Conhecimento popular
sobre plantas medicinais em comunidades rurais
do Município de Laranjeiras do Sul, Paraná
Popular
knowledge about medicinal plants in rural communities in the municipality of Laranjeiras do Sul, Parana, Brazil
Conocimiento popular sobre plantas medicinales
en comunidades rurales del municipio de Laranjeiras do
Sul, Paraná, Brasil
Karen Karoline de Oliveira Glowka1;
Siomara Aparecida Marques2;
Gabriela Silva Moura3
1Mestre em Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável, Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul; +55 42
9999-8037, k.ren.k@hotmail.com. 2Doutora em Sociologia Política,
Professora, Universidade Federal da Fronteira Sul, Laranjeiras do Sul,
siomarques@uffs.edu.br. 3Pós-doutorado em Agroecologia e
Desenvolvimento Rural Sustentável, Universidade Federal da Fronteira Sul,
Laranjeiras do Sul, bismoura@hotmail.com.
Recebido:
03/09/2020; Aprovado: 25/11/2020
Resumo: Esta pesquisa teve como objetivo resgatar o saber popular sobre as
plantas medicinais utilizadas para a promoção da saúde e da agroecologia no
município de Laranjeiras do Sul – Paraná. Foi realizado um
estudo etnobotânico de abordagem quantitativa,
seguindo o método descritivo, a partir de uma pesquisa de campo com
agricultores das comunidades Passo Liso, Rio do Tigre e Rio Verde, situadas
nesse município, entre os meses de novembro de 2018 à
janeiro de 2019, por meio de visitas pré-agendadas e acompanhadas pelo Agente
Comunitário de Saúde (ACS) da respectiva comunidade. Os dados foram obtidos com
dezesseis famílias na comunidade de Passo Liso, dezenove famílias na comunidade
Rio Verde e quinze famílias na comunidade Rio do Tigre, totalizando 50 famílias
de agricultores, indicados aleatoriamente pelo ACS da microárea correspondente à Unidade de
Saúde do SUS. Os resultados mostraram que
100% dos agricultores utilizam plantas medicinais para tratar sintomas de
doenças, e possuem essas plantas em seus quintais. Foram citadas 73 espécies,
das quais as cinco plantas mais utilizadas pelos agricultores(as) são: a Mentha spp. (hortelã), Rosmarinus officinalis L. (alecrim), (Zingiber officinale Rosc.) gengibre, Artemisia absinthium L. (losna) e Chamomilla recutita (L.) (camomila).
Palavras-chave: Etnobotânica, Cantuquiriguaçu, Agroecologia, Conhecimento tradicional.
Abstract:
This research aimed to rescue
popular knowledge about
medicinal plants used to promote health
and agroecology in the municipality of Laranjeiras do Sul - Paraná. An ethnobotanical study with a
quantitative approach was carried out, following the descriptive method, from a
field research with farmers from the communities of Passo
Liso, Rio do Tigre and Rio Verde, located in this
municipality, between the months of November 2018 to January 2019
, through pre-scheduled visits and accompanied by the Community Health
Agent (CHA) of the respective community. The data were obtained with sixteen
families in the community of Passo Liso, nineteen families in the community Rio Verde and
fifteen families in the community Rio do Tigre, totaling 50 families of
farmers, randomly indicated by the ACS of the micro area corresponding to the
Health Unit of SUS. The results showed that 100% of farmers use medicinal
plants to treat disease symptoms, and have these
plants in their backyards. Were 73 species cited, of which the five plants most
used by farmers are: Mentha spp.
(mint), Rosmarinus officinalis L.
(rosemary), (Zingiber officinale Rosc.) ginger, Artemisia
absinthium L. (worm) e Chamomilla recutita (L.) (chamomile).
Resumen: Esta investigación
tuvo como objetivo rescatar
el conocimiento popular
sobre las plantas medicinales
utilizadas para promover la salud
y la agroecología en el municipio
de Laranjeiras do Sul - Paraná. Se realizó un estudio etnobotánico
con enfoque cuantitativo, siguiendo el método descriptivo, a partir de una investigación
de campo con agricultores de las
comunidades de Passo Liso, Rio do Tigre y Rio Verde, ubicadas
en este municipio, entre los meses de noviembre de 2018 a enero de 2019, a través de visitas preprogramadas
y acompañado por el Agente
de Salud Comunitario (CHA)
de la respectiva comunidad.
Los datos se obtuvieron con dieciséis familias
de la comunidad de Passo
Liso, diecinueve familias
de la comunidad Rio Verde y
quince familias de la comunidad Rio do Tigre,
totalizando 50 familias de agricultores, indicados
aleatoriamente por la ACS de la
microárea correspondiente a la
Unidad de Salud del SUS. Los resultados mostraron
que el 100% de los
agricultores usan plantas medicinales
para tratar los síntomas de
la enfermedad y tienen estas plantas en sus patios traseros. Se citaron 73 especies, de las cuales las
cinco plantas más utilizadas por los agricultores son: Mentha
spp. (menta), Rosmarinus officinalis
L. (romero), (Zingiber officinale Rosc.) jengibre, Artemisia absinthium L. (gusano) y Chamomilla recutita (L.) (manzanilla).
Palabras Clave: Etnobotánica, Cantuquiriguaçu, Agroecología, Conocimientos Tradicionales.
INTRODUÇÃO
A prática de utilizar
plantas para tratamento de doenças é tão antiga quanto à história
da humanidade. Sendo essa prática comum e significativa desde tempos
imemoriais até a atualidade, é utilizada pelo homem com a finalidade de cura
das enfermidades, prevenção de agravos e tratamento de doenças (MATTOS et al.,
2018). No Brasil, grande parte do
conhecimento tradicional sobre as plantas medicinais advém da cultura indígena
que utilizava em rituais e como método curativo. Além do conhecimento sobre
como utilizar as plantas medicinais, os indígenas também sabem como cuidar da
biodiversidade, e por estas razões são considerados como a maior e mais
confiável fonte de conhecimento empírico sobre as plantas medicinais. O
conhecimento tradicional indígena pode ser encontrado em todo o território
brasileiro (ROCHA; MARISCO, 2016; ALVES et al., 2015).
