PREZA; SILVA, 2012).
O problema relacionado a saúde dos agricultores é a exposição aos
agrotóxicos que pode ocorrer por diferentes vias e rotas. Embora a contribuição
de uma determinada rota ou caminho para a exposição geral dependa do agrotóxico,
é a totalidade dessa exposição que determina o risco. O tipo e a gravidade dos
efeitos adversos à saúde do trabalhador rural causado pelos agrotóxicos são
determinados pela categoria química individual, a dose e a duração da exposição
e a via de exposição. Devido à sua toxicidade intrínseca e seletividade
limitada, os agrotóxicos exibem efeitos nocivos indesejáveis em organismos
não-alvo, como ao homem e aos animais silvestres (HERNÁNDEZ et al., 2011). A exposição
crônica a esses produtos pode ser associada às anormalidades neurológicas e
psiquiátricas, incluindo déficits de disfunção motora (sintomas
extrapiramidais), ansiedade, depressão, sintomas psicóticos, diminuição de
atenção, processamento de informações, aprendizado e memória (NAUGHTON; TERRY
JR, 2018).
Para uma dosagem de inseticida ser letal ao homem é necessário o
consumo, via oral, de um volume elevado, em virtude de seu peso corporal. No
entanto, o contato com essas substâncias pode causar vários efeitos tóxicos,
como intoxicações agudas devido à exposição prolongada e contínua. Esse risco é
ainda mais intensificado em virtude da mistura de diferentes compostos realizada
pelos agricultores para potencializar a eficácia da aplicação (TSATSAKIS et
al., 2009; ZELIGER, 2011). A exposição a longo prazo pode levar a uma série de
efeitos na saúde, incluindo câncer (BASSIL et al., 2007; KANAVOURAS et al.,
2011; PARRÓN et al., 2011), toxicidade reprodutiva (HANKE; JUREWICZ, 2004) e
efeitos respiratórios (HERNÁNDEZ et al., 2011).
Está estabelecido também que durante períodos críticos de
desenvolvimento gestacional, os agrotóxicos podem causar efeitos adversos
prolongados e duradouros na fase inicial fetal e mais tarde na vida, atingindo
o cérebro em desenvolvimento e o sistema endócrino (LONDON et al., 2012). Outra
consequência é na produção de espermatozoides, uma vez que, processo espermatogênico é regulado pelo sistema endócrino masculino
(DOHLE et al., 2003). Logo, a qualidade do sêmen pode ser particularmente
sensível a quaisquer agrotóxicos ou metabólitos que possam imitar hormônios
masculinos ou infligir danos aos tecidos nos testículos. Vários agrotóxicos ou
seus metabólitos foram implicados como potenciais desreguladores
endócrinos em modelos humanos ou animais, incluindo os piretroides
e o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano)
(SCIPPO et al., 2004; JIN et al., 2011). Estudos recentes demostram associações
entre agrotóxicos ou metabólitos e níveis de hormônios reprodutivos em várias
populações (MARTENIES; PERRY, 2013).
As intoxicações por agrotóxicos resultam da exposição ocupacional,
acidental e intencional (CLARK, 2002). A maior frequência de intoxicações por
inseticidas organofosforados no início desse século ocorreram em países em
desenvolvimento da região Ásia-Pacífico e nos países emergentes da América do
Sul e Latina (SRINIVAS RAO et al., 2005).
Os biomarcadores frequentemente usados para descrever a exposição aos agrotóxicos
são butirilcolinesterase (BChE)
e acetilcolinesterase (AChE), cujas atividades são
monitoradas rotineiramente para avaliar a exposição a compostos
organofosforados e carbamatos (SIMONIELLOA et al.,
2017). Esses agrotóxicos são duas classes de inseticidas mais usadas na produção
agrícola, pois ambos os compostos são inibidores da enzima acetilcolinesterase.
A colinesterase é encontrada no sistema nervoso humano e desempenha papel
crucial no controle da neurotransmissão nas sinapses. A acetilcolina é um neurotransmissor
que age na junção neuromuscular, nas sinapses parassimpáticas pré e pós-ganglionares e nas sinapses colinérgicas do
sistema nervoso central. Quando o terminal nervoso é estimulado por um
potencial de ação, a acetilcolina é liberada na sinapse e liga-se aos
receptores pós-sinápticos (LING, 2005).
