Plantas medicinais utilizadas na comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará

 

Medicinal plants used in the community of Campo Preto, Arneiroz, Ceará, Brazil

 

Plantas medicinales utilizadas en la comunidad de Campo Preto, Arneiroz, Ceará, Brasil

 

Selma Freire de Brito1, Antônio Wanderson Lopes Evangelista 2

 

1Doutora em ecologia; professora do Centro de Educação, Ciências e Tecnologia da Região dos Inhamuns, Universidade Estadual do Ceará, Tauá, Ceará; +5585996074647; selma.brito@uece.br. 2Graduando em Ciências Biológicas, Centro de Educação, Ciências e Tecnologia da Região dos Inhamuns, Universidade Estadual do Ceará, Tauá, Ceará; ewanderson56@gmail.com.  

 

Recebido: 28/06/2020; Aprovado: 20/09/2020

 

Resumo: A etnobotânica tem o papel de ajudar na compreensão das relações entre o homem e as plantas de uma comunidade. O objetivo desta pesquisa foi realizar um levantamento sobre as plantas medicinais utilizadas na comunidade de Campo Preto, Armeiroz, Ceará, localizada em uma região de Caatinga. Os dados foram obtidos através de uma entrevista previamente preparada que buscava identificar o perfil das pessoas que usam; quais as plantas medicinais utilizadas; as formas de preparo; as partes consumidas; onde essas plantas são obtidas; e para quais doenças são empregadas. Sobre os entrevistados a maioria possui ensino fundamental incompleto e aprendeu sobre plantas medicinais com alguém da família. Foram relatadas 19 plantas, sendo a mais citada Lippia alba. A comunidade recorre ao uso de plantas principalmente para combater resfriados, sendo preparado principalmente na forma de chá. Chama atenção a alta quantidade de espécies exóticas usadas pela população local. Por fim, sabe-se que as plantas medicinais são consumidas por todas as famílias entrevistadas, ressaltando-se a necessidade de conhecer e de incentivar o uso de espécies da flora nativa.

 

Palavras-chave: Espécies medicinais; Conhecimento popular; Caatinga.

 

Abstract: Ethnobotany has the role of helping to understand the relationships between men and plants in a community. The objective of this research was to carry out a survey on medicinal plants used in the community of Campo Preto, Armeiroz, Ceará, located in a region of Caatinga. The data were obtained through a previously prepared interview that sought to identify the people who use it; which medicinal plants are used; the forms of preparation; the parts used; where these plants are obtained; and what diseases these medicinal plants are used for. Most of the interviewees have incomplete elementary education and learned about medicinal plants from someone in the family. Nineteen plants were cited, the most cited being Lippia alba. The community resorts to the use of plants mainly to fight colds being prepared in the form of tea. It draws attention to the high number of exotic species used by the community. Finally, it is known that medicinal plants are used by all interviewed families, emphasizing the need to know and encourage the use of species of native flora.

 

Key words: Medicinal species; Popular knowledge; Caatinga.

 

Resumen: La etnobotánica tiene el papel de ayudar a comprender las relaciones entre hombres y plantas en una comunidad. El objetivo de esta investigación fue realizar una encuesta sobre plantas medicinales utilizadas en la comunidad de Campo Preto, Armeiroz, Ceará, ubicada en una región de Caatinga. Los datos se obtuvieron a través de una entrevista preparada previamente que buscaba identificar a las personas que la usan; qué plantas medicinales se usan; las formas de preparación; las partes usadas; donde se obtienen estas plantas; y para qué enfermedades se usan estas plantas medicinales. La mayoría de los entrevistados tienen educación primaria incompleta y aprendieron sobre plantas medicinales de alguien de la familia. Diecinueve plantas fueron citadas, la más citadas es Lippia alba. La comunidad recurre al uso de plantas principalmente para combatir los resfriados que se preparan en forma de . Llama la atención sobre la gran cantidad de especies exóticas utilizadas por la comunidad. Finalmente, se sabe que las plantas medicinales son utilizadas por todas las familias entrevistadas, enfatizando la necesidad de conocer y fomentar el uso de especies de flora nativa.

