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Ajuste de pH na produção de fermentado
alcoólico de tamarindo (Tamarindus indica
L.)
pH adjustment in the production of alcoholic
fermented tamarind (Tamarindus indica L.)
Ajuste de pH
en la producción de tamarindo fermentado alcohólico (Tamarindus indica L.)
Ingridy Duarte Costa1; Shirlene Kelly Santos Carmo2*
1 Bacharela em Ciência e Tecnologia, Universidade
Federal Rural do Semi-Árido, Centro Multidisciplinar de Pau dos Ferros, Pau dos
Ferros, Rio Grande do Norte, e-mail: ingridy.duarte14@outlook.com; 2 Engenheira
Química, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Departamento de Ciências
Exatas e Naturais, Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, e-mail: shirlene@ufersa.edu.br.
Resumo: O tamarindo é rico nutricionalmente e apresenta aspectos sensoriais
atrativos para o desenvolvimento de novos produtos, como a exemplo, as bebidas
alcoólicas. No entanto, este fruto in natura apresenta baixos valores de
pH, que pode vir a comprometer o desenvolvimento eficaz do microrganismo
fermentativo para este tipo de produto. Nesse sentido, esse trabalho teve por
objetivo elaborar dois tipos de fermentados, FA (sem ajuste de pH),
e o FB (com ajuste do pH), e analisar o produto quanto as suas características
físico-químicas. A fermentação ocorreu em reatores bateladas com
desenvolvimento anaeróbico mantidos sob controle de temperatura a 18°C, durante
15 dias, utilizando para isto o emprego do microrganismo Saccharomyces cerevisiae. Ao
comparar os fermentados produzidos, FA e FB, observou-se
que ambos resultaram em teores alcoólicos próximos, 5,2% e 5,0%,
respectivamente, encontrando-se assim, dentro dos padrões previstos em
legislação, de onde se pode concluir que, a levedura utilizada apresenta
eficácia na sua atividade fermentativa mesmo quando exposta ao estresse ácido do
meio.
Palavras-chave: Bebidas alcoólicas. Fermentação em batelada. Agroindustrial.
Keywords:
Alcoholic
beverages. Batch fermentation. Agroindustrial.
Palabras Clave: Bebidas alcohólicas. Fermentación por lotes.
Agroindustrial.
INTRODUÇÃO
No mundo, cerca de um terço de toda a produção de alimentos se
transforma em resíduo alimentar, dos quais 45% são referentes a frutas e
legumes. O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de produtos
agrícolas, com uma produção estimada de 260 milhões de toneladas de alimentos
por ano (CEDES, 2018). No entanto, as perdas em toda a cadeia produtiva para
frutas alcançam, em média, 30% (SOUZA et al., 2021). Estes desperdícios, em
parte, são devido a maior perecibilidade, quando comparadas a outros alimentos.
O fruto do tamarindeiro (Tamarindus indica L.) é caracterizado
por um sabor ácido doce único e exótico devido à combinação de altos níveis de
ácido tartárico e açúcares, sendo comumente consumido em forma de polpa. Possui
ainda, uma excelente qualidade nutricional com alto níveis de carboidratos,
proteínas e elementos minerais (FERREIRA et al., 2019). Lim et al. (2013)
relatam que a polpa de tamarindo apresenta propriedades antioxidantes e de
combate ao colesterol, uma vez que foram detectados expressivos teores de
compostos fenólicos.
Tendo em vista que o fruto tamarindo ainda é pouco explorado como
matéria-prima para o desenvolvimento de produtos alimentícios em escala
industrial (FERREIRA et al., 2019). A utilização do tamarindo é vista como
potencial de mercado por apresentar excelentes propriedades nutricionais e sua
facilidade de cultivo (MAIA, 2014; SILVA et al., 2020).
Em face do exposto, a produção de bebidas alcoólicas a partir de fontes
de carboidratos fermentáveis surge como uma alternativa para aproveitamento de
diversos frutos. Além de uvas, outras frutas têm sido utilizadas para a
produção de fermentados tropicais e subtropicais como o de abacaxi, manga,
melão, cacau, caqui, banana, jabuticaba, entre outros (DIAS et al., 2017). A
exemplo, destaca-se o tamarindo que é muito disseminado na região nordeste do
Brasil (SANTOS et al., 2019).
O processo para a obtenção dessas bebidas, ocorre em função com atuação
de microrganismos fermentativos, dos quais, a levedura Saccharomyces cerevisiae (Saccharomycetaceae)é a mais
empregada. Este microrganismo se destaca por apresentar um metabólico capaz de
se desenvolver tanto em condições anaeróbicas quanto aeróbias, além de
apresentar tolerância ao estresse osmótico, às altas concentrações de ácidos e
etanol, a não produção de substâncias nocivas (FONSECA et al., 2020).