A enzima colinesterase hidrolisa imediatamente a acetilcolina e termina
sua ação pra prevenir a estimulação contínua dos
receptores, que poderia levar à uma eventual paralisia das sinapses. A inibição
da enzima colinesterase resulta no acúmulo de acetilcolina nas sinapses e na estimulação
excessiva do sistema nervoso autônomo e somático. Este aumento da estimulação
produz os principais efeitos tóxicos dos organofosforados e carbamatos
(LING et al., 2005). A enzima da buterilcolinesterase
no plasma humano é o marcador mais sensível de exposição aos agentes tóxicos
organofosforados e carbamatos (FIDDER et al., 2002; LI
et al., 2010). A acetilcolinesterase (conhecida como colinesterase
eritrocitária) nas células vermelhas e a albumina no plasma são covalentemente
modificadas por inseticidas organofosforados e carbamatos
(JIANG et al., 2013).
No contexto de intensificar a necessidade de reduzir o uso desordenado
de agrotóxicos e diminuir os riscos causados por estes à saúde do trabalhador do
campo, objetivou-se avaliar a exposição ocupacional dos trabalhadores rurais
por meio de entrevistas e exames toxicológicos. Também foram avaliados os tipos
de agrotóxicos, o emprego dos equipamentos de proteção individual, sintomas das
intoxicações e orientação técnica sobre o uso dos agrotóxicos no campo.
MATERIAL E
MÉTODOS
Caracterização
da área
O trabalho foi realizado no município de Coruripe, situado na Zona da
Mata do estado de Alagoas. A área de estudo foi no Distrito de Pindorama, que
possui uma área de 32 mil hectares, região que concentra uma das maiores diversidades
agrícolas do estado. Os trabalhadores rurais que participaram da pesquisa,
atuavam diretamente nos cultivos, mais especificamente nas culturas de maracujá,
abacaxi, mandioca, milho e cana-de-açúcar. Segundo dados da Cooperativa Pindorama,
o distrito é divido em 1400 lotes distribuídos em 22 comunidades, com uma
população de 30 mil habitantes, situada a 5 metros de altitude e com coordenadas
geográficas de latitude 10° 8' 1'' Sul e longitude 36° 10' 34'' Oeste (COOPERATIVA
PINDORAMA, 2020).
Obtenção dos
dados
O estudo foi realizado a partir de uma pesquisa aplicada, de
característica exploratória (entrevistas e exames toxicológicos), a partir de um
formulário com questionamentos sobre abordagem de informações socioeconômicas;
utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs); local de armazenagem
dos produtos utilizados; tipos de embalagens de agrotóxicos; sintomas de
toxicidade; forma de preparo e aplicação dos agrotóxicos e risco ambiental.
Para a obtenção dos dados, 50 agricultores participaram
do estudo (sendo 49 do sexo masculino e 1 do feminino). Estes foram recrutados
com o auxílio de agentes comunitários e da saúde da região rural do município. Foram
excluídos os trabalhadores rurais não pertencentes a essa localidade área do
estudo, menores de idades e pessoas que não exerciam a atividade agrícola.
Este trabalho foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em pesquisa
da Universidade Federal de Alagoas – UFAL, através do portal Plataforma Brasil
e aprovado com o número de aprovação 34277214.0.0000.5013. Todos os participantes
assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Exames
toxicológicos
Os trabalhadores rurais participantes foram submetidos a análises
bioquímicas que incluíram níveis sanguíneos de aspartato aminotransferase
(AST), alanina aminotransferase (ALT), para avaliação
hepática, além da creatinina e ureia para avaliação renal, assim como análise
da atividade da enzima butirilcolinesterase
(colinesterase plasmática). Os kits comerciais utilizados foram da Doles®, a metodologia cinética foi utilizada
para análise da creatinina e colorimétrica foi realizada para dosagem de AST,
ALT, ureia, e empregada, também, na determinação da atividade da enzima butirilcolinesterase em soro. Os resultados destes
parâmetros bioquímicos foram avaliados de acordo com os valores de referência
recomendados pelo fabricante.