Os jesuítas também tiveram um papel importante frente
ao uso de plantas medicinais no território brasileiro, este não apenas com a
função de catequizar, mas também de promover o tratamento e a cura de
enfermidades, foram absorvendo gradativamente os conhecimentos indígenas que
inicialmente eram vistos pelos jesuítas como feiticeiros. Além da incorporação
do conhecimento indígena, os jesuítas foram responsáveis pelos primeiros
registros escritos e a elaboração de uma Farmacopéia
Brasileira (ROCHA et al., 2015).
Outra cultura que influenciou significativamente a
prática de utilizar plantas para curar doenças no Brasil é a cultura europeia.
Esta chegou ao Brasil com os colonizadores que se depararam com tamanha
biodiversidade da fauna brasileira, e também
incorporaram o conhecimento tradicional indígena. Com relação a incorporação da
cultura indígena pelos europeus “o indígena não conhecia somente de localização
de ouro ou onde poderia ser encontrado o pau-brasil, ele também era detentor de
um saber que poderia significar a diferença entre a vida e a morte, em um biota completamente desconhecido para o europeu (BADKE,
2008).
Na região sul do Brasil é que se pode perceber traços
da cultura europeia, sendo a população descendente de imigrantes alemães e
italianos. É também nesta região que o cultivo de plantas medicinais (há mais
de 100 anos) predomina, e o fator que contribui
para essa afirmação, são as condições favoráveis do solo e clima da região sul
que é predominantemente frio, semelhante ao clima europeu (STADNIK; VELHO; ZORRILLA, 2019).
A cultura africana também contribuiu com a prática de
utilização de plantas medicinais no Brasil. Trazidos durante o período
colonial, pelas famílias europeias, para serem seus escravos, os africanos
trouxeram consigo suas tradições como o uso de plantas medicinais as quais eram
utilizadas em rituais religiosos e por suas propriedades farmacológicas, empiricamente descobertas (SILVA et al.,
2019).
O uso das plantas
medicinais é o resultado do acúmulo secular de conhecimentos empíricos sobre a
ação das plantas por diversos grupos étnicos, entretanto a continuidade do
conhecimento tradicional passado de geração em geração, está ameaçado, devido à
esta prática ser influenciada por fatores como a grande exposição das
comunidades à atual sociedade urbano tecnológica; pressões econômicas e
culturais externas e facilidade de acesso a serviços médicos convencionais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhece a
importância das plantas medicinais para a promoção da saúde, bem como incentiva
o resgate, o reconhecimento e a valorização das práticas tradicionais e populares de uso de plantas e remédios caseiros
(OMS, 2013). A OMS ainda ressalta a importância da Medicina Tradicional
para atenção primária a saúde, uma vez que 80% da população utiliza práticas
tradicionais nos seus cuidados básicos de saúde, sendo 85% plantas ou
preparações destas (BRASIL, 2016).
Entre os principais temas relacionados
às plantas medicinais, está a agroecologia e a etnobotânica.
Segundo Caporal (2016), a agroecologia é uma
disciplina científica, tem como foco uma perspectiva ecológica, proporcionando
uma visão ampla e interdisciplinar sobre os atuais processos agrícolas.
Assim, a agroecologia como ciência estabelece as bases para a construção de
estilos de agriculturas sustentáveis e de estratégias de desenvolvimento rural
sustentável. A conexão entre a agroecologia, o
desenvolvimento sustentável e as plantas medicinais, está
em um ponto convergente comum entre os temas que é a valorização do
conhecimento empírico. A etnobotânica, é um
conhecimento científico que, como a agroecologia, incorpora o conhecimento
empírico, com a finalidade de conhecer as relações entre o homem e as plantas
que são por ele utilizadas. Permite de forma abrangente conhecer a forma de
cultivo, o manejo, como é feita a identificação, o preparo, e como é consumida a
planta.
Nesse contexto, a
presente pesquisa teve como objetivo resgatar
o saber popular sobre as plantas medicinais utilizadas para a promoção da saúde
e da agroecologia em comunidades rurais situadas no Município de Laranjeiras do
Sul, Paraná.
MATERIAL E
MÉTODOS
Esta pesquisa trata-se de um estudo etnobotânico
de abordagem quantitativa, seguindo o método descritivo, a partir de uma
pesquisa de campo com agricultores das comunidades rurais de Passo Liso, Rio do
Tigre e Rio Verde, situados no município de Laranjeiras do Sul, no Paraná. Laranjeiras do Sul possui uma área territorial de
673.313km², está localizada geograficamente a uma altitude de 840m, latitude
25º 24’ 28’’ S, longitude 52º 24’ 58’’ W. O clima predominante na região é o
subtropical úmido. Tem uma população total de 32.132hab., sendo que
aproximadamente 6.462hab., residem na zona rural do município (PMLDS, 2018). A
pesquisa foi realizada em novembro de 2018 a janeiro de 2019.
Foram realizadas visitas pré-agendadas e acompanhadas pelo Agente
Comunitário de Saúde (ACS) de cada comunidade. Os agricultores foram indicados
pelo ACS da microárea correspondente, e o critério da amostra utilizado para a
escolha dos agricultores que responderiam ao questionário, foi ser maior de 18
anos e residir em uma das três comunidades. Para uma amostra significativa
optou-se por entrevistar um quantitativo de 20% das famílias residentes em cada
comunidade, sendo que apenas um dos membros da família seria entrevistado. A comunidade de Passo
Liso constituída por 77 famílias das quais dezesseis foram entrevistadas, a
comunidade Rio Verde com 95 famílias, destas dezenove famílias foram
entrevistadas e a comunidade Rio do Tigre apresentou 72 famílias, destas quinze
foram entrevistadas.