 

Palabras Clave: Especies medicinales; Conocimiento popular; Caatinga.

 

INTRODUÇÃO

 

A Caatinga faz parte de um bioma global chamado de Florestas e Arbustais Tropicais Sazonalmente Secos, e apresenta a maior riqueza de espécies de todas as áreas, sendo que 23% das espécies conhecidas são endêmicas. Além da vegetação típica da Caatinga, são encontrados representantes de diversos biomas (FERNANDES; QUEIROZ, 2018). Contudo, a Caatinga é uma região cuja conservação é muito ameaçada pelas atividades humanas e pelo aumento de espécies exóticas invasoras (SOUSA et al., 2016).

Toda essa diversidade vegetal da Caatinga, têm despertado o interesse de pesquisadores que buscam conhecer as espécies com potencial fitoterápico na região (SILVA et al., 2015; REIS; PEREIRA; CANSANÇÃO, 2017; SILVA et al., 2017; ALBERGARIA et al., 2019). Assim, a etnobotânica é uma das maneiras de conhecer as plantas de uma localidade, pois segundo Vishwanathan (2018), consiste no estudo do uso das plantas e na relação do homem com estas. Através destes estudos, conhece-se as formas de uso e manejo das espécies vegetais nas comunidades locais (STRACHULSKI; FLORIANI, 2013). A partir dos levantamentos das potencialidades dos recursos vegetais disponíveis em uma certa comunidade, pode-se planejar também a conservação e a recuperação da área estudada, assim como a otimização dos usos atribuídos as plantas pelos moradores (ROQUE et al., 2010).

Segundo Soldati (2013), o resgate e a manutenção do uso de plantas medicinais são fundamentais para permitir o entendimento da relação entre as pessoas e a natureza. Muitas comunidades rurais conservam forte ligação e dependência dos recursos vegetais locais, pois mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico, o cultivo de algumas espécies completam a alimentação e necessidades básicas de sobrevivência das famílias (LUCAS et al., 2015). Da mesma forma, estudos etnobotânicos realizados na Caatinga mostram uma forte relação entre a população dessa região e as plantas medicinais (SILVA et al., 2015; SILVA et al., 2017; LIMA-NASCIMENTO; RAMOS, 2018; BISPO et al., 2019).

Apesar da importância, muito do conhecimento tradicional sobre plantas medicinais pode desaparecer (ARÉVALO-MARÍN et al., 2015) Baseado em um estudo realizado em uma comunidade rural no semiárido nordestino, Arévalo-Marín et al. (2015) afirmaram que as pressões culturais, a introdução de espécies exóticas e as mudanças geradas pela modernização, podem levar à perda do conhecimento tradicional. Por outro lado, segundo Alencar et al. (2014), as espécies exóticas inseridas dentro de uma comunidade tradicional podem ajudar na resiliência do sistema médico local ou ajudar em papéis que não são executados por espécies nativas.

Portanto, o conhecimento da relação da população com as plantas de uma região torna mais eficiente o planejamento para a conservação, tanto do conhecimento medicinal quanto das espécies vegetais. Assim, o objetivo desta pesquisa foi realizar um levantamento sobre as plantas medicinais utilizadas pela população de Campo Preto, Arneiroz, Ceará, localizado em uma região de Caatinga.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A presente pesquisa foi desenvolvida na comunidade de Campo Preto, localizada cerca de 28 Km da sede do município de Arneiroz (Latitude: 6° 19’ 7’’ Sul; Longitude: 40° 9’ 44’’ Oeste). O clima da região é classificado como tropical quente semiárido, com pluviometria média de 506,3 mm e chuvas concentradas de janeiro a abril. O município possui uma população estimada de 7.302 habitantes, com densidade de 7,07 hab./km2 (CEARÁ, 2019).