Para a coleta das amostras sanguíneas, os trabalhadores rurais foram encaminhados
para um ambiente apropriado na Cooperativa Pindorama, por profissional
habilitado na área de saúde (técnico de patologia clínica e técnico em
enfermagem), mediante cadastramento dos agricultores realizados pelos técnicos
da Secretaria de Agricultura Municipal e Secretaria de Saúde Ambiental do
Estado de Alagoas, para análise toxicológica e perfil hepático e renal.
Parâmetros
avaliados nos testes toxicológicos
Foram analisados os níveis de colinesterase plasmática (butirilcolinesterase) e do perfil hepático (AST e ALT) e
renal (ureia e creatinina). A colinesterase plasmática são marcadores
biológicos da exposição aguda aos agrotóxicos e os níveis reduzidos de sua
atividade refletem alterações geradas pela exposição aguda de agentes
agressores externos (xenobióticos), a exemplo dos
organofosforados e carbamatos. Os resultados dos
exames toxicológicos foram interpretados como indicadores de exposição aos agrotóxicos
utilizados no processo de trabalho, e foram considerados em conjunto com a
avaliação do perfil hepático e renal para o diagnóstico de intoxicação, bem
como os exames clínicos (MORI, 2015).
Análise
estatística
Na avaliação dos dados utilizada estatística descritiva também foi
aplicada um teste de correlação de Spearman (p<0,05)
para avaliar a correlação entre as variáveis analisadas usando o software
GraphPad Prism® 7. Nas variáveis de
avaliação dos agricultores sobre o uso dos agrotóxicos foram atribuídos escores
binário, em que, nas respostas positiva (Sim) foi atribuído valor 1 (um) e para
as negativas (não) valor 0 (zero). Para as categorias de escolaridade foram
atribuídos escores variando de 0 a 3, em que, 0 = sem escolaridade, 1 = ensino
fundamental, 2 = ensino médio e 3 = ensino superior.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
O grau de escolaridade dos agricultores é considerado um fator importante,
uma vez que, torna-se um crítico no que diz respeito às intoxicações
ocupacionais ocasionadas pelos agrotóxicos, impossibilitando e/ou dificultando
a leitura e interpretação das instruções do preparo e aplicação do produto contidas
nas embalagens. Foi observado que a maior parte dos entrevistados tinha o ensino
fundamental como maior nível de escolaridade (Figura 1).
Figura 1. Perfil dos agricultores em relação ao grau de
escolaridade na região de Coruripe no estado de Alagoas.
Resultados similares foram encontrados em trabalhos realizados na
região de Nova Friburgo-RJ e no município de Picos-PI (SANTANA et al., 2016;
ARAÚJO et al., 2007). Savi et al. (2010) ressalvam que
a baixa escolaridade era um dos principais pontos negativos associada ao risco de
intoxicações pelo uso de agrotóxicos entre rizicultores em Santa Catarina.
Quanto a faixa etária média dos agricultores, os quais trabalham nas
lavouras e estão mais susceptíveis as intoxicações por agrotóxicos, é de 39
anos. Resultado semelhante foi encontrado por Faria et al. (2009) em um levantamento
feito com 290 agricultores, em Bento Gonçalves-RS, relatando uma faixa etária
média de 38 anos dos trabalhadores com atividades no campo. Em um estudo realizado
por Mori et al. (2015), com 106 trabalhadores rurais, na região de Alto do
Jacuí-RS, foi detectado uma média de idade de 49 anos, mostrando um grupo
etário maduro e não tão elevada, pois os trabalhadores rurais nessa última
faixa são mais susceptíveis a doenças crônicas e que podem ser agravadas pela
exposição contínua e prolongada aos agrotóxicos. Observou-se também que o tempo
médio de trabalho com os agrotóxicos no campo está concentrado na faixa de 6 a
15 anos com trabalhadores rurais do município de Coruripe (Figura 2).
Figura 2. Faixa etária e tempo de trabalho com agrotóxicos em
atividades agropecuárias dos agricultores na região de Coruripe no estado de
Alagoas.
Na avaliação da atividade produtiva, observa-se que as principais
culturas e fonte de renda da região são o maracujá, o abacaxi, com percentual
de 38%, ambos, e a mandioca com 14% das citações feitas pelos agricultores (Figura
3).