Durante a fermentação, os principais produtos formados são o etanol (C2H6O)
e gás carbônico (CO2). No entanto, para o desenvolvimento eficiente das
leveduras, o meio deverá apresentar condições adequadas. O pH é um dos fatores
que afetam o processo fermentativo, sendo importante no controle da
contaminação por bactérias, além de afetar o crescimento das leveduras, as
taxas de fermentação e a formação de subprodutos.
De acordo com o estudo realizado por Liu et al. (2015), um pH em torno de
4,5 proporciona a maior produção de etanol a partir da ação do microrganismo S. cerevisiae. Além disso, foi observado que, o pH inicial baixo facilita o
crescimento das leveduras, porém para valores inferiores a 2,5, pode inibir
esse crescimento, resultando em uma taxa de fermentação menor. Breisha
(2010), afirma que, o pH abaixo de 3,5 levou à redução da viabilidade e do
vigor da levedura, bem como ao menor rendimento de etanol. Segundo Wong e
Sanggari (2014), os valores ideais de pH para o crescimento da levedura podem
variar de 4,0 a 6,0, dependendo de suas cepas. Walker e Stewart (2016),
apresentam em relação aos requisitos de temperatura e pH para fermentações
alcoólicas, que as leveduras prosperam em ambientes quentes e ácidos, com a
maioria das cepas de S. cerevisiae crescendo
bem entre 20 e 30 °C e pH 4,5 e 6,5.
Os fermentados de frutas devem seguir os padrões de identidade e qualidade
regidos pela Lei nº 8.918, de 14 de julho de 1994, regulamentadas pelo Decreto
nº 6.871, de 4 de junho de 2009 (BRASIL, 2009). A partir do exposto, o objetivo
deste trabalho foi elaborar dois tipos de fermentados FA (sem
correção de pH), e o FB (com ajuste do pH) a base de tamarindo, e
analisar o produto quanto as características físico-químicas.
MATERIAL E
MÉTODOS
A matéria prima deste trabalho, o tamarindo maduro, foi adquirido na
feira local do município de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte. Para o estudo,
foram produzidos dois tipos de fermentados alcoólicos: FA -
fermentado de tamarindo sem ajuste de pH, FB - fermentado de
tamarindo com ajuste de pH. O processo experimental foi conduzido no
Laboratório de Química do Centro Multidisciplinar de Pau dos Ferros na
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). As etapas do processo de
produção de fermentados estão indicadas conforme fluxograma (Figura 1).
Figura 1. Etapas do processo
de produção de fermentados de tamarindo no Laboratório de Química do Centro
Multidisciplinar de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte
A polpa da tamarindo foi submetida a análises
físico-químicas para quantificação do pH, por meio de um pHmetro; e sólidos
solúveis totais (°Brix), por refratometria (Marca Atago; Modelo Pocket
Refractometer PAL-1); conforme metodologia de Instituto Adolfo Lutz (IAL, 2008).
A análise do oBrix é uma medida de fundamental importância, pois
quantifica os sólidos totais, incluindo os açúcares inicialmente presentes no
mosto, indicando assim, a necessidade ou não da etapa de chaptalização, a qual
estabelece a quantidade de açúcares a serem adicionados como forma de
estabelecer um mosto em condições adequadas para elaborar um fermentado dentro
dos padrões exigidos por legislação.
Para extrair o suco, a polpa obtida passou por um processo de despolpamento manual
com auxílio de um liquidificador e uma peneira domésticos. Cerca de 528 g da
polpa foram triturados juntamente com água, sendo utilizada a proporção de 1:6.
Após a extração e preparo do suco de tamarindo com a
adição de água, foi realizada a clarificação, que consiste na retirada da
pectina contida no mosto, pela adição de uma solução de gelatina 10%
(comercial, incolor e inodora) como clarificante adicionado numa proporção de 3g/litro
de suco e mantendo-se em geladeira por 24 horas. Posterior a esta etapa, com a
utilização de uma peneira fez-se a separação das partes aglutinadas pela ação
da gelatina e assim, obteve-se o suco livre da pectina. Essa substância
presente em um processo fermentativo, pode dar origem ao metanol, que em níveis
elevados, torna a bebida imprópria ao consumo.