No momento da visita, sob o acompanhamento
do ACS, foi explicado aos agricultores(as)
que seria uma pesquisa realizada com finalidade acadêmica sobre seu
conhecimento referente ao cultivo e ao uso das plantas medicinais, sendo
resguardada qualquer informação pessoal fornecida ao pesquisador. Assim, um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado aos entrevistados e assinado.
Após a entrevista, foram realizadas turnês-guiada com
os agricultores(as) conforme proposto por Albuquerque
et al. (2014). Com as plantas citadas pelos agricultores (as) foi realizado
registro fotográfico, coleta e identificação de materiais botânicos, com
auxílio de literatura pertinente e de informações do Internacional Plant Names Index (IPNI, 2019). A análise e apresentação dos dados foi realizada de forma descritiva, e
os resultados obtidos foram transcritos em planilhas de dados e analisados com
auxílio do programa Excel 2017.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Percebe-se que a faixa etária dos moradores foi entre
20 e > 60 anos, com representação em todas as comunidades dentro deste
intervalo (Tabela 1). Segundo Zeni et al. (2017) em seu estudo, a idade dos moradores
é importante na pesquisa com plantas medicinais por representar o conhecimento
passado de geração em geração. Neste sentido, o intervalo de idade entre os moradores
mostra que o conhecimento tradicional passado de geração em geração ainda
acontece dentro dessas comunidades.
Tabela
1. Frequência e porcentagem sobre a
idade, etnia, sexo e tempo de residência nas comunidades rurais de Passo Liso
(PL), Rio Verde (RV) e Rio do Tigre (RT), de Laranjeiras do Sul, Paraná. |
|||||||
Questão |
Opção |
Frequência |
Porcentagem |
||||
|
|
PL |
RV |
RT |
PL |
RV |
RT |
Idade |
>20 |
0 |
1 |
0 |
0 |
5,3 |
0 |
|
21 a 40 |
4 |
5 |
6 |
25 |
26,3 |
40 |
|
41 a 60 |
6 |
6 |
6 |
37,5 |
31,6 |
40 |
|
> 60 |
6 |
7 |
3 |
37,5 |
36,8 |
20 |
Etnia |
Alemã |
0 |
1 |
6 |
0 |
5,3 |
40 |
|
Brasileira |
1 |
11 |
4 |
6,25 |
57,9 |
26,7 |
|
Italiana |
5 |
0 |
3 |
31,25 |
0 |
20 |
|
Indígena |
2 |
7 |
0 |
12,5 |
36,8 |
0 |
|
Polonesa |
4 |
0 |
0 |
25 |
0 |
0 |
|
Russa |
1 |
0 |
0 |
6,25 |
0 |
0 |
|
Ucraniana |
1 |
0 |
0 |
6,25 |
0 |
0 |
|
Não soube |
2 |
0 |
2 |
12,5 |
0 |
13,3 |
Sexo |
F |
14 |
12 |
9 |
87,5 |
63,1 |
60 |
|
M |
2 |
7 |
6 |
12,5 |
36,9 |
40 |
Tempo de residência (anos) |
Até 5 |
0 |
2 |
1 |
0 |
10,5 |
6,7 |
|
5 a 10 |
2 |
2 |
|
12,5 |
10,5 |
0 |
|
10 a 20 |
1 |
4 |
2 |
6,25 |
21,1 |
13,3 |
|
> 20 |
13 |
11 |
12 |
81,25 |
57,9 |
80 |
Número total de famílias |
|
|
|
50 |
|
|
|
Quanto à etnia, por meio dos dados levantados foi possível identificar vários grupos étnicos na região, dentre eles brasileira
(32%), indígena (18%), italiana (16%), alemã (14%), polonesa (8%), russa (2%),
ucraniana (2%) e não souberam responder (8%). Na região do Sul do Brasil, por
“etnia brasileira” é considerado aquele indivíduo que é resultado da miscigenação de
origens étnicas diferentes como dos povos indígenas originais, dos negros
africanos e dos colonizadores portugueses. Verifica-se que a cultura
indígena é bastante representativa entre as comunidades, e segundo autores como Santos, Araújo e Batista
(2010), os indígenas são detentores de um conhecimento empírico ainda não
conhecido em sua totalidade por pesquisadores, principalmente quando se refere
a cuidar da biodiversidade e ao desenvolvimento de atividades menos
predatórias, sendo a cultura indígena considerada a maior fonte de conhecimento
empírico e de sabedoria da humanidade.
Quanto ao sexo, 70% dos moradores são do sexo feminino
e 30% do sexo masculino. Segundo Pulga (2013), o conhecimento sobre plantas
medicinais está intimamente ligado ao papel das mulheres dentro da família, e
Marques et al. (2015) explica que esta ligação provem
do ato de cuidar, uma responsabilidade que a mulher traz para si.
Para as mulheres as plantas medicinais representam
muito mais do que uma prática terapêutica, trata-se de uma consciência
ecológica, uma tradição familiar além do cuidado. É importante destacar que a
mulher camponesa veio ganhando seu espaço aos poucos e que as plantas
medicinais funcionaram como uma “ponte” para uma reflexão mais ampla sobre
questões de gênero. A partir de movimentos sociais como por exemplo, o
Movimento das Mulheres Camponesas, as plantas medicinais puderam ser vistas não
apenas como algo que a natureza oferece para tratamento de enfermidades, mas
também como um momento para se introduzir um debate sobre sustentabilidade,
agroecologia e soberania alimentar (MARQUES et al.; 2015).
Além de fatores relacionados à idade e ao
sexo dos moradores(as), foi evidenciado, que a maioria (72%) reside na
respectiva comunidade há mais de 20 anos (Tabela 1). Muitos deles, além de
herdarem de seus antepassados o conhecimento sobre plantas medicinais, herdaram
também parte da propriedade, podendo dar sequência ao cuidado e ao cultivo das
plantas medicinais ali presentes.