Figura 3. Principais culturas desenvolvidas pelos agricultores
em relação à importância econômica na região de Coruripe no estado de Alagoas.
Foi possível verificar que muitos agricultores atuam em todas as fases
do processo de cultivo, sem interrupção sazonal, do plantio à colheita. A Figura
4 mostra que a maioria dos trabalhadores rurais (64%) participam de todo o
processo produtivo, principalmente no preparo e aplicação dos agrotóxicos na
plantação, seja inseticida, fungicida ou herbicida. Este fator é ainda mais
intensificado pelo fato destes agricultores realizarem a mistura de diferentes produtos
comerciais. Embora muitas vezes realizada sem conhecimento dos princípios ativos
dos produtos, para os agricultores essa prática tem a finalidade de
potencializar o efeito e a eficácia dos agrotóxicos utilizados. A exemplo da
mistura de diferentes inseticidas para melhor controle das pragas alvo, sem ao
menos ter conhecimento sobre a toxicidade e as interações dos diversos produtos
manipulados, bem como seu efeito à sua saúde.
Somente 2% dos trabalhadores não utilizam nenhum tipo de agrotóxicos e
a informação sobre o uso de protocolos ou alternativas de controle populacional
das pragas, a nível economicamente viável e produtivo, não foi abordado pelos agricultores.
Figura 4. Uso dos agrotóxicos pelos agricultores nas lavouras na
região de Coruripe no estado de Alagoas.
Na avaliação, 38% dos agricultores relataram que usavam todos os
agrotóxicos disponíveis, sem orientação técnica. No controle de pragas, 44%
deles usavam apenas inseticida (Figura 5), independente da praga que estava causando
danos na lavoura. O qual muitas vezes não era o específico para a cultura ou
para a praga presente e, por esta razão, utilizavam o mesmo ou a mistura de
diferentes marcas comerciais.
Figura 5. Classes de agrotóxicos usados pelos agricultores nas
lavouras na região de Coruripe, no estado de Alagoas.
A falta de informação sobre os agrotóxicos específicos a serem
utilizados em determinadas culturas, o desconhecimento sobre o problema em
questão, se é praga ou doença, e o baixo nível de escolaridade, levam o
agricultor a tomar decisões equivocadas quanto ao uso dos agrotóxicos
apropriados para cada caso, levando a manipulação e aplicação de dois ou mais
compostos para potencializar o efeito tóxico do produto na lavoura. Como consequência,
na maioria dos casos, esses agricultores não têm o resultado esperado e ainda são
os maiores prejudicados em virtude do mau uso desses produtos.
Na Tabela 1, verificamos a presença de 18 agrotóxicos utilizados pelos
agricultores, sendo que os produtos químicos mais relatados foram o Nativo®
e Connect®, fungicida e inseticida sistêmico respectivamente, e 10%
trabalhadores não souberam dizer qual agrotóxico era utilizado no campo. No estudo
realizado por Figueiredo et al. (2011), 25% dos participantes não souberam
responder sobre o tipo de agrotóxico usado na plantação.