Na sequência, após analisar por meio do refratômetro,
o oBrix do mosto, realizou-se a chaptalização para correção do
mosto, o qual consistiu na adição de 116 gramas de sacarose (açúcar comercial)
para cada litro de suco. Essa adição tem como propósito promover a correção da
deficiência do teor de sólidos solúveis totais para atingir o teor alcoólico
dentro dos padrões exigidos por legislação para esse tipo de bebida. A etapa de
ajuste do pH para o FB, ocorreu pela adição do Carbonato de cálcio
(CaCO3) na proporção de 8,0 g/100ml do suco.
O processo fermentativo ocorreu de forma anaeróbica em reator de
polipropileno em batelada, por meio da ação do microrganismo S. cerevisiae,
e se desenvolveu em um refrigerador com controle de temperatura na faixa de 18 °C.
Com o intuito de obter um fermentado alcoólico dentro
dos padrões exigidos pela legislação (BRASIL, 2009) quanto ao seu grau
alcoólico, foi necessário a realização da etapa de chaptalização, que consistiu
na adição de açúcar ao mosto, sendo este um procedimento padrão na elaboração
de fermentado alcoólico de frutas. Posteriormente, foi adicionada a levedura S.
cerevisiae (Levedura Blastosel Horizon), na proporção 15g/L, a qual
passou por um procedimento de ativação inicialmente, de forma a preparar a sua
estrutura celular para o processo fermentativo, assim como, para a
multiplicação inicial de células. A mistura foi deixada em repouso por 15
minutos, e quando obteve uma consistência de creme, foi inoculada ao mosto,
dando início ao processo de fermentação.
A fermentação estendeu-se por um período de 15 dias, através de um
sistema anaeróbio. Foi possível determinar o fim da fermentação através do
monitoramento do °Brix, onde foi avaliada a cada 24 horas de processo, e
finalizada após o teor de sólidos solúveis (°Brix) atingir a estabilidade. Ao
término da fermentação, os fermentados FA e FB, foram filtrados com o auxílio
de um sistema de filtração a vácuo, e posteriormente, envasados em garrafas de
vidro próprias para vinhos, previamente limpas e sanitizadas. As bebidas envasadas passaram por um processo de
pasteurização, em banho-maria, a 65ºC durante 30 minutos e posterior resfriamento
em recipiente contendo água fria.
Os fermentados produzidos foram avaliados em
triplicata quanto ao teor de sólidos solúveis (oBrix), pH, acidez
titulável, conforme metodologia do Instituto Adolfo Lutz (IAL, 2008) e teor
alcoólico. Por meio do oBrix, e utilizando tabelas de equivalência da densidade em relação a ºBrix, foi
possível obter os valores da gravidade específica inicial (OG) e final (FG), e
assim, calcular, de acordo com a equação 1, o teor alcoólico por volume (%ABV)
obtido para os fermentados FA e FB.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Os resultados referentes a caracterização físico-química da polpa de
tamarindo in natura na pesquisa podem ser observados na Tabela 1, onde
observa-se que, o tamarindo apresenta um pH de baixo valor, que condiz com o
apresentado em Hamacek et al. (2013), correspondente a 2.95; e com o valor de
2,5 apresentado por Maia et al. (2021). Em relação ao oBrix, o valor
também se encontra próximo ao valor de 8,4 oBrix apresentado por
Muzaffar e Kumar (2015), ao 7,25 oBrix encontrado por Lima et al.
(2015) e ao 7,7 oBrix verificado por Santos et al. (2016).
Tabela
1. °Brix e pH do fruto de tamarindo in natura do
município de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte
Análise |
Valores |
Sólidos solúveis (°Brix) |
7,6 ± 0,34 |
pH |
2,65
± 0,19 |
Na Tabela 2, apresenta a caracterização físico-química dos mostos, os
quais encontram-se preparados, após a etapa de chaptalização, para a adição dos
microrganismos e início a fermentação dos tratamentos FA e FB,
onde nota-se que ambos os mostos apresentam um start inicial semelhante
em relação a quantidade de sólidos solúveis disponíveis à conversão em etanol
(Tabela 2).
Tabela 2. Caracterização físico-química dos mostos de tamarindo
Análise |
Mosto FA |
Mosto FB |
Sólidos solúveis (°Brix) |
19,9 ± 0,32 |
19,1 ± 0,21 |
pH |
2,80
± 0,06 |
4,1
± 0,17 |
Como pôde ser observado na Tabela 2, o pH para o mosto
FB foi ajustado, apresentando dentro da faixa considerada adequada para
o desenvolvimento eficaz do microrganismo fermentativo. Em relação aos valores
de oBrix, ambos iniciaram o processo com valores equivalentes, com o
objetivo de observar, em especial, exclusivamente a influência do pH sobre o
processo fermentativo.
