Plantas medicinais de uso agropecuário pelas famílias agricultoras do Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia no estado do Paraná

 

Medicinal plants for agricultural use by farming families in the Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia, Paraná, Brazil

 

Plantas medicinales para uso agrícola por las familias campesinas del Núcleo Luta Camponesa de la Rede Ecovida de Agroecología, Paraná, Brasil

 

Ana Claudia Rauber1, Josimeire Aparecida Leandrini2, Gabriela Silva Moura3, Gilmar Franzener4

 

1Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul, Paraná, acr_rauber@yahoo.com.br; 2Professora da Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul, Paraná, jaleandri@gmail.com; 3Pós-doutora em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul, Paraná, bismoura@hotmail.com; 4Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul, Paraná, +554236358698, gilmar.franzener@uffs.edu.br

 

Recebido: 25/03/2020; Aprovado: 26/05/2020

 

Resumo: O conhecimento etnobotânico sobre as plantas medicinais de uso agropecuário é fundamental para o desenvolvimento de agroecossistemas mais sustentáveis e para a autonomia das famílias agricultoras camponesas em relação aos insumos externos. Esta pesquisa teve como objetivo verificar quais plantas medicinais os agricultores pertencentes ao Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia conhecem e utilizam em suas atividades agropecuárias. Os dados foram obtidos com 30 famílias, totalizando 53 participantes, por meio de entrevista semiestruturada, caminhada etnobotânica e observações. Foram citadas 72 etnoespécies para uso agropecuário, sendo 50 para o tratamento de saúde dos animais, 24 descritas como bioativas e 16 utilizadas como defensivos naturais. O maior número de plantas citadas foi para uso pecuário, no tratamento da saúde dos animais, sendo o alho (Allium sativum L.) a planta mais indicada (16 citações), utilizada como antibiótico e para prevenir e combater endo e ectoparasitas. Como defensivo natural nos cultivos, as plantas mais citadas foram o cinamão (Melia azedarach L.) e arruda (Ruta graveolens L.), com três citações cada, utilizadas com função de inseticida. Quanto à bioatividade, as plantas mais indicadas foram as de ação repelente com destaque para a arruda (Ruta graveolens L.), o cravo-de-defunto (Tagetes patula L.) e a citronela (Cymbopogon winterianus Jowitt), com treze, nove e sete citações, respectivamente. Portanto, as plantas medicinais de uso agropecuário auxiliam durante o processo de transição agroecológica, atuando como componentes da biodiversidade, insumos locais e contribuindo com a autonomia das famílias agricultoras.

 

Palavras-chave: Etnobotânica; Insumos locais; Plantas bioativas; Transição agroecológica

 

Abstract: Ethnobotanical knowledge about medicinal plants for agricultural use is fundamental for the development of more sustainable agroecosystems and for the autonomy of peasant farming families in relation to external inputs. This research aimed to verify which medicinal plants farmers belonging to the Núcleo Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia know and use in their agricultural activities. Data were obtained through semi-structured interviews, ethnobotanical walking and participant observation with 30 families and 53 participants. 72 ethnospecies were cited for agricultural use, 50 for the health treatment of animals, 24 described as bioactive and 16 used as natural pesticides. A greater number of plants mentioned were for livestock use, in the treatment of animal health, with garlic (Allium sativum L.) being the most suitable plant (16 citations), used as an antibiotic and to prevent and combat endo and ectoparasites. As a natural defensive crop, the most cited plants were cinnamon (Melia azedarach L.) and rue (Ruta graveolens L.), with three citations each, used as an insecticide. As for bioactivity, the most suitable plants were those with repellent action, with emphasis on rue (Ruta graveolens L.), marigold (Tagetes patula L.) and citronella (Cymbopogon winterianus Jowitt), with 13, nine and seven citations, respectively. Therefore, medicinal plants for agricultural use help during the agroecological transition process, acting as components of biodiversity, local inputs and contributing to the autonomy of farming families.