Tabela 1. Agrotóxicos
utilizados pelos agricultores no município de Coruripe, no estado de Alagoas,
2015. |
||
Agrotóxicos |
Frequência
absoluta |
Categoria
(Grupo Químico) |
Amistrar WG® |
1 |
Fungicida sistêmico (Estrobilurinas) |
Cipermetrina Nortox 250 EC |
8 |
Inseticida de contato e ingestão
(Piretroide) |
Confidor S |
4 |
Inseticida sistêmico de contato
e ingestão (Neonicotinóide e Piretroide) |
Connect® |
16 |
Inseticida sistêmico [Neonicotinoide (Imidacloprido)
e Piretroide (Beta-ciflutrina)] |
Cyptrin Prime |
5 |
Inseticidas de contato e
ingestão (Piretroide) |
Decis 25 EC |
5 |
Inseticida de contato e ingestão
(Piretroide) |
Diuron nortox |
5 |
Herbicida seletivo, de ação
sistêmica de pré e pós-emergência (Ureia) |
Folisufer 600 BR |
4 |
Inseticida e acaricida de
contato e ingestão (Organofosforado) |
Gramaxone® |
6 |
Herbicida não seletivo de ação
não sistêmica (Bipiridílio) |
Karate Zeon® 50CS |
2 |
Inseticida (Piretroide) |
Lannate® BR |
2 |
Inseticida sistêmico e de
contato (Metilcarbamato) |
Metamidofós Fersol 600 |
1 |
Inseticida e acaricida sistêmico
(Organofosforado) |
Nativo® |
21 |
Fungicida mesostêmico
e sistêmico (Estrobilurina e Triazol) |
Pirate® |
1 |
Inseticida/acaricida, de ação de
contato e ingestão (Análogo de Pirazol) |
Pireproxifen Nortox |
4 |
Inseticida de contato e translaminar (Éter Piridiloxipropílico) |
Progibb 400 |
1 |
Regulador de crescimento vegetal
(Giberelinas) |
Rimon 100 EC
(Novaluron) |
3 |
Inseticida fisiológico (Benzoilureia) |
Tordon® |
1 |
Herbicida seletivo de ação
sistêmica, (Picloram) |
Não sabe |
10 |
|
Obs: Nas entrevistas os agricultores poderiam citar
mais de um agrotóxico utilizado na lavoura. |
Além disso, em nosso estudo, 44 % dos agricultores referiram ter
aplicado os agrotóxicos na semana antecedente a entrevista, sendo o coquetel
mais empregado, aquele constituído por inseticidas (organofosforado e piretroide), e 8% fizeram uso de fungicida e herbicida. Além
disso, o uso de combinações eram comum, pois os
agricultores tinham como cultura as misturas desses agrotóxicos na região
abordada, refletindo o desconhecimento da classe química, da ação e das interações
de
Nenhum agricultor teve alguma orientação na compra ou na aquisição dos
agrotóxicos, bem como, sobre o melhor manejo da cultura, tão pouco sobre o uso
de alternativas no combate as pragas pelos órgãos de fiscalização, segundo os
relatos dos trabalhadores.
Os agricultores, relataram que não faziam qualquer tipo de controle da
exposição aos agrotóxicos e a maioria manipulava diretamente os agrotóxicos nas
culturas em que trabalhavam. Sendo que 58% faziam uso destas substâncias por
mais de cinco horas diárias e não comunicavam os sintomas de intoxicação aos
órgãos de proteção à saúde. Além disso, o uso dos agrotóxicos não era realizado
de maneira programada, mas de forma aleatória e/ou quando da presença da praga
na plantação (Figura 6).
Figura 6. Orientações e práticas agrícolas relacionadas ao uso
de agrotóxicos realizadas pelos agricultores na região de Coruripe, no estado
de Alagoas.
Quanto à orientação técnica para aplicação dos agrotóxicos, cerca de
54% informaram que não tinham as instruções necessárias tanto na compra, tão
quanto durante a aplicação do produto na lavoura. No entanto, a maioria dos agricultores
(72%) tinha interesse sobre o melhor uso dos agrotóxicos. Além disso, somente
46% tinham disponibilidade dos equipamentos de proteção individual (EPIs), como
luvas, botas, aventais, máscaras, entre outros adereços, mas somente 42% destes
trabalhadores utilizavam esses EPIs para se protegerem do contato com os
agrotóxicos durante a manipulação e aplicação.
A maioria dos trabalhadores rurais investigados e presentes em alguns estudos,
afirmaram que dificilmente usam EPIs na pulverização de agrotóxicos, pelo fato
de muitos não apresentarem os sintomas da intoxicação; por não possuir esses
equipamentos de proteção à disposição; pelo incômodo durante o manuseio dos produtos;
por questões financeiras que possam dar acessibilidade aos EPIs e por falta de
orientação no acesso primário aos agrotóxicos, ou seja, na orientação que
deveria ser realizado pelo vendedor, bem como pelos técnicos do setor agrícola durante
as inspeções no campo. Fatores estes, que evidenciam um caso crônico de
elevação das intoxicações por causa do descaso aos itens mínimos de proteção
individual à saúde (LEITE et al., 2008; FARIA et al., 2009; GREGOLIS et al.,
2012; SANTANA et al., 2016).