Ainda com relação ao perfil dos moradores(as), outro ponto importante foi o grau de escolaridade que estes possuem. Na Figura 1, observamos que a maioria dos moradores(as) estudou apenas as séries iniciais do ensino fundamental (52%), seguidos daqueles que concluíram apenas o nível fundamental (12%) e também dos que concluíram o ensino médio (12%), na sequência os moradores(as) que cursaram apenas parte do ensino médio (6%), os que ainda estão cursando o ensino superior somaram 2%, os que possuem ensino superior somaram 4%, e com pós-graduação 6%. O índice de analfabetismo ficou em 6%. Para Pires et al. (2014), o nível de escolaridade se mostra independente quando se trata do uso de plantas medicinais, podendo afirmar que o uso de plantas medicinais como opção de tratamento terapêutico ocorre de forma semelhante em pessoas com níveis menores de escolaridade e pessoas com maiores níveis de escolaridade.
Figura
1. Porcentagem referente ao nível de escolaridade dos
agricultores (as) pertencentes às comunidades rurais de Rio do Tigre, Rio Verde
e Passo Liso, de Laranjeiras do Sul, Paraná.
Quando questionados(as) sobre a utilização
de plantas medicinais, 100% dos agricultores(as) moradores afirmaram que usam
plantas medicinais para tratar de doenças ou sintomas, cotidianamente.
A fonte de conhecimento sobre plantas
medicinais é revelada pelos moradores(as) como sendo um conhecimento cultural
passado de geração em geração em sua maioria, sendo este conhecimento
aperfeiçoado através de cursos oferecidos por instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e a
Pastoral da Criança e também por meio dos
profissionais informais como os Bioenergéticos e vizinhos da própria comunidade.
Sobre o conhecimento passado de geração em geração,
vale destacar que este inclui além do cultivo, armazenamento e uso da planta, a
distinção sobre as plantas que, se utilizadas de forma incorreta, podem ser
tóxicas ou causar danos à saúde, onde a figura materna aparece como a detentora
deste conhecimento e responsável por manter viva a cultura popular na família. Assim como citado anteriormente, a mulher camponesa
novamente é destacada pelos moradores(as) neste momento.
Ao serem questionados quanto à
frequência da utilização das plantas medicinais para tratamento de sintomas ou
doenças, obtivemos as seguintes respostas, 90% disseram que utilizam plantas
medicinais como primeira opção de tratamento ou diariamente mesmo sem estar
doente, como uma prevenção para agravo da saúde ou doença; seguidos daqueles
que ainda preferem utilizar apenas em casos mais simples ou concomitantemente
ao medicamento sintético ou alopático (10%). No que se refere à utilização das
plantas medicinais como primeira opção para fins de tratamento de enfermidade,
os moradores(as) apresentaram os seguintes
relatos: “[...] cresci vendo a minha mãe
usar plantas pra fazer chá, então aprendi com ela e uso sempre” (Entrevistado
PL); “[...] as planta ajuda bastante, e são
natural né? Daí não faz mal usa. Mas sempre é bom ter os
remedinho também, porque eles faz o efeito mais rápido” (Entrevistado
RV); “[...] aqui a
comunidade fica longe da cidade, às vezes a gente precisa se virar com o que
tem mais fácil, principalmente a gente que tem criança, ai as planta tem aqui
na casa, e resolve um pouco até a saúde chegar na quinta, se não resolver daí
vai no plantão” (Entrevistado RT).
Os motivos que levam esta grande
porcentagem de agricultores(as) a utilizar plantas medicinais como primeira opção
de tratamento, além da questão cultural, são fácil acesso às plantas, sendo que
todos os moradores(as) têm em seu quintal pelo menos um tipo de planta que
utiliza para fins medicinais. O fato da planta não ter
um custo para aquisição, “não precisa comprar no mercado”, também foi destacado
por eles(as).
Há também a convicção, de alguns moradores(as), que a planta medicinal é menos ofensiva ao
organismo, ou seja, não faz mal porque trata-se de um produto natural. Cerca de
52% informaram que usam plantas medicinais por não apresentar efeitos
colaterais como os medicamentos sintéticos. A seguir são apresentadas algumas
falas: “[...] a planta é natural, é da terra, não faz mal” (Entrevistado PL); “[...] se a gente usa esses medicamento da farmácia,
arruma uma coisa e estraga otra, então a planta é
melhor, porque a gente toma os chá e não faz mal” (Entrevistado RV).
Alguns moradores(as) (18%)
informaram ainda que um dos motivos que leva à utilização das plantas
medicinais, é a demora do serviço de saúde chegar na comunidade, considerando
que na Unidade de Saúde do Passo Liso o serviço de saúde é realizado duas vezes
por semana, na Unidade de Saúde do Rio Verde quinzenalmente, e na
Unidade de Saúde do Rio do Tigre semanalmente.
Considerando tudo o que foi
abordado nesta pesquisa com os agricultores(as), o conhecimento empírico que
trazem com eles/elas, é evidenciado a todo momento nos seus relatos, como algo
único, valioso e verdadeiro, é um conhecimento considerado uma herança de
família, uma tradição. Em meu entendimento, os agricultores empiricamente
acreditam no potencial curativo das plantas, cultivam estas plantas, preparam e
consomem crendo que seu efeito será benéfico para a saúde daqueles que a
utilizam.
Durante a realização das visitas e entrevistas foi
possível fazer um levantamento da diversidade de plantas medicinais dos
quintais dos agricultores das três comunidades rurais, evidenciando um total de
73 espécies de plantas medicinais, sendo as mais encontradas pertencentes a família
Asteraceae com aproximadamente 19% (Tabela 2). Alguns exemplos de espécies
desta família são: alcachofra, calêndula, camomila, figatil,
guaco, marcela e novalgina.