 

Key words: Ethnobotany; Local inputs; Bioactive plants; Agroecological transition

 

Resumen: El conocimiento etnobotánico sobre plantas medicinales para uso agrícola es esencial para el desarrollo de agroecosistemas más sostenibles y para la autonomía de las familias campesinas en relación con los insumos externos. Esta investigación tuvo como objetivo verificar qué plantas medicinales conocen y usan los agricultores que pertenecen al Núcleo Luta Camponesa de la Rede Ecovida de Agroecología en sus actividades agrícolas. Los datos se obtuvieron de 30 familias, con un total de 53 participantes, a través de entrevistas semiestructuradas, caminatas etnobotánicas y observaciones. Se mencionaron 72 etnoespecies para uso agrícola, 50 para el tratamiento de la salud de los animales, 24 descritas como bioactivas y 16 utilizadas como pesticidas naturales. El mayor número de plantas mencionadas fue para uso ganadero, en el tratamiento de la salud animal, siendo el ajo (Allium sativum L.) la planta más adecuada (16 citas), utilizada como antibiótico y para prevenir y combatir endo y ectoparásitos. Como cultivo defensivo natural, las plantas más citadas fueron la paraíso (Melia azedarach L.) y la ruda (Ruta graveolens L.), con tres citas cada una, utilizadas como insecticida. En cuanto a la bioactividad, las plantas más recomendadas fueron aquellas con acción repelente, con énfasis en ruda (Ruta graveolens L.), copetillo (Tagetes patula L.) y citronela (Cymbopogon winterianus Jowitt), con trece, nueve y siete citas, respectivamente. Por lo tanto, las plantas medicinales para uso agrícola ayudan durante el proceso de transición agroecológica, actuando como componentes de la biodiversidad, insumos locales y contribuyendo a la autonomía de las familias de agricultores.

 

Palabras Clave: Etnobotánica; Entradas locales; Plantas bioactivas; Transición agroecológica.

 

INTRODUÇÃO

 

O conhecimento tradicional, local e popular sobre as plantas é denominado conhecimento etnobotânico (ALBUQUERQUE, 2005). A etnobotânica resgata e valoriza esses conhecimentos, quanto aos usos, manejos e interações com o ambiente (FREITAS et al., 2012, DUARTE et al., 2020). Com o desenvolvimento da Agroecologia, como uma ciência que promove o diálogo de saberes, ocorre uma junção entre o conhecimento científico/acadêmico com os conhecimentos locais (SEVILLA GUZMÁN; MONTIEL, 2010; TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2009).

Na agricultura, os conhecimentos etnobotânicos, principalmente sobre as plantas medicinais, são fundamentais para a construção de agroecossistemas mais sustentáveis. Em decorrência dos impactos negativos da utilização de agrotóxicos na agricultura convencional, nos últimos anos tem-se intensificado o interesse pelos defensivos naturais (CAMPOS et al., 2014). A utilização de extratos vegetais rompe esse círculo vicioso de uso de agrotóxicos, recuperando a estabilidade dos agroecossistemas e a independência dos insumos externos (LOVATTO et al., 2012; NICHOLLS; ALTIERI, 2012). Além disso, os saberes e a diversidade de plantas promovem a autonomia dos agricultores familiares camponeses, pois reduzem os custos de produção e contribuem com a manutenção do equilíbrio dinâmico do sistema (LOVATTO et al. 2012).

Existem plantas que sintetizam substâncias bioativas que podem atuar como inseticidas ou repelentes, e que apresentam baixa ou nenhuma toxicidade, e portanto, não são prejudiciais à saúde humana nem contaminam o ambiente (CORRÊA; SALGADO, 2011). Esses princípios ativos são sintetizados pelas plantas através do metabolismo secundário e são responsáveis por sua atuação como inseticidas, fungicidas, bactericidas, repelentes de insetos fitófagos ou atraentes de inimigos naturais e polinizadores (POSER; MENTZ, 2010).

Durante o período de transição agroecológica, onde o agroecossistema geralmente está desequilibrado em decorrência das práticas agrícolas convencionais supracitadas, as plantas medicinais possuem fundamental importância. Nesse período, o primeiro nível, corresponde à intensificação das práticas agrícolas; no segundo nível à substituição dos insumos externos por insumos locais e naturais; e no terceiro nível de transição agroecológica, deve-se planejar como os elementos estarão dispostos no sistema aumentando a biodiversidade funcional (GLIESSMAN, 2005).

Nesse contexto, as plantas medicinais podem atuar como defensivos naturais para os cultivos, e para os animais controlando parasitas e prevenindo doenças. Assim, para que os agroecossistemas adquiram equilíbrio, sejam autossuficientes e mais sustentáveis, a biodiversidade deve ser incrementada. A diversificação dos cultivos contribui com o equilíbrio natural de controle em relação aos herbívoros, doenças e plantas espontâneas, restaurando o controle natural ou biológico (ALTIERI, 2012). Portanto, as plantas medicinais podem ser utilizadas em todos níveis de transição agroecológica, atuando como substitutos dos insumos e consorciando com os cultivos através do redesenho do sistema produtivo através das inter-relações positivas existentes (LOVATTO et al., 2012).