Dentre os agricultores, 64% confirmaram que tiveram contato com os agrotóxicos
em pelo menos umas das fases do processo produtivo e 34% tiveram problemas de saúde,
como tremores, irritação da pele, dificuldade em respirar, tonturas e cefaleia,
decorrentes da utilização dessas substâncias. Além disso, 82% dos trabalhadores
não procuraram o serviço de saúde ao constatar algum tipo de sintoma relacionado
a intoxicação (Figura 6).
Os resultados dos exames toxicológicos
mostraram que 40% dos agricultores estavam com intoxicação aguda na
análise da colinesterase plasmática, com faixa de concentração entre 4762,5 a
8837,5 UI (Figura 7A). Em um trabalho realizado por Figueiredo et al. (2011),
foi identificado que 37,21% dos pacientes foram constatados com alterações no
exame laboratorial da colinesterase, sendo 78% dessas alterações decorrentes da
colinesterase plasmática e 22 % da colinesterase eritrocitária.
Figura 7. Exames laboratoriais das intoxicações agudas por agrotóxicos
por meio da atividade da colinesterase plasmática (A), perfil renal (ureia (B)
e creatinina (C)) e perfil hepático (AST e ALT) (D) dos agricultores na região de
Coruripe no estado de Alagoas, 2015.
Referências: Colinesterase plasmática: 6100 – 12100UI;
Ureia: 15 – 40mg/dL; Creatinina: 0,7 – 1,2mg/dL; AST: 12 – 42 mg/dL; ALT: 8 –
42mg/dL.
Um estudo adotando o mesmo padrão da colinesterase utilizado nesta
pesquisa, demonstrou que os níveis da presença do agrotóxico aumentavam proporcionalmente
ao tempo de contato com o produto, e ao cessar a exposição, a presença diminuía
drasticamente, porém não deixando de provocar alguns danos à saúde (ISMAIL et al.,
2017).
Em relação a função hepática foi observado que as transaminases estavam
alteradas para AST em 37,2% e ALT, em 28,9% dos pacientes intoxicados. Gaw et al. (2008) ressalta que os níveis de AST e ALT, mesmo
que reduzidos, são consideradas normais, pois indica que não há quebra das
células hepáticas e não há liberação da enzima para o sangue.
No perfil renal, as concentrações da uréia
ficou na faixa de 22,475 a 34,075 mg/dL (Figura 7B) e
a creatinina com concentrações entre 0,72 e 0,89 mg/dL
(Figura 7C), caracterizando normalidade das funções renais em relação aos valores
de referências. Observou-se que as concentrações do AST ficaram entre 16 a 23 U/L
e o ALT com valores entre 17 a 31,75 U/L (Figura 7D), demonstrando nenhuma
alteração hepática, mediante resultados dos exames laboratoriais.
Usando a uréia e a creatinina
como marcadores de distúrbios renais, nenhum dos agricultores apresentaram
algum dano hepático ou renal, que pudesse estar relacionado com a exposição a
algum tipo de agrotóxico. Entretanto, vale ressaltar que, esses danos podem
aparecer tardiamente com o uso crônico desses compostos químicos. Utilizando
outros marcadores, Figueiredo et al. (2011), atendendo 370 trabalhadores rurais
na cidade de Campinas-SP, verificaram a presença de distúrbios da função renal
em 24 dos trabalhadores, sendo 78,7% destes com valores elevados na
microalbuminúria e 26,3%, na alfa 1 microglobulina.
Diante dos parâmetros analisados observou-se correlação entre variáveis
de caracterização dos agricultores, como idade, escolaridade e tempo de trabalho
com agrotóxicos, em que verificou-se correlação negativa da escolaridade entre idade
(65%) e tempo de trabalho (58,14%), sendo que quanto menor é o grau de
escolaridade maior a idade e tempo de trabalho dos agricultores (Tabela 1). Entre
idade e tempo de trabalho, observou-se correlação positiva de 84,25%, sinalizando
que agricultores com maior idade tem maior tempo de trabalho com agrotóxicos (Tabela
1), assim tendo uma exposição crônica ao produto, por um tempo elevado, podendo
acarretar graves problemas de saúde.