A comunidade escolhida para o estudo conta com 35 famílias, em sua maioria agricultores familiares e alguns exercem outras atividades como professores e pequenos comerciantes. Essa comunidade foi escolhida através de uma sondagem inicial com a agente comunitária de saúde, que informou que tradicionalmente seus moradores fazem uso e cultivam plantas medicinais. A pesquisa realizada é do tipo qualitativa/quantitativa (PEREIRA; MICLOS, 2013). Isso porque, foi realizado um levantamento acerca de dados quantitativos sobre plantas medicinais, seus nomes populares e uma interpretação do uso dessas espécies.

Para a coleta de dados seguiu-se a metodologia de Gomes et al. (2017), que recomendam que devem ser entrevistados entre 25% e 50% da população, em comunidades com até 100 famílias. Nesta pesquisa, 30 famílias (mais de 80% das casas da comunidade) foram visitadas. Foi considerado como critério de inclusão todas as pessoas acima de 18 anos e que se dispuseram a participar da pesquisa. Além disso, em cada família entrevistou-se apenas um membro, que forneceu as informações necessárias para a pesquisa. A escolha do membro para participar da pesquisa foi aleatória de acordo com a presença no momento da visita, disponibilidade em participar da pesquisa e tempo do participante para ceder a entrevista.

A coleta dos dados foi realizada através de uma entrevista semiestruturada. Durante essa entrevista foram feitas perguntas para identificar o perfil das pessoas que utilizam plantas medicinais na comunidade (idade, escolaridade); foram identificados quais são as plantas medicinais mais utilizadas pela comunidade; quais as formas de preparo; quais as partes utilizadas; como foram obtidas, se foram cultivadas em casa ou coletadas em ambiente natural e para quais doenças elas foram utilizadas. Além disso, cada entrevistado recebeu previamente um termo de consentimento de acordo com as normas da Resolução nº 466, do Conselho Nacional de Saúde de 12/12/2012 (BRASIL, 2012).

Durante a realização das entrevistas, não foram coletadas amostras das espécies para a herborização. Isto porque, nem todas as espécies apresentavam estruturas reprodutivas no momento da visita ou apresentavam poucas unidades cultivadas apenas para consumo. A identificação das espécies foi realizada então, considerando o nome popular indicado pelos moradores e de fotografias realizadas durante as visitas. Além disso, para a identificação das espécies foram feitas consultas a bibliografias especializadas e as informações disponíveis no banco de dados do Missouri Botanical Garden (TROPICOS, 2019). De posse desses dados, foi pesquisado a família botânica e a forma de crescimento das plantas.

Após a coleta dos dados do perfil da comunidade; da forma de utilização; do preparo e de como o conhecimento foi calculado a frequência relativa (FR) de citação, conforme Magurran (2004), pela seguinte fórmula: FAi = (ni / N) x 100 (FAi = frequência absoluta i; ni = número de pessoas que citaram i; N = número total de entrevistados). Todos os cálculos e gráficos foram feitos utilizando o programa SigmaPlot, versão 12.0 (SYSTAT SOFTWARE, 2011).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Os usuários de plantas medicinais da comunidade Campo Preto em sua maioria, cerca de 75%, são do sexo feminino, com idade variando de no mínimo 30 anos até mais de 80 anos. A pesquisa mostrou que a maior frequência relativa de anos dos usuários foi observada na classe de 39|--49 anos, com mais de 30% (Figura 1a). Em uma pesquisa semelhante realizada por Gomes et al. (2017), a faixa etária acima de 50 anos representava cerca de 62,5% dos entrevistados, mostrando que a faixa etária mais jovem nem sempre está disponível para a realização da entrevista pois, se ausentam mais para atividades como trabalho e escola ou ainda possuem menos informações acerca desta temática. Silva et al. (2015), em um estudo também realizado no Ceará, também entrevistaram em sua maioria pessoas do sexo feminino, com predominância da faixa etária de 36-45 anos. Isto porque, as mulheres muitas vezes assumem as responsabilidades dos cuidados familiares (OLIVEIRA; LUCENA, 2015).