Dessa forma, destaca-se que apesar da relevância do conhecimento sobre as plantas medicinais na agricultura, as pesquisas etnobotânicas estão focadas em sua maioria na utilização das plantas na saúde humana. Assim, este estudo teve como objetivo realizar um levantamento etnobotânico das plantas medicinais que as famílias agricultoras camponesas pertencentes ao Núcleo Regional Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia conhecem e utilizam nas atividades agropecuárias, bem como identificar as plantas citadas e verificar as finalidades de uso.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A pesquisa do tipo levantamento foi realizada com 30 famílias agricultoras que pertencem ao Núcleo Regional de Agroecologia Luta Camponesa residentes nos municípios de Porto Barreiro, Rio Bonito do Iguaçu, Nova Laranjeiras e Laranjeiras do Sul, Território da Cantuquiriguaçu - PR. Também inclui os municípios de Palmital e Laranjal, do Território Paraná-Centro (Figura 1). A pesquisa foi realizada no período de julho a dezembro de 2015.

 

Figura 1. Localização da área de estudo para levantamento de plantas medicinais de uso agropecuário pelas famílias agricultoras camponesas pertencentes ao Núcleo Regional Luta Camponesa da Rede Ecovida no estado do Paraná, Brasil

Fonte: Adaptação de Favaro, Gómez (2011).

 

O mapeamento das famílias para a pesquisa foi através de diálogo com informantes-chave (equipe técnica Centro de Capacitação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável), os feirantes do município de Laranjeiras do Sul - PR e os coordenadores dos grupos do Núcleo Regional Luta Camponesa que indicaram as famílias pertencentes à Rede Ecovida nos respectivos municípios, as quais foram selecionadas para pesquisa.

Antes da realização da pesquisa, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado aos entrevistados e assinado. Os dados foram obtidos por meio de entrevista semiestruturada, realizada de forma dialogada que permite a fluência, a criatividade e a reciprocidade entre os participantes; caminhada etnobotânica, que correspondeu ao deslocamento pela UPVF (unidade de produção e vida familiar), com pelo menos um membro da família, com o objetivo de reconhecer os recursos vegetais existentes; observação participante que consistiu em participar diretamente de algumas atividades desenvolvidas pela família agricultora; registro fotográfico; gravação de áudio e coleta de materiais botânicos (ALBUQUERQUE, 2005; GEILFUS, 2002). Para manter o anonimato as UPVFs foram numeradas de 1 a 30 e os nomes das agricultoras e agricultores foram substituídos por nomes comuns de plantas.

Foi utilizado o critério de saturação de dados com respostas em aberto, quando não há registro de informações novas até atingir o ponto de saturação (THIRY-CHERQUES, 2009). Portanto, quando as plantas e os usos começaram a se repetir, não acrescentando novas informações, sessou-se o trabalho a campo. Os resultados obtidos foram transcritos em planilhas de dados e analisados com auxílio do programa Excel 2017.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Foram citadas 72 etnoespécies de plantas medicinais para uso agropecuário, distribuídas em 38 famílias botânicas, 64 gêneros e 71 espécies identificadas. Destas, 50 etnoespécies foram descritas para uso medicinal para os animais (Tabela 1); 24 etnoespécies indicadas como bioativas e 16 etnoespécies citadas como defensivos utilizados nos cultivos.

 

Tabela 1. Plantas medicinais de uso pecuário conhecidas pelas famílias agricultoras camponesas pertencentes ao Núcleo Regional Luta Camponesa da Rede Ecovida, de acordo com a divisão, família, espécie, etnoespécie, finalidade, parte da planta utilizada, forma de preparo e número de citações.

Família/ Espécie

Etnoespécie

Finalidade

Parte da planta*

Forma de preparo**

N° de citações

Araucariaceae

Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze

 

Pinheiro-do-Paraná

Controle de carrapato, berne

Fo

M, U, Ch

5

Adoxaceae

Sambucus australis Cham. & Schltdl

Sabugueiro

Vermífugo de cachorro, vaca se limpar depois da cria, peste de sangue dos cachorros

Fo

Al, Ch

4

Amaryllidaceae

Allium cepa L.

Cebola-roxa

Derrubar verrugas das vacas

 

B

In

1

Allium porrum L.

