A narrativa do bibliocausto em tempos de cibercultura
conjecturas sobre a indestrutibilidade das criações intelectuais
Resumo
Milenarmente vilipendiado ao dissabor dos ventos revolucionários – e desvairados – da política, o corpus da criação intelectual tem sido apreendido e escatologicamente reduzido às cinzas. Desmaterializada a ideia, a perseguição alcança autores e leitores, indistinguíveis. Pela ação dos bibliocastas – termo que tomado amplamente designa àqueles que se dedicam à destruição de objetos estéticos e mnemônicos – ocorre o memoricídio: a destruição da memória através da supressão de signos culturais, ocorrência típica, mas não exclusiva, de regimes de viés totalitário. Analisa-se no presente trabalho o teor da narrativa do bibliocausto e sua perniciosidade de tal forma a demonstrar que até mesmo os Estados que se dizem “democráticos” e “de direito” e que se encontram em um contexto de avanços tecnológicos tais que parecem aproximar da utopia da indestrutibilidade dos bens culturais, podem ter subvertidos seus valores de proteção e guarda das obras autorais em uma ânsia por controle e repreensão culminante em acessos de destruição. Utilizam-se, como marcos teóricos, as reflexões de Piérre Lévy sobre a cena cibercultural e o teor reformista que deve alcançar a legislação, bem o pensamento de autoralistas que discutem as repercussões das mudanças no corpus mechanicum que projetam novas possibilidades de captura das abstrações do corpus misticum.