 

Figura 1. Idade (a) e escolaridade (b) dos usuários de plantas medicinais na comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará.

 

A escolaridade dos usuários de plantas medicinais variou de analfabeto a nível superior completo. Sendo que a maioria, mais de 35%, possuía nível fundamental incompleto. A segunda maior frequência foi observada na classe ensino médio incompleto, com mais de 30% (Figura 1b). Portanto, na comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará, o uso de plantas medicinais é feito por pessoas de diferentes idades e escolaridades. Outros estudos também observam variação na escolaridade e idade, em relação ao uso de plantas medicinais (FIALHO; BASÍLIO; GUSMAN, 2018; BARRETO; SPANHOLI, 2019), mostrando que conhecer quem usa plantas medicinais é importante para ajudar na conservação dos costumes de uma comunidade.

Todos afirmaram fazer uso de plantas medicinais, sendo que mais de 60% sempre utilizou. Enquanto, cerca de 15% afirmaram usar a menos tempo, 5 anos (Figura 2a). Isto mostra que a comunidade interage com os recursos naturais e Bellé (2012), destaca ainda que as plantas medicinais e hortaliças estão relacionadas a qualidade de vida da população, proporcionando bem-estar e mais saúde.

 

Figura 2. Tempo de uso (a) e origem do conhecimento (b) sobre plantas medicinais na comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará.

 

Mais de 90% da população de Campo Preto, responderam que aprenderam a forma de preparo e indicação de uso com algum familiar e menos de 5% obtiveram informações com vizinhos (Figura 2b). Nesta linha de pesquisa Cunha et al. (2015), destacaram que o uso popular de plantas medicinais é transmitido oralmente de geração em geração e os estudos etnofarmacológicos auxiliam na preservação destas informações. De acordo com Zuchiwschi et al. (2010), os agricultores tradicionais em suas interações com os recursos naturais, adquirem conhecimentos e estes são transmitidos via experiência pessoal e de forma direta. Assim, como os resultados obtidos nesta pesquisa em sua maioria o conhecimento é passado entre os membros da própria família. Isto ocorre principalmente em comunidades predominantemente agrícola, como é o caso da estudada.

Segundo Alves e Povh (2013), a principal fonte de obtenção dos conhecimentos sobre plantas medicinais é por meio de familiares. Isto também foi observado em um estudo realizado por Fialho et al. (2018), onde mais de 70% dos entrevistados afirmaram ter adquirido o conhecimento com algum familiar. Ressalta-se a importância dos estudos de etnobotânica, pois torna estas informações disponíveis para um maior número de pessoas e contribui para a sua preservação.

Entre as espécies medicinais citadas pelos usuários pode-se destacar Lippia alba (Mill) N. E. Brown, Malva Sylvestre L., Amburana Cearensis Allemão) A.C. Sm e Aloe vera L., sendo mencionado ao todo 19 espécies. Famílias como Lamiaceae e Fabaceae estão entre as que foram citadas (Tabela 1), sendo comum encontrar referências a estas famílias em estudos etnobotânicos. Um levantamento das plantas medicinais comercializadas em Juazeiro do Norte, Ceará, Bispo et al. (2019), apontou elevada frequência de citação destas duas famílias. Isto ocorre porque é comum o uso de espécies da família Fabaceae como medicinal na Caatinga (LOIOLA et al., 2010). Além disso, Fabaceae representa grande parte da diversidade florística da Caatinga (BFG, 2015). Enquanto, a família Lamiaceae destaca-se por apresentar espécies ricas em propriedades medicinais (JUDD et al., 2009).

 

Tabela 1. Espécies medicinais utilizadas na comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará.

Nome científico

Nome popular

Família botânica

Ação

Hábito

Origem

Lippia alba (Mill) N. E. Brown

Erva cidreira

Verbenaceae

Calmante, dor

Herbáceo

Nativa

Malva sylvestre L.

Malva

Malvaceae

Anti-inflamatório, resfriados

Herbáceo

Exótica

Amburana cearensis (Allemão) A.C. Sm

Amburana

Fabaceae

Anticoagulante

Árvore

Nativa

Citrus limon (L.) Burmann F.