Tabela 2. Correlação entre as variáveis: Idade, Escolaridade
(Escola), Tempo de Trabalho com agrotóxicos (TT), Uso do EPI (UE), Contato
com Agrotóxicos (CA), Problema com agrotóxicos (PA), Procura Serviço de Saúde
(PSS), Interesse em treinamento (IT), Contaminação (Con.) por meio da
atividade da colinesterase plasmática, dos agricultores na região de Coruripe
no estado de Alagoas. |
|||||||||
|
Idade |
Escola |
TT |
UE |
CA |
PA |
PSS |
IT |
Con. |
Idade
|
- |
|
|
|
|
|
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|
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Escola
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-65,00* |
- |
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|
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TT |
84,25* |
-58,14* |
- |
|
|
|
|
|
|
UE |
-20,09 |
13,71 |
-28,97* |
- |
|
|
|
|
|
CA |
-0,86 |
4,75 |
9,30 |
4,72 |
- |
|
|
|
|
PA |
28,40* |
-32,78* |
29,01* |
7,35 |
45,03* |
- |
|
|
|
PSS |
-20,40 |
20,11 |
-15,61 |
23,41 |
-8,24 |
-11,64 |
- |
|
|
IT |
-20,54 |
23,93 |
-25,01 |
25,99 |
-0,37 |
-2,25 |
29,21* |
- |
|
Con. |
-2,26 |
7,84 |
16,20 |
15,02 |
13,57 |
2,48 |
-5,95 |
-9,87 |
- |
Coeficiente de correlação de Spearman em
percentagem (%) *Significativo a 5% de probabilidade pala correlação de Spearman |
Estudos mostram que quanto maior a idade dos trabalhadores rurais, mais
elevado é o grau de exposição aos agrotóxicos, pois a cultura de não usar
equipamentos de proteção individual, a falta de conhecimento da toxicidade dos
produtos usados e aplicação indiscriminada dos agrotóxicos é potencializado
nessa faixa etária mais elevada, dificultando futuras intervenções (MORI et al.,
2015; FARIA et al., 2009; ARAÚJO et al., 2007).
No caso dos trabalhadores rurais que tiveram algum problema com o uso
do agrotóxico (PA) no campo, observa-se também correlações significativas de forma
negativa com menor escolaridade (32,78%), e positiva com maior frequência de
contato com esses agrotóxicos (45,03%). Santana et al. (2016), os entrevistados,
em sua maioria, usavam os agrotóxicos inadequadamente, tinham baixa
escolaridade e conheciam os riscos do uso dos agrotóxicos aos quais estavam
expostos, mas não usavam os equipamentos de proteção individual, evidenciando a
significância dos fatores de riscos observados na Tabela 2.
Em relação ao interesse em treinamento técnico (IT) observou-se
correlação positiva com a procura pelo serviço de saúde (PSS) relatado por
esses agricultores (29,21%), após os primeiros sintomas de intoxicação, durante
o manuseio e aplicação dos agrotóxicos, mostrando o grau de consciência de
parte dos trabalhadores sobre a periculosidade desses produtos químicos e a
necessidade de procurar assistência médica para evitar problemas de saúde futuras,
que vai de encontro com outros estudos, que não era observado, por parte dos
trabalhadores rurais, o interesse pelo serviço de saúde quando do aparecimento
dos primeiros sintomas (FIGUEIREDO et al., 2011; RANGEL et al., 2011).
CONCLUSÕES
Os agricultores da região de Coruripe apresentam pouco conhecimento sobre
toxicidade dos agrotóxicos usados, têm exposição prolongada e praticam mistura
de ingredientes ativos com contato direto e em muitos casos sem equipamento de proteção
individual. Os exames toxicológicos dos
agricultores apresentaram alterações na colinesterase plasmática, sendo um biomarcador
de intoxicação.
O uso de agrotóxicos em Coruripe tem provocado problemas a saúde dos
agricultores e necessita ser melhor monitorado, para que ocorra nos cultivos a forma
mais apropriada e segura do manejo de pragas e doenças, tendo o uso de produtos
corretos, no momento adequado e em quantidade recomendada, e assim, reduzir o
uso excessivo de agrotóxicos e, consequentemente, as intoxicações ocupacionais.
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