Na Tabela 3, são observados os resultados das análises
de pH, sólidos solúveis totais, acidez titulável e teor alcoólico obtidos nos
dois fermentados, onde é possível observar que
o fermentado FA, tenha sido desenvolvido em um ambiente de estresse
ácido, provocado pela condição de baixo pH, os resultados mostraram que ambos
os fermentados se apresentaram próximos em relação a todos os parâmetros
físico-químicos avaliados. Em comparação, os resultados de sólidos solúveis
totais (SST) foram semelhantes
aos obtidos por Maldonado et al.
(2021).
Tabela 3. Caracterização físico-química dos fermentados da polpa
de tamarindo
Análise |
Fermentado FA |
Fermentado FB |
Sólidos solúveis (°Brix) |
10,9 ± 0,03 |
10,3 ± 0,02 |
pH |
2,6
± 0,14 |
2,5
± 0,023 |
Acidez (g/100mL) |
1,71 ± 0,06 |
1,45 ± 0,16 |
Teor alcoólico
(%) |
5,2
± 0,05 |
5,0
± 0,08 |
O trabalho desenvolvido por Pajaro-Escobar
et al. (2018), mostra que mesmo em condições de estresse ácido, trabalhando com
o pH do tamarindo igual a 2,5, conseguiu produzir um fermentado com um
percentual alcoólico de 8.9% apresentando-se dentro da faixa estabelecida para
este tipo de bebida, conforme Art 45 do decreto Nº 6.871, de 4 de junho de 2009
(BRASIL, 2009). Diógenes e Carmo (2021),
abordado o desempenho da levedura S.
cerevisiae, na obtenção de fermentados alcoólicos de frutas tropicais a
partir de mostos com baixos valores de pH (2,0; 2,3 3,8) mostraram a obtenção
de fermentados alcoólicos dentro dos padrões e com boa aceitabilidade,
resultando em teores alcoólicos, respectivamente, 9,6%; 6,7% e 11,50%.
Concluindo assim, que mesmo em um ambiente de estresse ácido, os fermentados
preservaram as características dos frutos utilizados como matéria-prima, e
resultaram em um rendimento alcoólico dentro dos padrões exigidos por
legislação.
Com os dados de sólidos solúveis inicial e final, convertidos
em OG e FG, respectivamente, foram calculados os teores alcoólicos para os fermentados
FA e FB, 5,2 e 5,0 (%v/v), respectivamente, conforme apresentado
na Tabela 3, onde se mantiveram dentro dos valores previstos em legislação para
esse tipo de bebida (BRASIL, 2009).
Os resultados obtidos na produção dos fermentados demonstram uma
alternativa para valorização do fruto na geração de novos produtos,
constituindo-se, principalmente na região Nordeste, numa alternativa para
minimizar o desperdício do fruto e agregando valor à cultura. Portanto, mesmo
em um ambiente de estresse ácido, como tratado neste trabalho, o ajuste do pH
no mosto fermentativo não ocasionou diferenças significativas nas propriedades físico-químicas
que caracterizam o fermentado. Na prática, além de evitar adição de produtos
químicos que podem alterar a identidade sensorial do fruto estudado, promove uma
economia de recursos, já que o ajuste do pH exige a adição de produtos químicos
ou outros insumos, que apresenta custos associados. Em relação ao aspecto
visual dos produtos elaborados, o fermentado FA obteve uma aparência
translúcida, já o FB, apresentou-se mais opaco, o que pode indicar a
presença de taninos mais evidentes.
O meio ácido apresenta ainda outras vantagens, pois torna-se menos
sujeito a contaminação bacteriana, resultando em um maior rendimento alcoólico
(LIMA et al., 2001). Em vista disso, pode-se observar através desse estudo que,
propostas de fermentados alcoólicos à base de tamarindo, se apresentam como uma
nova oportunidade de produto. Estudos futuros devem ser realizados para avaliar
as características sensoriais e de aceitação do fermentado de tamarindo, a fim
de confirmar a potencialidade de seu uso na elaboração de bebida alcoólica fermentada.
CONCLUSÕES
Os fermentados de tamarindo apresentaram
teor alcoólico aceitável dentro dos parâmetros legais para este tipo de bebida,
sendo possível verificar que a levedura S.
cerevisiae apresenta-se eficaz mesmo em condições de estresse ácido no
processo fermentativo.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal Rural do Semi-Árido e ao Grupo
de Pesquisa em Processos e Análises Químicas por disponibilizar os meios
necessários para este estudo.
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