Limão

Rutaceae

Doenças infecciosas, resfriados

Arbusto

Exótica

Aloe vera L.

Babosa

Asphodelaceae

Cortes, queimaduras

Herbáceo

Exótica

Caesalpinia ferrea Mart. ex. Tul. var. ferrea

Pau-ferro

Fabaceae

Bronquite, inflamações

Árvore

Nativa

Myracrodruon urundeuva Allemão

Aroeira

Anacardiaceae

Doenças sexuais

Árvore

Nativa

Cymbopogon citratus (DC.) Stapf.

Capim santo

Poaceae

Cólicas, calmante

Herbáceo

Exótica

Mentha x villosa Huds.

Hortelã

Lamiaceae

Dores de cabeça

Herbáceo

Exótica

Waltheria indica L.

Malva-do- reino

Malvaceae

Anti-inflamatório

Herbáceo

Exótica

Achyrocline satureioides (Lam) D.C

Macela

Asteraceae

Dores de estômago; cólica

Herbáceo

Nativa

Citrus sinensis (L.) Osbeck

Laranja

Rutaceae

Calmante

Árvore

Exótica

Punica granatum L.

Romãn

Punicaceae

Diarreia, garganta

Arbusto

Exótica

Ximenia americana L.

Ameixa silvestre

Olacaceae

Diabetes

Árvore

Exótica

Sansevieria trifasciata Var Laurenttii

Espada de são Jorge

Liliaceae

Dores de estômago

Herbáceo

Exótica

Brassica integrifólia (H. West) Rupr.

Mostarda

Brassicaceae

Tratamento do ma-hálito

Arbusto

Exótica

Anacardium occidentale L.

Cajueiro

Anacardiaceae

Irritação na pele; infecções

Árvore

Exótica

Eucalyptos globulus Labill

Eucalipto

Myrtaceae

Febre, resfriados

Árvore

Exótica

Chenopodium ambrosioides L.

Mastruz

Amaranthaceae

Anti-inflamatório, pancadas

Herbáceo

Nativa

 

Das 19 espécies, nove apresentam porte herbáceo, sete são árvores e três arbustos (Tabela 1), havendo predominância das espécies de porte herbáceo, o que pode estar associado ao requerimento de pequenos espaços para o cultivo. Este resultado também foi observado por Aguiar e Barros (2012), no interior do Piauí e por Rodrigues e Andrade (2014), no interior de Pernambuco, onde a maioria das espécies citadas nos levantamentos apresentavam porte herbáceo.

Merece destaque a grande quantidade de espécies exóticas utilizadas para fins medicinais. De acordo com os dados, mais de 68% das espécies são exóticas. Em um estudo de Gomes et al. (2017), das 25 espécies catalogadas durante entrevista a moradores, 16 delas eram exóticas e apenas 9 nativas. Isso mostra que assim como neste estudo, muitas das espécies medicinais identificadas através de levantamentos etnobotânicos são exóticas.

Lima-Nascimento et al. (2018), também destacam a intensa ocorrência de espécies exóticas usada pela população em uma comunidade inserida na região de Caatinga de Pernambuco e como isto pode acarretar danos ao ecossistema. Espécies exóticas devem ser evitadas, pois podem se tornar invasoras de áreas naturais (KÜSTER et al., 2012) e o uso das espécies nativas deve ser mais valorizado, pois são mais conhecidas pela população local. Contudo, Alencar et al. (2014), ressaltam que o uso de espécies exóticas pode ajudar na conservação das espécies nativas e a suprir finalidades medicinais que não são atendidas por espécies nativas. Portanto, cada caso deve ser avaliado individualmente e assim planejado ações de conservação. Para a comunidade de Campo Preto, sugere-se ações de divulgação e incentivo do uso de espécies nativas.