Alho-poró

Vermes, carrapaticida, mosca do chifre

B; Fo

Ag; Sm

6

 Allium sativum L.

Alho

Vermes, bicheira, previne a bouba, carrapato, berne, antibiótico, mosca do chifre

B

Ag; Sm

15

Amaranthaceae

Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze

Terramicina

Antibiótico paras as aves

Fo

M

1

Dysphania ambrosioides (L.) Mosyakin & Clemants

 

Erva-de-santa-maria

Vermes

Fo; S

Al

5

Apiaceae

Petroselinum crispum (Mill.) Nym

 

Salsa

Ferida nos tetos das vacas

Fo

P

1

Foeniculum vulgare Mill.

 

Erva-doce

Úbere empedrada

Fo

Ch

1

Aquifoliaceae

Ilex paraguariensis A. St.-Hil.

Erva-mate

Controle de carrapato, vaca estufada (empanzinada)

Fo

Sm; P

2

Araceae

Philodendron bipinnatifidum Schott ex Endl.

Banana-de-mico, banana-guaimbé, cipó-guaimbé, banana-imbê,cipó-imbê

Controle de pulga e piolho, bouba nas galinhas, úbere empedrada

Fo

In, A, De

12

Aristolochiaceae

Aristolochia triangularis Cham.

 

Mil-homem

Úbere empedrada

Ca

P , Ch

1

Asphodelaceae

Aloe vera (L.) Burm. f.

Babosa

Feridas na úbere e mastite nas vacas

Fo

In

3

Asteraceae

Baccharis articulata (Lam.) Pers.

Carqueja

Antisséptico - desinfetar o tetos das vacas, desverminante para o gado, infecção no umbigo dos terneiros

Fo

P

4

Calendula officinalis L.

Calêndula

Ferida nos tetos das vacas

 

Fl

P

2

Senesio brasiliensis (Spreng.) Less.

Cátium, maria-mole

Berne, carrapato, úbere empedrada, mastite

 

Fo

P,

3

Solidago chilensis Meyen

Arnica

Ferida nos tetos das vacas

Fo

P

1

Tanacetum vulgare L.

Catinga-de-mulata

Úbere empedrada

Fo

P

1

Vernonanthura polyanthes (Spreng) Vega &M.Dematteis

 

Assa-peixe

Picada de cobra no cachorro

Ra

Ch

1

Xanthium strumarium L.

Carrapicho-de-carneiro

Feridas, mastite

Fo

De

1

Caricaceae

Carica papaya L.

Mamão

Vermífugo para os terneiros

Frv

Al

1

Crassulaceae

Sedum dendroideum Moc & Sessé ex DC.

 

Bálsamo

Rachadura no teto das vacas

Fo

P

1

Cucurbitaceae

Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn.

 

Tajujá

Desverminante de cavalo

Ra

Al

1

Euphorbiaceae

Ricinus communis L.

 

Mamona

Vermífugo

S

Al

1

Fabaceae

Ateleia glazioveana Baill.

 

Timbó

Controle de piolho, sarna

Fo

In

1

Phaseolus vulgaris L.

Feijão

Amarelão

S

P

1

Lamiaceae

Mentha sp.

Hortelã

 

Desverminante

Fo

M

1

Ocimum selloi (Spreng.) Link & Otto ex Benth.

Alfavaca

Ajuda a vaca se limpar depois da cria, desinchar a úbere

Fo

P, De

2

Lauraceae

Cinnamomum verum J.Presl

 

Canela

Carrapato e berne

C

Sm

1

Linaceae

Linum usitatissimum L.

Linhaça

Mastite das vacas, problemas intestinais do gado

S

De

2

Malvaceae

Sida rhombifolia L.

Guanxuma

Vitamina para as galinhas

Fo; Fl

Al

1

Meliaceae

Cedrela fissilis Vell.

 

Cedro

Pestes das galinhas

C

Ag

2

Melia azedarach L.

Cinamão

Desverminante, matar piolhos, controle da mosca do chifre, mata bicheira, combate vermes das galinhas, controle de berne e carrapato

S; Fo

Al,In, M

7

Musaceae

Musa paradisiaca L.

Banana

Vermes de porcos e terneiros, inseticida, controla as pestes das galinhas

Fo; Ca

Al; Ag; In

14

Myrtaceae

Psidium guajava L.

Goiaba

Diarreia nos terneiros

Fo

Ch

3

Nyctaginaceae

Mirabilis jalapa L.