Tabela 2. Plantas de uso medicinal conhecidas pelas famílias
agricultoras das comunidades rurais de Passo Liso, Rio Verde e Rio do Tigre, de
acordo com seu nome popular e científico, família botânica, parte da planta
utilizada (PU), Indicação terapêutica popular (ITP), forma de preparo, tipo
de uso e número de citações (Nº). |
|||||||
Denominação popular |
Nome científico |
Família |
PU |
ITP |
Forma de preparo |
Tipo de uso |
Nº |
Abacateiro |
Persea americana Mill. |
Lauraceae |
Folha |
Dor de estômago, má
digestão, câncer, infecção na bexiga |
Chá |
Interno |
1 |
Açafrão
|
Curcuma longa L. |
Zingiberaceae |
Raiz
|
Gargarejo ou bochecho no
caso de infecção de garganta; como compressa |
Chá |
Interno |
1 |
Alcachofra |
Cynara scolymus L. |
Asteraceae |
Flor |
Dor de estômago, má
digestão |
Chá |
Interno |
3 |
Alecrim |
Rosmarinus officinalis L |
Lamiaceae |
Folha |
Hipertensão, circulação,
nervosismo, ansiedade, má digestão, dor de cabeça |
Chá, banho |
Interno/ externo |
18 |
Alfavaca |
Ocimum basilicum L. |
Lamiaceae |
Folha |
Dor de garganta, problemas
respiratórios, cólicas, infecção urinária e reumatismo |
Chá, banho |
Interno/ externo |
1 |
Alfazema |
Lavandula officinalis L. |
Lamiaceae |
Folha,
flor |
Calmante, dor de cabeça,
dor de estômago |
Chá |
Interno |
3 |
Alho
|
Allium sativum L. |
Amaryllidaceae |
Bulbos |
Anti-inflamatório, gripe,
vermes, hipertensão, colesterol, tosse, bronquite |
Chá, fresco |
Interno |
3 |
Ameixa
|
Eriobotrya japonica Thunb. Lindl. |
Rosaceae |
Fruto |
Gripe, bronquite, regulador
intestinal |
Chá |
Interno |
1 |
Amora
branca |
Rubus
brasiliensis Mart. |
Rosaceae |
Folha |
Hipertensão, dor de
garganta, infecção urinária, colesterol, diabetes |
Chá |
Interno |
1 |
Arruda |
Ruta graveolens L. |
Rutaceae |
Folha |
Mal olhado, dor de cabeça,
alergia, dor de dente. |
Chá |
Interno |
11 |
Babosa |
Aloe vera (L.) Burm. F. |
Xanthorrhoeaceae Asphodelaceae |
Folha
|
Queimaduras, feridas, queda
de cabelo |
Shampoo,
unguento |
Externo |
9 |
Bálsamo |
Sedum dendroideum
Moc. & Sessé ex
DC |
Crassulaceae |
Folha |
Dor de estômago, ferimentos |
Chá, emplasto |
Interno/ externo |
3 |
Batata
doce |
Ipomoea batatas L. |
Convolvulaceae. |
Folha |
Falta de vitamina C, gripe,
diabetes, hipertensão, anemia |
Chá |
Interno |
1 |
Bergamoteira |
Citrus aurantium
bergamia |
Rutaceae |
Folha,
fruta |
Diurética, febre, gripe,
ácido úrico |
Chá, in natura |
Interno |
1 |
Boldo |
Plectranthus barbatus Andr. |
Lamiaceae |
Folha |
Dor de estômago, má
digestão (fígado), azia, “embrulho” no estômago |
Chá, maceração |
Interno |
7 |
Calêndula |
Calendula officinalis L. |
Asteraceae |
Flor,
folha |
Conjuntivite, dor de
estômago, circulação e coração, ferimentos, inflamação, cólica menstrual |
Chá, pomada |
Interno/externo |
1 |
Camomila Maçanilha |
Chamomilla recutita (L.) Rauschert |
Asteraceae |
Flor |
Dor de barriga em bebês e
crianças, calmante, gases, dor na gengiva, herpes, cicatrizante, hemorroidas |
Chá, maceração, tintura |
Interno/ externo |
14 |
Canela |
Cinnamomum zeylanicum Blume |
Lauraceae |
Casca
|
Bronquite, abortivo |
Chá |
Interno |
1 |
Canfrinho Cânfora |
Artemisia alba Turra |
Compositae |
Folha |
Diabetes, hipertensão, dor
no corpo, febre, cólicas, dor de cabeça |
Chá |
Interno |
7 |
Capim
cidreira Capim
limão |
Cymbopogon citratrus (DC.) Stapf |
Poaceae |
Folha
|
Ansiedade, gripe,
hipertensão, gases |
Chá |
Interno |
13 |
Capote Setecapote |
Campomanesia guazumifolia (Cambess.) O. Berg |
Myrtaceae |
Folha
|
Diarreia |
Chá |
Interno |
1 |
Carqueja
|
Baccharis articulata
(Lam.) Pers |
Asteraceae |
Folha
|
Dor de estômago, feridas |
Chá, decocção |
Interno/ externo |
1 |
Casca
do Monjoleiro |
Senegalia polyphyla |
Fabaceae
Mimosoideae |
Casca,
folha |
Febre, tosse |
Chá |
Interno |
1 |
Catinga
de mulata |
Tanacetum vulgare L. |
Asteraceae |
Folha,
flor |
Dor no corpo, cicatrização,
piolho, vermes, asma, infecção |
Chá, pomada, decocção |
Interno/ externo |
7 |
Cavalinha |
Equisetum hyemale L. |
Equisetaceae |
Casca
|
Diurético |
Chá |
Interno |
4 |
Cipó
escada |
Bauhinia Splendens |
Fabaceae
Caesalp. |
Caule,
casca e folhas |
Hemorroidas, reumatismo |
Chá |
Interno |
1 |
Cipó
Mil-homens |
Aristolochia triangularis Cham. |
Aristolochiaceae |
Caule,
folha |
Vermes, diarreia, problemas
respiratórios, coceira, picada de cobra |
Chá |