Das 19 espécies, a erva-cidreira foi citada com mais frequência, mais de 30%. Outras espécies como a babosa, o capim santo, hortelã, malva do reino e laranja também foram frequentemente citadas pelos usuários, com mais de 5% das citações (Figura 3). A erva-cidreira é uma espécie que apresenta comprovada eficácia medicinal (GAZOLA et al., 2004). Além disso, já foi mencionada em outros levantamentos etnobotânicos na Caatinga (REIS et al., 2017; BISPO et al., 2019). Um estudo de Brito; Senna-Valle (2011), mostrou que a erva-cidreira foi a espécie indicada para o tratamento de um maior número de sintomas. A variação da frequência de uso das plantas medicinais em comunidades rurais, é relacionado, as diferentes necessidades de tratamento, além disso uma mesma planta pode estar sendo utilizada para mais de uma doença e assim ser citada mais vezes (RIBEIRO et al., 2014).

 

Figura 3. Frequência de uso das espécies medicinais na comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará.

 

Cerca de 33% dos usuários afirmaram fazer uso de plantas medicinais para combater resfriados. Enquanto, doenças como dor de cabeça, calmante e febre aparecem na sequência como as mais citadas (Figura 4). Uma pesquisa realizada acerca do uso de plantas medicinais na comunidade de São João Da Várgea em Mossoró – RN, mostrou que a maioria dos entrevistados fazem uso de plantas medicinais para tratar doenças do sistema respiratório e digestório, principalmente as que combatem os sintomas de gripe (FREITAS et al., 2015). Isso pode indicar que as plantas medicinais são utilizadas para enfermidades mais simples. Contudo, também mostra que é necessário que se planeje ações voltadas para a educação em saúde, uma vez que além de orientar o uso das plantas, pode somar experiências, repassar o conhecimento tradicional e fornecer bases para novas pesquisas (MADEIRO; LIMA, 2015).

 

Figura 4. Doenças tratadas com plantas medicinais pela população da comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará.

 

Sobre as partes mais utilizadas das plantas medicinais, a pesquisa indica que mais de 80% da população faz o uso somente das folhas. Enquanto, outras partes como frutos, casca e sementes também foram citados, com frequência de menos de 10% (Figura 5a). Resultados obtidos por Oliveira et al. (2010), mostram que utilização das folhas correspondeu a 31,5% das citações da pesquisa. Isto pode indicar ainda uma maior disponibilidade das folhas, já que flores, frutos e sementes não se encontram disponíveis em todas as épocas do ano (VÁSQUEZ et al., 2014). Além disso, nas folhas são encontrados a maior parte dos princípios ativos das plantas (SANTOS-LIMA et al., 2016). Silva et al. (2012) e Lisboa et al. (2017), em suas pesquisas etnobotânicas relataram também que as folhas são a parte da planta mais utilizadas nos preparos com plantas medicinais.


 

Figura 5. Parte utilizada (a) e forma de preparo (b) das plantas medicinais usadas pela população da comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará.

 

A maioria da população, mais de 80%, fazem uso das plantas medicinais forma de chá. Cozimento e macerados também foram citados pelos entrevistados, com cerca de 10% (Figura 5b). As formas de preparo das plantas medicinais dependem, tanto da espécie em questão, quanto da enfermidade a ser tratada (ARAÚJO et al., 2014). Segundo Amorozo (2012), as práticas relacionadas ao uso popular de plantas medicinais são o que muitas comunidades têm como alternativa viável para o tratamento de doenças ou manutenção da saúde. Silva et al. (2015), em um levantamento etnobotânico também realizado no Ceará destacou o chá como forma de preparo citada pelos entrevistados.

 

CONCLUSÕES

 

Na comunidade de Campo Preto, Arneiroz, Ceará, todos os moradores fazem uso de plantas medicinais, sendo a espécie mais usada a Lippia alba. Resfriado é a doença mais tratada com plantas. A principal forma de preparo é o chá, sendo a parte mais utilizada as folhas.

A maioria das plantas medicinais usada pela comunidade são exóticas. Alertando para a necessidade de valorização e resgate das espécies nativas da flora.

 

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