Batata-maravilha

Controla as pestes das galinhas

Fo

Ag

1

Phytolaccaceae

Phytolacca dioica L.

Umbu, umbuzeiro, imbu

Verminoses do gado, desinfetante dos tetos das vacas, sarna dos porcos

Fo

Al; P, De

3

Piperaceae

Piper nigrum L.

 

Pimenta-do-reino

Previne a bouba

Fr; S

Al

1

Plantaginaceae

Plantago australis Lam.

Tansagem

Rachadura no teto das vacas

Fo

P

1

Poaceae

Cymbopogon winterianus Jowitt ex Bor

 

Citronela

Carrapaticida, bernicida

Fo

M

3

Polygonaceae

Rumex obtusifolius L.

 

 

Língua-de-vaca

Úbere empedrada

Fo

P, Ch

1

Rosaceae

Prunus persica (L.) Batsch

Pêssego, pessegueiro

Controle de piolho, controlar diarreia nos terneiros

Fo

In, P

2

Rutaceae

Citrus x limon (L.) Osbeck

Limão

Vermífugo

Fr

Ag

1

Ruta graveolens L.

Arruda

Gado estufado, ajuda a vaca a se limpar

Fo

Ag; P

3

Salicaceae

Casearia sylvestris Sw.

Chá-de-bugre

Antisséptico - desinfetar os tetos das vacas, desverminante para as vacas

Fo

Ch

2

Sapindaceae

Allophylus edulis (A.St.-Hil., Cambess. & A. Juss.) Radlk.

 

Vacum

Desintoxicação do gado

Fo

Ch

1

Solanaceae

Nicotiana tabacum L.

 

Fumo

Controlar piolhos

Fo

A

1

Urticaceae

Urera baccifera (L.) Gaudich. ex Wedd.

 

Urtigão

Piolho de porco

Ca

M

1

Verbenaceae

Verbena sp.

Gervão

Amarelão, intoxicação

 

Fo

Ch

2

Indeterminada

Pau-amargo

Intoxicação da vaca com silagem estragada

C

De

1

*Parte da planta: Fo: folha; S: semente; C: casca; Ca: caule; Ra: raiz; Fr: fruto; Frv: fruto verde; Fl: flor; B: bulbo. **Forma de preparo: Ch: chá; P: pomada; Al: alimentação; De: decocção; Sm: plantas misturadas ao sal mineral; A: alcoolatura; Ag: plantas misturadas à água para os animais beber; M: macerado de uso externo; In: in natura; U: unguento.

 

Para o uso no tratamento da saúde dos animais, as famílias botânicas com maior número de espécies foram a Asteraceae e Amaryllidaceae, com sete e três plantas, respectivamente. As espécies de plantas medicinais mais indicadas foram o alho (Allium sativum) com 16 citações, conforme as famílias agricultoras é utilizado para o tratamento de verminoses, bicheira (miíase), prevenir doenças em aves, carrapato, berne, antibiótico, repelir mosca-do-chifre. A banana (Musa paradisiaca) com 14 indicações usada para controlar e prevenir verminoses em suínos, bovinos e aves e como inseticida. E a banana-de-mico (Philodendron bipinnatifidum) com 12 citações, utilizada para controle de pulga e piolho, doenças em aves, úbere ‘empedrada’ das vacas.

O potencial uso do alho já foi também relatado por outros autores. Segundo Parra et al. (2014), o extrato de alho teve ação parcial sobre nematódeos gastrintestinais de bovinos. De acordo com Oliveira et al. (2015) o alho também controla carrapatos, mastite e mosca-do-chifre no gado, já para as aves atua como bactericida e melhora a atividade imunológica dos animais, reduzindo o aparecimento da doença de Newcastle. Conforme o relato de uma das agricultoras: “[...] maceta uma cabeça de alho e põe na água prás galinhas ou espreme limão na água e pronto, pros porcos também jogamos alho” (Entrevistada CAMÉLIA).

A estrutura das plantas mais comum para fazer os preparados foi a folha com 34 indicações. E a principal de preparo é a pomada 16 indicações, seguido de chá, alcoolatura e misturadas na alimentação, com 10 citações cada. Os problemas de saúde dos animais mais comuns de serem tratados com as plantas medicinais foram: os parasitas externos (berne, carrapato, bicheira e mosca-do-chifre, piolho e pulga) com 22 indicações; a produção leiteira (úbere empedrada, tetos rachados, limpeza de placenta) com 20 citações e os parasitas internos (verminoses) com 13 citações.