Interno |
4 |
Coentro |
Coriandrum sativum L. |
Apiaceae |
Folha
|
Calmante, cólica em bebê |
Chá |
Interno |
1 |
Confrei |
Symphytum officinale L. |
Boraginaceae |
Folha
|
Cicatrizante, ferimentos,
doenças respiratórias, dor de estômago |
Chá, emplasto |
Interno/ externo |
7 |
Couve |
Brassica oleracea L. |
Brassicaceae |
Folha
|
Ferimentos, queimaduras |
Sumo, emplasto |
Interno/ |
1 |
Cravo
de defunto |
Tagetes erecta L. |
Asteraceae |
Flor
|
Vermes, laxante, imunidade |
Maceração, chá |
Interno/externo |
2 |
Endro |
Anethum graveolens L. |
Apiaceae |
Folha,
flor, semente |
Cólica em bebê, diarreia,
dor de estomago, má digestão, aumentar leite materno |
Chá |
Interno |
7 |
Erva
de bicho |
Polygonum hydropiperoides Michx. |
Polygonaceae |
Folha
|
Hemorroidas |
Pomada |
Externo |
1 |
Erva
doce |
Pimpinella anisum L. |
Apiaceae |
Semente |
Cólica em bebê, aumentar
leite materno |
Chá |
Interno |
13 |
Espinheira
Santa |
Maytenus ilicifolia
Mart. ex Reissek |
Celastraceae |
Folha
|
Má digestão, dor de
estômago |
Chá |
Interno |
6 |
Figatil |
Gymnanthemum amygdalinum (Delile) Sch. Bip. ex Walp |
Asteraceae |
Folha
|
Sintomas do fígado e
vesícula, náusea, vômito, má digestão |
Chá |
Interno |
2 |
Funcho |
Foeniculum vulgare Mill. |
Apiaceae |
Folha,
fruto |
Gases, sensação de
“estufamento” na barriga |
Chá |
Interno |
3 |
Gengibre
|
Zingiber officinale Roscoe |
Zingiberaceae |
Rizoma |
Tosse, gripe, bronquite,
gases |
Chá |
Interno |
12 |
Gervão |
Verbena sp. |
Verbenaceae |
Folha |
Vermes, diarreia, dor de
barriga, dor de cabeça |
Chá |
Interno |
3 |
Goiabeira
|
Psidium guajava L. |
Myrtaceae |
Folha
|
Sapinho, corrimento vaginal |
Chá |
Interno/ externo |
1 |
Guaco
|
Mikania glomerata Spreng. |
Asteraceae
|
Folha
|
Gripe, bronquite, tosse |
Chá, xarope |
Interno |
6 |
Guavirova |
Campomanesia xanthocarpa O.
Berg |
Myrtaceae |
Folha |
Colesterol, hipertensão,
gripe |
Chá |
Interno |
2 |
Guaxuma |
Sida rhombifolia L. |
Malvaceae |
Planta
inteira |
Diarreia, infecção urinária
|
Chá |
Interno |
1 |
Guiné |
Petiveria alliacea L. |
Phytolaccaceae |
Folha |
Dor de barriga, reumatismo
no sangue, gripe, ferimentos, tosse com catarro |
Chá |
Interno/externo |
5 |
Hortelã |
Mentha spp. |
Lamiaceae |
Folha
|
Calmante, gripe, dor de
cabeça, vermes |
Chá |
Interno |
23 |
Insulina
|
Cissus verticillata (L.) Nicolson & C. E. Jarvis |
Vitaceae |
Folha |
Diabetes |
Chá |
Interno |
3 |
Laranjeira
|
Citrus sinensis (L.) Osbeck |
Rutaceae |
Folha |
Gripe, resfriado |
Chá |
Interno |
6 |
Losna
|
Artemisia absinthium L. |
Asteraceae |
Folha |
Vermes, gases, má digestão,
diurética |
Chá |
Interno |
8 |
Macieira |
Malus domestica |
Rosaceae |
Folha |
Diabetes, colesterol |
Chá |
Interno |
1 |
Malva
|
Malva sylvestris L. |
Malvaceae |
Folha,
flor, fruto |
Dor de dente, bronquite,
tosse, corrimento |
Chá |
Interno |
4 |
Manga |
Mangifera indica L. |
Anacardiaceae |
Folha |
Disenteria |
Chá |
Interno |
3 |
Manjerona |
Origanum majorana L. |
Lamiaceae |
Folha
|
Má digestão, cólica em
bebês, azia |
Chá |
Interno |
8 |
Mastruz |
Chenopodium ambrosoides L. |
Brassicaceae |
Folha
|
Gripe, resfriados, dor de
garganta |
Chá |
Interno |
2 |
Marcela
|
Achyrocline satureioides (Lam.) DC. |
Asteraceae |
Folha,
flor |
Cólica, diarreia,
colesterol, calmante |
Chá |
Interno |
6 |
Marcelinha
Galega |
Chamaemelum nobile (L.) All. |
Asteraceae |
Folha,
flor |
Cólica |
Chá |
Interno |
7 |
Melissa
|
Melissa officinalis L. |
Lamiaceae |
Folha,
flor |
Ansiedade, enxaqueca,
gripe, herpes |
Chá |
Interno/externo |
5 |
Morango |
Fragaria x ananassa |
Rosaceae |
Folha |
Infecção urinária |
Chá |
Interno |
1 |
Novalgina Mil-ramas Mil-folhas Pronto
alivio |
Achillea millefolium L. |
Asteraceae |
Folha
|
Ansiedade, stress, dor de
cabeça, cólica, febre, diurética |
Chá |
Interno |
13 |
Osmarin |
|
Asteraceae |
Ramo,
folha |
Anti-inflamatória |
Chá |
Interno |
1 |
Pata
de vaca |
Bauhinia forficata Link |
Fabaceae
Caesalp. |
Folha,
ramo, casca, flor |
Diurética, diabetes |
Chá |
Interno |
2 |
Pitanga |
Eugenia uniflora L |
Myrtaceae |
Folha |
Diarréia, dor de estômago, colesterol, diabetes, calmante,
cicatrização |
Chá, maceração |
Interno/ externo |
2 |
Poejo |
Mentha pulegium L. |
Lamiaceae |
Folha |
Tosse com catarro, peito
carregado, calmante para bebês |
Chá |
Interno |
10 |
Pulmonaria |
Stachys byzantina K.
Koch |
Lamiaceae |
Folha |
Má digestão, dor estômago,
gripe |
Chá |
Interno |
3 |
Quebra-pedra |
Phyllanthus niruri L. |
Phyllanthaceae |
Folha,
flor, raiz |
Diurética, pedra nos rins,
diabetes, cólica |
Chá |
Interno |
2 |
Salsaparrilha |
Smilax
brasiliensis Spreng. |
Smilacaceae |
Folha |
Inflamação |
Chá |
Interno |
1 |
Sálvia |
Salvia officinalis L |
Lamiaceae |
Folha,
flor |
Má digestão, dor de
estômago, retenção de líquidos, diabetes, intestino preso, picada de inseto,
micose |
Chá |
Interno |
8 |
Sete-sangria |
Cuphea carthagenensis
(Jacq.) J. F. Macbr |
Lythraceae |
Folha |
Hipertensão, diabetes |
Chá |
Interno |
1 |
Tanchagem |
Plantago major L. |
Plantaginaceae |
Semente |
Diurético, diarreia, tosse,
hipertensão |
Chá |
Interno |
6 |
Tarumã |
Vitex taruma Mart. |
Verbenaceae |
Folha |
Reumatismo, hemorroidas,
problemas de pele |
Chá |
Interno |
4 |
Tenente
José |
Picramnia
parvifolia Engl. |
Picramniaceae |
Caule,
folhas |
Dor de estômago, diarreia,
anemia |
Chá |
Interno |
1 |
Terramicina Penicilina
|
Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze |
Amaranthaceae |
Folha,
flor |
Inflamação e infecção,
diurética, dor no corpo, gases, tosse |
Chá, maceração |
Interno |
5 |
Violeta |
Viola odorata L. |
Violaceae |
Folha,
flor |
Ferida na boca, dor de
garganta |
In natura |
Interno |
6 |
Podemos observar que entre as plantas
medicinais citadas, há nomenclatura semelhante à de fármacos desenvolvidos pela
indústria farmacêutica, são exemplos: a insulina, a novalgina que também
enquanto planta, recebe o nome de mil-folhas, mil-ramas e pronto alívio, e a
penicilina também denominada terramicina. A relação entre a indicação do uso da
planta e do fármaco para o tratamento de sintomas é evidente. Como planta, a
insulina é indicada empiricamente para auxiliar no tratamento de diabetes,
assim como a insulina fabricada pela indústria farmacêutica, já a novalgina é
citada pelos agricultores como uma planta indicada no tratamento de dores de
cabeça e febre, além de outros sintomas, sendo que estes dois sintomas citados
coincidem com a indicação terapêutica da Novalgina, nome comercial da dipirona
sódica, indicada para o tratamento de sinais de febre e dor. A penicilina
enquanto planta é indicada para inflamação e infecção, e enquanto medicamento é
usada com ação antibiótica, atingindo desta forma os focos de infecção por
bactérias.
Nas três comunidades estudadas, as cinco espécies de
plantas medicinais mais utilizadas foram: Hortelã (Mentha spp.), Alecrim (Rosmarinus officinalis L.), Gengibre (Zingiber officinale Roscoe),
Losna (Artemisia absinthium
L.), Camomila (Chamomilla recutita (L.)
Rauschert), conforme Tabela 3.
Tabela 3. Porcentagem e frequência das cinco plantas mais
utilizadas pelas comunidades de Passo Liso (PL), Rio Verde (RV) e Rio do
Tigre (RT), pertencentes ao município de Laranjeiras do Sul, Paraná |
|||||
Plantas Medicinais |
Frequência |
Total |
(%) |
||
PL |
RV |
RT |
|
|
|
Mentha spp. |
9 |
6 |
5 |
20 |
40 |
Rosmarinus officinalis L. |
4 |
4 |
2 |
10 |
20 |
Zingiber officinale Roscoe |
4 |
4 |
|
8 |
16 |
Artemisia absinthium L. |
4 |
3 |
1 |
8 |
16 |
Chamomilla recutita |
5 |
1 |
2 |
8 |
16 |
Quanto à origem das plantas medicinais mais citadas pelos
agricultores (as), três delas são de origem europeia, sendo a hortelã, a
camomila e a losna, já o gengibre tem suas origens na Índia e na China, e o
alecrim é originário das Costa do Mar Mediterrâneo (MOTA; RODRIGUES, 2001).
Para o uso no tratamento de enfermidades, as plantas
medicinais mais mencionadas e conhecidas pelas comunidades foram a hortelã,
alecrim, gengibre, losna e camomila. Em geral, o conhecimento sobre o uso das
plantas medicinais para o tratamento de doenças é passado de geração em geração,
pois trata-se de um conhecimento empírico, adquirido através da observação e da
experimentação, isto ocorre desde a época primitiva quando o homem observava o
comportamento de animais adoecidos utilizando remédios do mato para melhorar
sua condição e repetindo este comportamento para sintomas semelhantes aos dos
animais. Outra tática utilizada pelo homem desde o princípio era a da
semelhança pelo formato ou cor da planta ou fruto, no tratamento de doenças. Apesar de ser uma tradição de uso como remédio
em uma população ou comunidade, o uso de plantas medicinais requer cuidados,
pois se utilizadas de forma incorreta, indiscriminadamente podem acarretar em superdosagens, ineficácia terapêutica e
toxicidade (ZENI et al., 2017).