Para de desinfetar os tetos das vacas, e combater a infecção no umbigo dos ‘terneiros’ foi citada a carqueja (Bacharis articulata) como antisséptico. Não foi encontrado na literatura estudo com esta espécie de carqueja para uso animal, no entanto em estudo realizado por Avancini et al. (2000) com outra espécie de carqueja (Baccharis trimera) verificaram sua ação antisséptica. Lorenzi e Matos (2008) indicam que ambas apresentam características e propriedades medicinais semelhantes.

O pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia) é utilizado pelas famílias estudadas para controlar berne e carrapato do gado, fazendo macerado, chá e unguento. Castro et al. (2009) testaram extrato etanólico de pinheiro, e concluíram que extrato na concentração de 30% obteve eficácia no controle de carrapato (Rhipicephalus microplus) de 50%. O estudo de Batista et al. (2017) indicou que o mamão (Carica papaya) é descrito como anti-helmíntico, e a calêndula (Calendula officinalis) e a babosa (Aloe vera) são recomendadas para problema de pele, e o alho (Allium sativum) como repelente de insetos que atacam os animais.

Para realizar preparados úteis aos cultivos agrícolas foram citadas 16 etnoespécies, distribuídas em 13 famílias botânicas, 15 gêneros e 16 espécies (Tabela 2). As plantas medicinais possuem as funções de biofertilizante, fungicida, sendo que o principal uso é como inseticida, e que o inseto mais citado foi o pulgão. A forma de preparo mais citada é o macerado, e a estrutura mais utilizada é a folha.

 

Tabela 2. Plantas medicinais, de uso nos cultivos agrícolas, conhecidas pelas famílias agricultoras camponesas pertencentes ao Núcleo Regional Luta Camponesa da Rede Ecovida, de acordo com a família, espécie, etnoespécie, finalidade, parte da planta utilizada, forma de preparo e número de citações.

Família / Espécie

Etnoespécie

Finalidade

Parte da planta*

Forma de preparo**

N° de citações

Equisetaceae

Equisetum hyemale L.

Cavalinha

Controlar os fungos do solo

Ca

Ch

1

Dennstaedtiaceae

Pteridium aquilinum (L.) Kuhn

 

Samambaia

Inseticida (lagarta e traça do brócolis)

Fo

M

1

Amaryllidaceae

Allium sativum L.

Alho

Inseticida – pulgão

B

Al

1

Allium fistulosum L.

 

Cebolinha

Pulgão

Fo

Ch

1

Asteraceae

Tagetes erecta L.

Cravinho-de-defunto, cravo-de-defunto, flor-de-defunto

Inseticida

Fo

M

1

Euphorbiaceae

Ricinus communis L.

 

Mamona

Biofertilizante

Fo

M

1

Fabaceae

Ateleia glazioveana Baill.

Timbó

Inseticida

Fo

M

1

Parapiptadenia rigida (Benth.) Brenan

 

Angico

Inseticida – pulgão

Fo

M

1

Meliaceae

Melia azedarach L.

Cinamão

Inseticida (pulgão, lagarta, caramujo)

S

M

3

Phytolaccaceae

Petiveria alliacea L.

 

Guiné

Inseticida

Fo

M

1

Piperaceae

Piper nigrum L.

 

 

Pimenta-do-reino

Inseticida – pulgão

Fr

Al

1

Poaceae

Cymbopogon winterianus Jowitt

 

Citronela

Inseticida

Fo

M

1

Rutaceae

Ruta graveolens L.

 

Arruda

Inseticida

Fo

M

3

Urticaceae

Urera baccifera (L.)

Gaudich. ex Wedd.

Urtigão

Inseticida

Fo

M

1

Urtica dioica L.

Urtiguinha

Inseticida

Fo

M

1

Indeterminada

Pau-amargo

Inseticida

Fo

M

1

*Parte do vegetal utilizada: Fo: folha; Fr: fruto; S: semente; Ca: caule; B: bulbo. **Forma de preparo: Al: alcoolatura; Ch: chá; M: macerado, In: in natura.

 

As plantas mais conhecidas foram o cinamão (Melia azedarach) e arruda (Ruta graveolens), com três citações cada, com função de inseticida, a forma de extração dos princípios ativos é através de maceração. Estas foram umas das espécies de plantas testadas por Marcomini et al. (2009) sobre Alphitobius diaperinus (uma espécie de coleóptero), sendo que as duas tiveram resultados mais eficientes no controle do inseto.

A samambaia (Pteridium aquilinum) e o timbó (Ateleia glazioveana) foram citadas como plantas inseticidas. Gerhardt et al. (2011) realizaram testes com extratos aquosos dessas plantas que sobre Myzus persicae (afídeos) e Ascia monuste orseis (lagarta), e os resultados demostraram que os extratos de P. aquilinum apresentaram maior potencial inseticida. Conforme os estudos de Corrêa e Salgado (2011) P. aquilinum e Allium sativum apresentam potencial inseticida comprovado.

Tanto na produção animal quanto vegetal, as famílias agricultoras conhecem e utilizam determinadas plantas medicinais para solucionar alguns problemas pontuais que ocorrem durante o processo produtivo, cujos preparados são permitidos pela legislação de produção de orgânicos. Aliado a estas práticas, verificou-se que as famílias também realizam o redesenho do agroecossistema, em diferentes graus, às vezes intuitivamente, outras sob orientação técnica.

Este redesenho é adquirido com a disposição nos sistemas produtivos de determinadas plantas que apresentam algum tipo de bioatividade. Com estas características foram mencionadas 24 etnoespécies utilizadas como plantas bioativas, distribuídas em 12 famílias, 21 gêneros, e 23 espécies (Tabela 3). Com destaque para as famílias botânicas Asteraceae com oito menções e Lamiaceae com quatro espécies.

 

Tabela 3. Plantas bioativas conhecidas pelas famílias agricultoras camponesas pertencentes ao Núcleo Regional Luta Camponesa da Rede Ecovida, de acordo com a família, espécie, etnoespécie, finalidade e número de citações.

Família / Espécie

Etnoespécie

Bioatividade

N° de citações

Amaryllidaceae

Allium sativum L.

 

Alho

Repelente

2

Amaranthaceae

Dysphania ambrosioides (L.) Mosyakin & Clemants.

 

Erva-de-santa-maria

Repelente

1

Apiaceae

Coriandrum sativum L.

 

Coentro

Repelente

3

Asteraceae

Bidens sulphurea (Cav.) Sch.Bip.

Estrela

Atraente - inimigos naturais

1

Dahlia pinnata Cav.

Dália

Atraente – inimigo natural

1

Helianthus annuus L.

Girassol

Atraente – vaquinha e inimigo natural

2

Sonchus oleraceus (L.) L.

Serralha

Atraente - pulgão

1

Tagetes patula L.

Cravinho-de-defunto, cravo-de-defunto, flor-de-defunto

Repelente - vaquinha e pulgão

9

Tanacetum partthenium (L.) Schulz-Bip

 

Artemísia

Repelente

1

Tanacetum vulgare L.

 

Catinga-de-mulata, erva-mulata

Repelente

3

Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. Gray

 

 

Margaridão

Atraente - inimigos naturais

1

Brassicaceae

Brassica rapa L.

Couve-chinesa

Atraente - vaquinha e grilo

2

Brassica juncea (L.) Czern.

Mostarda

Atraente - vaquinhas

3

Cucurbitaceae

Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn.

 

Tajujá

Atraente - vaquinhas

4

Euphorbiaceae

Ricinus communis L.

 

Mamona

Repelente

1

Lamiaceae

Leonurus sibiricus L.

Rubim

Repelente

1

Mentha ssp.

Hortelã

Repelente

2

Ocimum basilicum L.

Manjericão

Repelente

2

Rosmarinus officinalis L.

 

Alecrim

Repelente

2

Phytolaccaceae

Petiveria alliacea L.

 

Guiné

Repelente

1

Poaceae

Cymbopogon citratrus (DC.) Stapf

Cidreira

Repelente

2

Cymbopogon winterianus Jowitt

 

Citronela

Repelente - vaquinha e pulgão

7

Rubiaceae

Gardenia jasminoides J.Elis

Jasmim

Atraente - inimigos naturais e abelhas

1

Rutaceae

Ruta graveolens L.

Arruda

Repelente

13

 

Quanto à bioatividade dessas espécies, 15 foram referidas como repelentes, a arruda (Ruta graveolens), o cravo-de-defunto (Tagetes patula) e a citronela (Cymbopogon winterianus), com 13, nove e sete citações, respectivamente. Como atraentes de insetos foram citadas nove etnoespécies, sendo que quatro que servem de alimento para insetos fitófagos, e quatro como atraentes de inimigos naturais. O girassol foi relatado com duas funções, uma de atrair vaquinhas, e a outra de atrair os inimigos naturais, predadores de outros insetos.