A hortelã (Mentha spp.), foi mencionada para tratar nove
tipos de sintomas distintos, sendo sintomas de gripe um dos mais citados pelos moradores.
Esta planta é utilizada para fazer chá, como explica o agricultor, “[...] então você pega e põe umas duas colher de açúcar numa panelinha e leva
ao fogo até derreter, daí ferve uma água na chaleira, que dê mais ou menos um
copo, e põe junto do açúcar derretido e umas folha de hortelã, fecha com uma
tampa pra abafar, e deixa ali até esfriar, e toma antes de dormir, pra gripe num tem coisa melhor, mas daí você não pode tomar nada
gelado no outro dia, se não prejudica (Entrevistado PL)’’.
Na
citação do morador descrita acima é possível perceber que a planta não pode ser
preparada e consumida de qualquer maneira, há todo um ritual empírico que nasce
de uma tradição cultural sobre determinada planta. Na simplicidade do preparo
deste “remédio” vemos que há uma relação de cuidado empregado por aquele que
prepara e ensina o consumo correto da planta e aquele que necessita deste
remédio. O cuidado, neste caso está muitas vezes ligado à figura materna dentro
da família, pois é a mulher muitas vezes quem toma conta da horta onde as
plantas medicinais se encontram, é ela também quem detém aquele conhecimento
passado de geração em geração.
Outra planta utilizada para
vários tipos de sintomas é o alecrim, que segundo os agricultores(as) pode ser
uma opção de tratamento para sete tipos de sintomas, sendo o nervosismo ou
ansiedade o mais comum citado entre os moradores. Segundo eles/elas o alecrim
age como um calmante, podendo ser usado na forma de chá ou como um tempero.
Entre os moradores(as), o gengibre surgiu
como uma planta medicinal capaz de tratar sete tipos de sintomas, entre os mais
citados temos a dor de garganta e a tosse. É comum encontrar o gengibre em
grande parte dos quintais dos moradores, sendo utilizado na forma de chá,
entretanto alguns moradores também afirmaram a utilização para fabricar quentão
nas festas juninas da comunidade.
A losna foi citada pelos agricultores(as) como uma planta capaz de tratar dor de estômago e
machucadura. Já a camomila, ou também denominada popularmente maçanilha, pode
ser usada tanto para nervosismo ou ansiedade, dor de estômago e infecção. Sendo
esta planta muito utilizada para tratar estes sintomas em bebês e crianças.
Conforme o relato de um agricultor(a): “[...] a camomila é boa pra
acalmar os bebês, eu criei tudo os filho usando chá
quando tavam doente, porque a gente aqui no interior
tem que se virar com os remédio do mato [...]” (Entrevistado PL).
Por esta expressão “remédio do mato”, percebe-se que
há um reconhecimento do agricultor(a) de que a natureza é providencial, ela lhe
fornece o que necessita para viver com saúde, o que evidencia o significado de
conhecimento empírico. O fato de morar na zonal rural, no interior, significa
estar distante do remédio da “ciência”, dos recursos médicos, então é preciso
recorrer à experiência no uso e preparo das plantas medicinais herdados pela
tradição.
Aos moradores(as) ainda foi questionado sobre como as plantas utilizadas
são adquiridas, onde 100% deles informaram que a maioria das plantas que
utilizam estão em seus próprios quintais, entretanto há também a troca de mudas
de plantas entre os agricultores de uma mesma comunidade, e em últimos casos
elas podem ser adquiridas no comércio central de Laranjeiras do Sul, Paraná.
Estudos científicos trazem a eficiência
das plantas medicinais e entre elas, as que foram citadas pelos agricultores
(as) moradores. A hortelã é indicada como
vermífugo, tem função digestiva e calmante. Desta planta é possível extrair
óleos essenciais assim como do gengibre. O gengibre é indicado para tratamento
de reumatismo, rouquidão, gripe e resfriados, bronquite, sintomas estomacais e
como tônico (MOTA; RODRIGUES, 2001).
De forma geral, o tema plantas medicinais, quando
abordado, remete a uma série de assuntos correlatos, tais como a agroecologia,
onde a conexão está em um ponto convergente comum entre os temas que é a valorização do conhecimento empírico que vem das
mais diferentes culturas presentes nas comunidades, o uso de práticas
agroecológicas para o cultivo e o fortalecimento da agricultura familiar.
CONCLUSÕES
Independente das diferentes
etnias dos agricultores(as) (“brasileira”, italiana, alemã, polonesa), todos
apresentaram em comum práticas tradicionais no uso de plantas medicinais.
Os agricultores(as)
representam um retrato do conhecimento empírico empregado no cuidado e no
tratamento de sinais e sintomas com plantas medicinais. Desde o cultivo da
planta, o modo como deve ser colhida, a receita de como deve ser preparada e
consumida, passa por todo um ritual.
Os agricultores(as) buscam nas plantas medicinais uma forma de tratamento
terapêutico pela facilidade de acesso e por consideram
que as plantas oferecem menos efeitos colaterais que os medicamentos. Além
disso, as limitações do serviço de saúde nas comunidades
muitas vezes faz com que o uso das plantas medicinais se tornem o único
recurso disponível para algumas famílias.
Para as principais espécies medicinais utilizadas, de
maneira geral, não são utilizadas técnicas específicas para preparo do solo,
adubação e época de plantio.
Quatro, das cinco plantas mais utilizadas devem ser
consumidas imediatamente após serem colhidas, a exceção cabe à camomila que
deve passar por um processo de secagem, ser armazenada, e posteriormente
consumida. Entre as formas de preparo possíveis, a mais comum é na forma de chá (fervido ou por infusão), podendo ser
este tomado frio ou quente.
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13(1): 136-156, 2015
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