Além das plantas citadas pelas famílias agricultoras, foi observado durante a caminhada etnobotânica espécies que apresentam bioatividade de atrair inimigos naturais, como o endro (Anethum graveolens), a erva-doce (Foeniculum vulgare), o trigo mourisco (Fagopyrum sp.). Foi encontrado diversidade de plantas, próximos às residências, em muitos casos os jardins se fundem e se misturam com os pomares, as hortas, e as demais áreas de cultivos, caracterizando a diversificação dos quintais produtivos, espaços geralmente manejados pelas mulheres (Figura 3).

Altieri et al. (2007) destacam que é importante aumentar a diversidade de plantas para atrair também maior diversidade de inimigos naturais. O trigo mourisco (Fagopyrum sp.) encontrava-se consorciado com as hortaliças. De acordo com Altieri et al. (2007), essa espécie propicia o aumento dos inimigos naturais reduzindo a abundância da cigarrinha e do tripes, além de beneficiar outros predadores dominantes como aranhas, percevejos, joaninhas e o bixo-lixeiro.

 

Figura 3. Diversificação do sistema de produção no Núcleo Regional Luta Camponesa da Rede Ecovida no estado do Paraná

 

Os cultivos associados favorecem organismos benéficos e atuam como barreira para dificultar a chegada de organismos ao seu hospedeiro (LOVATTO et al., 2012). O tamanho e a forma das flores determinam quais insetos são atraídos, já que somente aqueles capazes de ter acesso ao pólen e ao néctar das flores farão uso da fonte de alimentos disponível, vespas parasitoides, preferem as flores pequenas e relativamente abertas (ALTIERI et al., 2007). Também foi verificado o consórcio de coentro (Coriandrum sativum) com escarola (Chicorium sp.), as folhas do coentro apresentam ação repelente e suas flores atraem os inimigos naturais. É importante considerar que muitas dessas plantas relatadas também são consideradas medicinais, inclusive citadas em outros levantamentos etnobotânicos, no entanto com a finalidade para uso na saúde humana (BAPTISTEL et al., 2014; JUÁREZ-VÁZQUEZ et al., 2013).

Essas plantas representam importantes componentes para biodiversidade funcional e controle biológico. A importância também é percebida por agricultores e agricultores, a seguir são apresentadas algumas falas: “[...] agora, pelos menos nos últimos tempos não uso quase nada, porque a horta já tá bem equilibrada” (Entrevistada CALÊNDULA); “[...] por exemplo, a lagarta na couve esse ano deu um poquinho, mas os passarinhos deram conta, um dia eu vi que tinha bastantinho, amanhã vou ter que fazer alguma coisa, no outro dia ia de novo, já não tinha mais nada. Isso que é o equilíbrio mesmo” (Entrevistada CALÊNDULA); “[...] quando a gente fala do equilíbrio não depende mais de tanta coisa, só dentro da horta fui contar um dia são mais de 70 plantas” (Entrevistado IPÊ).

A diversificação é fundamental para manter o equilíbrio dinâmico do agroecossistema. Esta relação fica evidente nos relatos das famílias que estão há mais tempo no manejo de base ecológica, ao afirmarem que no início havia maior necessidade de aplicação de alguma calda natural nas plantações, pois atualmente o próprio ambiente é capaz de realizar o controle biológico.

 

CONCLUSÕES

 

As famílias agricultoras pertencentes ao Núcleo Regional Luta Camponesa da Rede Ecovida de Agroecologia conhecem e utilizam as plantas medicinais para uso agropecuário. Tendo como principal finalidade o uso no tratamento da saúde dos animais, principalmente para os bovinos de leite, visto que esta é uma das atividades econômicas predominante nos municípios. Plantas com propriedades medicinais também são utilizadas para fazer preparados que atuam como defensivos naturais, que auxiliam na produção agrícola, principalmente no controle dos insetos. Existem plantas com funcionalidade bioativa, o que demonstra que há um processo de redesenho do agroecossistema, permitindo o equilíbrio do sistema. Portanto, as plantas medicinais auxiliam durante o processo de transição agroecológica, atuando como insumos locais, contribuindo com a autonomia das famílias agricultoras.

 

AGRADECIMENTOS

 

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pela concessão de bolsa através da Chamada MCTI/MAPA/MDA/MEC/MPA/CNPq Nº 81/2013, bem como aos agricultores e agricultoras que participaram da pesquisa.

 

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